Marcelo Lebre, co-fundador da Remote: “A ansiedade ou é super-problema ou é um super-poder”
por The Next Big Idea | 6 de Dezembro, 2022
“Nascido e criado” em Anadia, Marcelo Lebre escolheu estudar engenharia, mas bem que podia ter sido Direito já que aos 18 anos achava “um piadão” ler o código civil. Acabou por escolher computadores e telemática e diz que, maioritariamente, foi assim “por sou malandro e a Universidade de Aveiro ficava perto de casa”.
Quando recuamos um pouco mais na história, ficamos a saber que houve um avô, fã de Perry Mason, que o entusiasmou com a lei, e o mesmo avô – “na minha aldeiazinha, no meio de nada” – tinha um Spectrum. Esse é o primeiro contacto com computadores do co-fundador da Remote, o mais recente unicórnio com ADN português, e também o mais rápido a alcançar esse estatuto.
Na universidade, as coisas mudaram de figura durante o mestrado com o incentivo de um professor, Diogo Gomes, que fez com que Marcelo encontrasse “algo que verdadeiramente” o apaixonou. Esse algo foi o tema da tese de mestrado, genericamente sobre protocolos para telemóveis passarem informação de contexto (sobre quem faz a chamada, o equipamento, etc.) e que valeu ao aluno até então mediano um 19. Valeu-lhe também permanecer como investigador durante quase três anos na universidade.
Em 2012, surgiu a oportunidade de integrar a equipa da Novabase na área de quality assurance e decidiu dar o salto para Lisboa. E é precisamente no primeiro fim de semana que passa na capital que conhece Job van der Voort, holandês a fazer doutoramento em neurociências na Fundação Champalimaud e namorado de uma amiga da atual mulher de Marcelo Lebre. Um encontro casual, de amigos, que acaba por se tornar, como no filme “Casablanca”, o início de uma bela amizade.
O primeiro projeto conjunto foi uma plataforma de “matchmaking” para empresas e candidatos a empregos com a qual Marcelo e Job concorreram à aceleradora promovida pela Beta-i.
“Filosoficamente, a Remote começou aqui”, considera hoje Marcelo. Filosoficamente, sim, mas não seria esse ainda o momento. “Levámos uma chapada da Beta-i”, recorda hoje com humor. “Não tínhamos experiência, não conhecíamos o mercado, era uma boa promessa, mas muito imatura”.
Após essa “chapada”, Job van der Voort decide deixar o doutoramento em neurociências e começar a aprender a programar. Marcelo, por seu lado, continua com as experiências de produtos, um deles será a primeira aplicação para terapia de fala em português que desenvolve com a namorada.
Profissionalmente, acumula várias experiências. Depois da Novabase junta-se a uma startup francesa e daí ruma à Faber, uma experiência que vai ser decisiva para o futuro. É aí que, integrado na equipa técnica que dava apoio aos projetos investidos, vai ganhar exposição ao que estava a acontecer no mundo das startups em Portugal, conhecendo muitos fundadores e aprendendo com eles como se faz uma empresa, ao mesmo tempo que os ajudava com o desenvolvimento tecnológico.
É dessa experiência que surge o convite para integrar a Unbabel, um dos projetos que tinha acompanhado, ao mesmo tempo que Job aceitava uma posição da Gitlab, então também em grande crescimento. Nos intervalos, os dois amigos continuavam a fazer projetos paralelos. “Temos um cemitério de aplicações e plataformas”, relata Marcelo. “Programar, consegue-se sempre, mas transformar num negócio já exige outro tipo de dedicação”.
Essa dedicação surgiria em 2018 após mais uma conversa telefónica entre os dois co-fundadores da Remote. “Eu estava mesmo a precisar de dar o salto e fazer o meu próprio projeto. E disse-lhe: ‘então andamos a ensinar os outros a fazer e não fazemos nada nosso?'”.
O que é Product Market Fit?
O conceito de Product Market Fit (em português, encaixe de produto e mercado) foi desenvolvido por Andy Rachleff e descreve basicamente o processo de criar um produto que as pessoas queiram usar.
Existem algumas definições de PMF, mas a forma mais fácil de perceber o conceito é imaginar um produto tão perfeito que os utilizadores se tornam vendedores.
Ou seja, quando há Product Market Fit:
- Os utilizadores existentes adoram o produto e reconhecem o seu valor
- Os clientes falam aos seus amigos sobre a experiência que tiveram com o produto
- A empresa consegue replicar este efeito com novos utilizadores
Quando o Product Market Fit não existe:
- Os clientes queixam-se do valor que estão a pagar pelo produto
- O passa-palavra não funciona, ou é negativo/prejudicial
- Não há atenção dos meios de comunicação
- O ciclo de vendas é demasiado longo, ou nunca fecha
Rachleff sugere que um dos melhores testes para perceber se encontrou PMF é quando um produto cresce exponencialmente sem marketing.
