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Investimento de 3,5 mil milhões de euros cria um dos maiores centros de dados da Europa em Portugal. Quem está por trás do Sines 4.0?

por | 24 de Abril, 2021

Investimento de 3,5 mil milhões de euros cria um dos maiores centros de dados da Europa em Portugal. Quem está por trás do Sines 4.0?

Sines 4.0: Este é o nome do projeto que pretende colocar Portugal no centro de uma rede transatlântica de dados informáticos. Trata-se de um hyperscaler data center, e é, simplificando, um megacentro de processamento de dados sustentável, com o objetivo de gerir as necessidades de empresas de grande dimensão.

Na zona industrial de Sines, mais precisamente nos terrenos adjacentes à recentemente encerrada central termoelétrica a carvão, vão nascer cinco edifícios com capacidade útil de fornecimento de 450 MegaWatts (MW) de energia aos servidores, com 90 MW cada.

O investimento parte da Start Campus, empresa detida pelos norte-americanos Davidson Kempner Capital Management LP (Davidson Kempner – DK) e pelos britânicos Pioneer Point Partners (PPP).

No total, são 3,5 mil milhões de euros investidos em Sines, naquele que pode vir a ser “o maior investimento estrangeiro captado pelo país desde a Autoeuropa”, notou o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias. A estimativa é de que este megacentro de dados crie até 1.200 empregos diretos altamente qualificados e 8.000 indiretos até 2025.

Fundada em 2008, a Pioneer é uma empresa de investimento independente e sustentável em infraestruturas, que se concentra nos setores da transição energética e ambiental em toda a Europa.

De acordo com a empresa, têm mais 880 milhões de euros de capital próprio empregue em toda a Europa e uma dimensão média de investimento de cerca de 100 milhões de euros, tendo evitado 642,200 toneladas de emissões.

No historial de investimentos e aquisições da Pioneer Point Partners, surge a aposta nas centrais elétricas, com o investimento na Peak Gen Power (2010), no Reino Unido, ou a fundação da plataforma de produção de energia Flexgen, que visa construir e operar uma série de centrais elétricas na Alemanha. Já na energia solar, a empresa fez uma parceria com a empresa global de gestão de investimentos York Capital Management, para financiar a construção de parques de energia solar no Reino Unido (2013), e, posteriormente, para consolidar o mercado solar fotovoltaico italiano lançou o Sistema Rinnovabili (2019), através da aquisição, otimização e operação de centrais de pequena a média dimensão, montadas no solo.

Visando outras áreas, a PPP adquiriu também a Masotina Spa (2011), uma empresa de reciclagem de resíduos do norte de Itália, e assinou um acordo de aquisição do maior produtor de biogás na Dinamarca (2017), Nature Energy, que produz gás verde que é injetado diretamente na rede europeia a partir de resíduos agrícolas e alimentares.

Já em parceria com a empresa de investimento global Davidson Kempner, a PPP adquiriu a plataforma energética britânica Brockwell Energy Limited (2018), que tem uma gama de projetos de energia de resíduos e eólica na Escócia. Mais recentemente, estabeleceu uma parceria com os Data Centers Echelon para um programa de investimento, até mil milhões de euros em dois locais na Irlanda.

Por sua vez, a consultora financeira Davidson Kempner, fundada em 1983, tem mais de 34 mil milhões de dólares em ativos sob gestão. O fundo internacional DK foi um dos que comprou crédito malparado ao Novo Banco, tendo adquirido em 2019 o portefólio “Nata”.

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Segundo a Start Campus, o Sines 4.0 pretende ser um dos maiores ‘campus’ de dados da Europa e dar resposta à crescente procura de grandes empresas internacionais de tecnologia, sobretudo as fornecedoras de serviços de streaming, social media, e-commerce, gaming, de serviços de educação online, videoconferências, processamento e armazenagem de dados e de aplicações empresariais.

De acordo com os promotores, este megacentro de dados pretende combinar “as necessidades da nova era da informação e da transição digital com a posição geográfica única de Sines”, “contribuindo significativamente para a transição energética de Portugal”.

A Start Campus pretende que o Sines 4.0 tenha “uma pegada de carbono liquida zero, garantindo preços de energia competitivos a nível global, segurança, estabilidade e compliance em segurança de dados”, contribuindo desta forma para que Portugal possa “reemergir como player-chave no mercado internacional de dados e conectividade, e construir a próxima etapa dos 150 anos de história do país como ponto de ligação europeu nas telecomunicações globais”.

O investimento da Start Campus foi apresentado esta sexta-feira, em Sines, numa cerimónia que visou a assinatura do contrato do direito de superfície do terreno com a AICEP Global Parques, o primeiro passo para a construção desse mega data center. O evento contou com a presença do primeiro-ministro, António Costa, do ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, entre outros secretários de Estado e convidados.

