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Mais literacia financeira é o segredo para melhores empresas

por Gabriel Lagoa | 9 de Outubro, 2024

Doutor Finanças e Bison Bank uniram-se numa iniciativa que leva workshops de finanças pessoais ao Ensino Superior. Estudantes reconhecem dificuldades em temas como impostos e investimentos.

A maioria dos portugueses (64%) apresenta um baixo conhecimento financeiro. A conclusão resulta de um estudo divulgado este ano pelo Doutor Finanças, que revela também que metade dos portugueses sentem-se ansiosos quando pensam nas suas finanças pessoais. Os números não ficam por aqui: 72% dos portugueses não desenvolveram qualquer tipo de plano financeiro para a reforma e apenas 39% dos inquiridos consegue fazer face a uma despesa inesperada de 2 mil euros.

De acordo com a fintech, os números “são um claro indicativo da necessidade de investir em literacia financeira. A falta de conhecimento e a gestão inadequada das finanças pessoais não afetam apenas os indivíduos, mas também têm um impacto direto nas empresas”. E se compararmos Portugal com os outros países da União Europeia? Também aí o desempenho do nosso país fica aquém. Prova disso é um estudo divulgado no início do ano pelo grupo de reflexão Bruegel, que indica que Portugal é o segundo país do bloco comunitário com a pior classificação em literacia financeira, no que diz respeito a questões como inflação e juros. 

Por outro lado, um comunicado do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros refere que na comparação internacional de 2023, Portugal ficou em 13.º lugar no indicador global de literacia financeira, entre os 39 países participantes, registando resultados acima da média neste indicador global e nas suas componentes de atitudes e comportamentos financeiros”. 

Quanto aos jovens, diz o Doutor Finanças que a ansiedade financeira é cada vez mais comum nesta camada da população. Segundo dados do relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) da OCDE, o nível de literacia financeira dos jovens em Portugal baixou nos últimos quatro anos e apresenta desigualdades socioeconómicas que têm de ser combatidas, estando ligeiramente abaixo da média (da OCDE)

Mais literacia financeira, melhores empresas

Com estes dados em mente, o Doutor Finanças e o Bison Bank uniram forças para levar workshops de literacia financeira a várias instituições de Ensino Superior portuguesas, numa iniciativa chamada “Banco de Horas”. O objetivo é dotar os jovens universitários de conhecimentos essenciais sobre finanças pessoais, numa altura em que se preparam para entrar no mercado de trabalho.

O The Next Big Idea participou numa destas sessões, que decorreu no ISCTE, em Lisboa, e esteve à conversa com o CEO do Doutor Finanças. Rui Bairrada explica que a iniciativa surgiu depois de muitos pedidos de faculdades para que a empresa pudesse transmitir conhecimentos de finanças pessoais aos estudantes. Depois, “fomos à procura de um parceiro para que pudéssemos ter mais pessoas e mais recursos a andar pelas faculdades”, explica, referindo-se à parceria com o Bison Bank.

Em reação aos dados pouco animadores sobre a literacia financeira em Portugal, Rui Bairrada afirma que “continuamos a ser dos últimos, ou dos penúltimos países da União Europeia no que diz respeito à literacia financeira. A doutrina divide-se quanto ao lugar, mas estamos a falar do fim da fila. Há muita vergonha de falar sobre dinheiro. Se alguém perguntar quanto é que ganhamos, a primeira coisa que fazemos é retrair e não dizer. Continuamos a olhar para o dinheiro como uma coisa suja”. 

Neste workshop esteve também o CEO do Bison Bank, António Henriques, que reforçou a importância de uma melhor educação financeira para um ecossistema empresarial português mais dinâmico. “Eu acho que o ponto base aqui é sempre o conhecimento. Mais conhecimento traduz-se em melhor pensamento de objetivos e melhor concretização desses mesmos objetivos”, considera o executivo. 

Ambos os CEOs acreditam que uma população com maior literacia financeira pode contribuir significativamente para o desenvolvimento económico do país. António Henriques acredita que “um dos grandes fundamentos do conhecimento é o pensamento estratégico. Quanto mais pessoas um país tiver, com capacidade para pensar a 50 anos e, em seguida, com capacidade para executar esse plano a 50 anos, melhor”. 

Rui Bairrada reforça a ideia: “Se Portugal tiver alunos com uma boa literacia financeira, vamos ter melhores empresas. O que é que nós fazemos em todas as empresas em que trabalhamos? Tomamos decisões sobre dinheiro”. 

Literacia financeira no percurso académico?

Sobre a questão da inclusão da literacia financeira no currículo escolar, o CEO do Doutor Finanças defende que “como nós temos matemática durante toda a nossa vida, também as finanças pessoais e as decisões sobre dinheiro, que é tão importante para a nossa vida, são noções que devemos começar a ter o mais cedo possível”. Rui Bairrada considera que estes assuntos devem ser adaptados à idade dos alunos e acrescenta que “o meu sonho é que todos os anos tenhamos uma disciplina de finanças pessoais, como temos com a matemática e o português”. 

