“Não estamos a falar de rampas, mas de pessoas”. O turismo é para todos e há quem lute para o tornar mais acessível
por António Moura dos Santos (Texto), Paulo Rascão (Fotografia e vídeo) e Pedro M. Santos (Fotografia e vídeo) | 18 de Março, 2022
Bem receber não se trata apenas de simpatia e bom trato. É preciso ter em conta as necessidades de cada um, desde quem não vê a quem não consegue andar — ou fá-lo com dificuldade porque os anos já são muitos. Um mundo mais aberto também significa um turismo mais aberto, e é na luta por torná-lo mais acessível que a Accessible Portugal tem estado.
No segundo dia da Bolsa de Turismo de Lisboa, o palco do NEST – Centro de Inovação do Turismo decidiu seguir o seu ciclo de talks dedicado às pessoas e como estas devem estar no coração de todas as estratégias empresariais. Foi então com chave de ouro Nuno Leal tomou a palavra para falar de um “Portugal sem Barreiras: Turismo Inclusivo”.
A apresentação do consultor da Accessible Portugal trouxe para reflexão o quanto o turismo tem de ser aberto a pessoas de todas as necessidades, quer físicas, quer mentais, quer demográficas. Até porque não o fazer vai contra os seus direitos e implica perder importantes fatias de mercado.
Tendo como “principal função a promoção do turismo acessível” no nosso país, a organização tem vindo a trabalhar esta temática desde 2009. O veredito é que “Portugal tem apostado imenso nesta área” — e o facto de a Estratégia de Turismo 2027, documento gizado pelo Turismo de Portugal, ter “15 referências explícitas à acessibilidade e inclusão” é exemplo disso mesmo. No entanto, “é evidente há muito caminho a fazer”, sublinhou Nuno Leal.
Um destino turístico apenas é considerado acessível quando “tem a capacidade para receber este tipo de pessoas sem que haja um elo desta cadeia que cause uma experiência negativa” e que providencie “informação fidedigna sobre a sua acessibilidade”.
E quando se fala de turismo acessível, o foco não deve estar apenas nos ganhos potenciais, mas sim nos clientes que tem direito a usufruir da sua vida sem discriminação. “O Código Mundial de Ética”, da Organização Mundial do Turismo, de resto, é bem explícito quando defende que “a possibilidade de aceder, direta e pessoalmente, à descoberta das riquezas do planeta constitui um direito aberto a todos os habitantes do mundo”.
“Não estamos a falar só de rampas, mas de pessoas com direito à igualdade, à autonomia e à dignidade”, frisou o consultor da Accessible Portugal. As riquezas do mundo “não devem ser obstaculizadas, seja por degraus, escadas, planos ou pavimentos inclinados ou pisos que não estejam de acordo com as necessidades especiais de cada pessoa”.
Mas quem é que é abrangido por esta preocupação em tornar o turismo acessível? No fundo, toda a gente. É que além de “pessoas com incapacidade permanente ou prolongada, idosos, famílias com crianças pequenas, grávidas e pessoas com alergias”, a Accessible Portugal tem ainda como público-alvo “quem sofre de algum tipo de incapacidade temporária” — como um acidentado ou alguém que partiu um membro.
Por outras palavras, todos podemos estar na situação de necessitar que o turismo seja mais acessível, não só porque envelhecer é inevitável, como também porque qualquer um pode subitamente ver-se numa situação de incapacidade. Nuno Leal, aliás, sublinhou isso mesmo quando recordou já ter partido um braço. “Quais de nós é que nunca pertenceram a este grupo?”, questionou.
Ignorar esta temática, no fundo, não é apenas agir de forma discriminatória — mesmo que passivamente —, mas também pode implicar perder clientes, já que o turismo acessível “é um segmento de mercado extremamente vasto e é transversal a todos os segmentos, do luxo ao turismo social”, adianta o consultor da Accessible Portugal.
Mas mais do que isso, é um mercado que está em franca ascensão e com “um potencial enorme”. Se, de acordo com o World Report on Disability — relatório a cargo da Organização Mundial de Saúde —, em 2011, mil milhões de pessoas tinha algum tipo de deficiência ou necessidade especial de acesso (15% da população mundial), este número vai subir.
“Entre 2010 e 2050, o número de pessoas com mais de 60 anos vai passar de 605 milhões para dois mil milhões”, alertou Nuno Leal, acrescentando que os mais velhos “têm hoje muito mais tempo disponível para viajar, são mais exigentes e têm mais meios financeiros para o fazer”.
Já em Portugal, o número abrange sensivelmente 40% da população, já que nos Censos de 2011 foram reportados quatro milhões de pessoas com alguma dificuldade diária, desde “subir degraus a ter falhas de memória ou concentração, dificuldades em tomar banho ou vestir-se”, disse Nuno Leal.
Além disso, não se pode apenas ter em conta as pessoas diretamente visadas pelas necessidades de acessibilidade, pois estas trazem sempre acompanhantes consigo. “O efeito dos acompanhantes de pessoas com deficiência — que são um factor da decisão [de viajar] — é de 2,2. Ou seja, cada pessoa com deficiência arrasta consigo em média 2,2 acompanhantes”, revelou o consultor da Accessible Portugal.
Como parte do esforço da organização, foi criada a plataforma TUR4all, disponível em website e aplicação móvel, onde o “principal objetivo é promover turismo acessível em Portugal”. “Há já 1700 recursos turísticos na plataforma que foram visitados por nós, sendo que fomos fazer o levantamento das condições de acessibilidade de cada um”, adianta Nuno Leal.
A juntar-se a esta iniciativa, a Accessible Portugal conta ter pronta mais uma até ao final de março. Trata-se da AcessTUR, criada em parceria com 90 municípios de sete Comunidades Intermunicipais da zona centro do país, contando com o apoio do Turismo do Centro de Portugal. Para o seu desenvolvimento, os municípios nomearam cinco recursos turísticos cada um. Ou seja, ao todo, foram realizadas “450 visitas técnicas e elaborado um relatório de acessibilidade com sugestões de melhoria” pela organização.
A Accessible Portugal conta agora em pegar nesta fórmula para criar o InclusivTUR — visando concelhos do Alentejo central — e o AlgarveforAll, que fará o mesmo no sul do país. Além das atividades acima mencionadas, a organização realiza também “workshops de sensibilização com os intervenientes locais, trabalho em rede com esses mesmos agentes, criação de clubes de fornecedores para diversos produtos de apoio e formações em atendimento inclusivo”, entre outras.
A aposta no turismo acessível não pode senão trazer ganhos, defende Nuno Leal, pois “contribui para a redução da sazonalidade, responde às necessidades de mercado dado o envelhecimento da população e permite aos nossos destinos diferenciarem-se dos outros”. Além disso, a fidelização dos clientes traz “sustentabilidade social e económico-financeira”.
Mas, acima de todo, voltemos ao início. Não só a acessibilidade é uma “oportunidade no mercado”, como é “uma questão de ética e da melhoria da qualidade de serviço, da segurança dos próprios ambientes e da hospitalidade”. Porque bem receber significa bem reencontrar.