Por isso, é um sinal de alerta se uma startup que acabou de começar precisa de investir muito em publicidade. Se houvesse product market fit, não precisariam — e a maioria dos investidores procura Product Market Fit acima de tudo.
A resposta resultou na compra do domínio Remote.com que, na verdade, começou por ser uma busca de Job a propósito do podcast que já fazia sobre trabalho remoto e que acabou por os levar a um sítio não muito distante do que andavam à procura, há anos. Uma plataforma que permitisse juntar empresas e talento, em qualquer parte do mundo e, desta vez, com foco num problema muito concreto: a necessidade que tanto Marcelo como Job já tinham identificado, tanto na Unbabel como na Gitlab, de contratar localmente independentemente da sede da empresa empregadora e da nacionalidade da pessoa que ia ser contratada.
“Convergimos ali, no trabalho remoto, um imbróglio com que muitos se deparavam e que ninguém estava a resolver”.
A compra do domínio remote.com foi um primeiro passo. O domínio já não era usado pela empresa que o detinha, mas o valor era elevado. “Costumo dizer que custou um rim”, brinca hoje Marcelo. Acabaram por comprar a empresa na sua totalidade à equipa americana que a detinha, mas que a mantinha em modo zombie, e começaram a construir a partir daí o que seria a Remote que hoje conhecemos.
O primeiro investimento foi feito no círculo de proximidade, família e amigos, e na verdade não era bem um investimento mas um empréstimo que os dois sócios queriam devolver rapidamente com as receitas obtidas organicamente com o negócio. Mas o mercado estava a evoluir rápido e as oportunidades cresciam — e aí começaram a perceber que precisavam de investimento profissional.
Em setembro/outubro de 2019 já tinham mais clientes, conta Marcelo, do que conseguiam resolver. “E nessa mesma altura começámos a ouvir falar de algo que estava a acontecer na China”. A primeira ronda de investimento acontece em abril de 2020 e, até abril de 2022, seguir-se-ão mais três, num total de 496 milhões de dólares angariados.
Seriam precisos poucos meses para que a pandemia de Covid-19 se instalasse globalmente e o mundo assistisse em direto a uma mudança de rotinas, nomeadamente no que respeita ao trabalho. O antigo espaço do escritório, símbolo de modernidade económica a partir da segunda metade do século XX, era substituído pela casa de cada um, entre as profissões que podiam trabalhar remotamente.
“É o que se chama uma singularidade. O momento a partir do qual nada volta a ser como antes”, observa Marcelo Lebre.
E também para a Remote nada voltaria a ser como antes. Os pedidos multiplicavam-se com empresas em todo o mundo a ter necessidade de contratar pessoas em todo o mundo, ultrapassando processos burocráticos de cada país ou, melhor dizendo, encontrando uma empresa como a Remote que assumia esses processos contratando em seu nome.
Internamente foram meses exigentes. Por um lado, a própria equipa da Remote estava a lidar com as contingências da pandemia ao mesmo tempo que crescia a ritmo elevado. Criar uma cultura centrada nas pessoas numa empresa que essas mesmas pessoas quase nunca se encontram presencialmente é um desafio redobrado.
A tecnologia foi sempre vista como uma aliada. “Uma das decisões que tomámos no meio da pandemia foi oferecer óculos VR a toda a equipa para poderem fazer exercício enquanto estavam fechados em casa”, relata Marcelo. Outra decisão foi a de atribuir férias ilimitadas, dando autonomia às equipas para decidirem os ritmos de resposta.
“A ansiedade ou é super-problema ou é um super-poder”, é a forma como o co-fundador e COO vê os temas de bem estar e de saúde mental que considera prioritários na gestão de equipas. “Nunca trouxemos os nossos egos para a Remote, se falharmos, falhamos, se não sabemos, não sabemos”, acrescenta.
Atualmente, a Remote conta com 1000 pessoas em 70 países e Marcelo Lebre admite que “se conhecer 50 pessoas, é muito”. Do próprio conselho de administração, refere conhecer “cerca de 40%”. São números que relativiza como “novo normal”.
“Estamos a viver uma espécie de revolução industrial silenciosa”, afirma, defendendo que a adaptação do formato de trabalho – presencial, remoto ou híbrido – ao perfil de cada pessoa e ao seu tipo de vida será a regra daqui doravante.
Sobre a Remote, mantém a certeza que sempre o orientou desde que começou a pensar em fundar uma empresa. “Eu não quero jogar o jogo das startups, atirar 100 vezes à espera de acertar uma, a gastar dinheiro de investidores. Porque para mim nunca foi um jogo”.
_
Encontrar o produto certo para o mercado é o tema da masterclass com Marcelo Lebre que integra a iniciativa Únicos e que ficará disponível em breve nas plataformas digitais. Fique a par do lançamento através da newsletter Next que pode subscrever aqui.