António Henriques partilha uma opinião semelhante. O CEO do Bison Bank acredita que é “absolutamente essencial” incluir a literacia financeira nas instituições de ensino. “Nesta sessão, passámos apenas por conceitos básicos de literacia financeira, mas eu percebo que, para muitas das pessoas que estão aqui, foi a primeira vez que conseguiram absorver estes conceitos de forma tão estruturada”. 

Estudantes reconhecem falta de literacia financeira

O The Next Big Idea falou com dois estudantes que participaram neste workshop no ISCTE e que quiseram dar a conhecer as suas perspetivas. Rita Cardoso, de 25 anos, afirma que já trabalha há quatro anos e sente que não tem os conhecimentos básicos para conseguir poupar e investir. “Decidi vir ao workshop e ouvir falar um pouco sobre o que é que os profissionais do meio têm a dizer para nos ajudar. Foi bastante útil”, diz a aluna. 

João Nicolau, de 20 anos, acrescenta que “estou num curso que envolve gestão e estive em Economia no secundário. A literacia financeira sempre foi um tema muito falado mas nunca é aprofundado”. 

Ambos concordam que existe uma falta de literacia financeira entre os jovens. Rita conta que tem uma licenciatura em Gestão e “sinto que me faltam 90% das coisas. Eu tenho um pouco de conhecimento, mas há pessoas que não são desta área e acredito que tenham ainda mais dificuldades do que eu. Acho que a literacia financeira deve estar acessível a todas as pessoas”. 

Questionada sobre a forma como a falta de literacia financeira pode afetar o seu futuro, Rita sente que não sabe exatamente como investir o seu dinheiro. “Não sei se estou a tomar as decisões certas ao nível da poupança e tudo mais, mesmo nas decisões básicas do dia-a-dia”, admite. 

Rui Bairrada, CEO do Doutor Finanças, completa a ideia e assegura que “quanto mais informação nós tivermos sobre dinheiro, investimentos, poupanças e sobre o que é o salário líquido e os impostos, quando chegarmos ao mercado de trabalho e tivermos o nosso primeiro emprego, vamos tomar melhores decisões”. 

Quanto à inclusão da literacia financeira no currículo escolar, os estudantes também concordam. João, por exemplo, considera que essa inclusão “poderia ser antes do secundário, entre o sétimo e o nono ano, já que do primeiro ao nono ano as pessoas aprendem um bocadinho de tudo”. 


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Como aumentar a literacia financeira?

Sobre as medidas necessárias para melhorar a posição de Portugal nos rankings da literacia financeira, o CEO do Bison Bank sugere “capacitar cada vez mais os jovens e o resto população para a literacia em geral, mas para a literacia financeira em particular, como visão de longo prazo. Portugal deve criar capacidade para atrair talento, para atrair pessoas com esse conhecimento. Independentemente de serem portuguesas ou não, o país deve criar esse acelerador.” 

Já Rui Bairrada sublinha a responsabilidade coletiva e garante que “isto é uma coisa de todos. Eu até costumo dizer que as pessoas mais importantes para mudar isto não é o Governo nem as escolas, somos nós próprios. Temos de ir em busca do conhecimento. Logicamente, todos os stakeholders do mercado têm que fazer o seu papel. O Governo, claro, tem de arranjar formas quer na escola, quer nos centros de emprego, ou nos mecanismos do Estado para passar mais conhecimento sobre estas matérias, tal como todos nós, enquanto sociedade”. 

O workshop abordou vários temas cruciais para a gestão financeira pessoal, incluindo como fazer um orçamento pessoal, as novas responsabilidades enquanto contribuinte, como descodificar o recibo de vencimento e como aproveitar o IRS Jovem.

Rita Cardoso refere que as maiores dores de cabeça dizem respeito ao crédito à habitação, como conseguir um crédito e saber qual é o melhor investimento”. Também João Nicolau tem dúvidas na hora de saber qual o melhor investimento a fazer, pois “há muitas escolhas e pouca informação”. 

De acordo como o Governo, a literacia financeira já é obrigatória nas escolas por via da educação para a cidadania. Recentemente, o Executivo anunciou que iria tornar-se uma disciplina, no âmbito de um projeto-piloto em sete escolas no ano letivo de 2024-2025. O objetivo será escalar a medida a nível nacional ao observar a reação dos alunos.

O “Banco de Horas” é uma das iniciativas de literacia financeira em Portugal, juntando-se a outras como o Plano Nacional de Formação Financeira, o Portal Todos Contam e os Programas de educação financeira. O ISCTE e o IST são duas das faculdades que aceitaram este desafio, promovendo workshops para todos os alunos interessados.