Durante a apresentação do projeto, o managing diretor da Start Campus, Afonso Salema, afirmou que o “Sines 4.0 visa elevar Portugal na liderança da transição digital, colocando o nosso país no centro das comunicações mundiais”.

“Hoje marcamos um importante marco no desenvolvimento do nosso projeto: reiteramos o nosso compromisso com Sines e iniciamos os processos com vista ao licenciamento e construção. Isto é um culminar de mais de dois anos de trabalho dos acionistas e da equipa da Start Campus, a identificar localizações pela Europa inteira que pudessem integrar duas tendências muitíssimo importantes: uma é o faseout dos combustíveis fósseis e, o outro, o crescimento dos dados e da necessidade dos data centers. Por outras palavras, localizações que incorporassem a transição digital de uma forma sustentável”, afirmou Afonso Salema.

Desta forma, as condições envolventes ao concelho foram decisivas na escolha do local e o novo centro de dados vai aproveitar o acesso à rede elétrica de alta tensão, os cabos de fibra ótica internacionais e a água do mar para ajudar na refrigeração dos equipamentos.

“Sines surgiu como uma localização única, com cinco qualidades que permitem o desenvolvimento de um dos campos mais atrativos da Europa: tem acesso a energia renovável competitiva; tem escala, com espaço para crescer e acomodar a enorme procura destas infraestruturas; tem acesso a soluções de arrefecimento únicas através do oceano; tem conectividade às principais redes de fibra ótica submarinas e terrestres; e tem potencial de trazer mais ligações submarinas ao país”, explicou durante a sua intervenção, salientando que “Portugal demonstra ter soluções, infraestruturas e o talento necessários para cumprir esta visão e voltar a liderar as redes de comunicações mundiais”.

O presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, destacou a afirmação do concelho como “um dos centros urbanos mais relevantes do Alentejo” e um eixo de ligação “essencial no corredor Atlântico aos centros de consumo mais importantes da península ibérica, além de ser um polo económico central para a economia portuguesa”.

“Quando iniciamos as primeiras conversações sobre desenvolvimento de uma nova área de negócios em Sines – na sequência da instalação do primeiro cabo submarino de telecomunicações que liga diretamente o Brasil à Europa –tínhamos uma forte expectativa em relação à fixação no concelho de investimentos na área tecnológica. Mas estávamos longe de imaginar que estes projetos começaram a procurar no território quase de imediato”, assegurou.

“Consideramos que o projeto está completamente alinhado com os pontos essenciais da agenda da Comissão Europeia e da Presidência Portuguesa do Conselho Europeu, aliando dois importantes desígnios. Por um lado, o contributo para a consolidação da transição energética, introduzindo como condições fundamentais para a sua concretização o consumo de energia produzida a partir de fontes renováveis ou alternativas, e internalizando processos de refrigeração sustentáveis. Por outro lado, o contributo para a transição digital, localizando em Portugal, neste caso em Sines, um centro de dados de nível mundial, de última geração, que dará resposta aos maiores operadores mundiais de dados e de plataformas digitais, posicionando-se desta forma na dianteira dos projetos mais inovadores e mais ambiciosos”, afirmou ainda o autarca.

Antes ainda da assinatura de contrato do direito de superfície do terreno, houve tempo para uma breve intervenção de Sam Abboud, sócio fundador da Pioneer Point Partners, que explicou a importância do projeto para a empresa, destacando que “será um dos maiores centros de dados da Europa” e que o “objetivo é torná-lo num dos centros de dados mais rentáveis”.

“Desde o primeiro dia, será 100% alimentado com energia renovável de baixo custo”, disse, explicando ainda que os motivos que levaram a empresa a avançar agora com o projeto foram duas tendências: “uma é a transformação digital e a segunda é a transição energética”.

Visando a importância da transformação digital, deu o exemplo do público, todos com o telefone, utilizando o Google, o Facebook e a Microsoft. “Com esta pandemia, há ainda mais transição para o digital, mas muitas pessoas não se apercebem que cada vez que fazemos uma pesquisa no Google, dependendo de onde se está a fazer a pesquisa, o gasto energético é de 1 a 10 gramas de carbono e isso precisa de ser eliminado se quisermos alcançar uma emissão zero”, afirmou.

Abboud destacou também a vantagem de Portugal, “que se move para a transição energética e que detém uma energia solar de baixo custo”.

Já o ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, recordou como a pandemia levou a “uma maior necessidade por parte de atores de todo o mundo” de “identificarem quais as melhores localizações para os investimentos” na área das tecnologias digitais, relembrando que “a partir daí, o caso português torna-se mais óbvio”.

Segundo Siza Vieira, o desafio que é agora lançado ao país “é de como assegurar que estas oportunidades” de investimento se concretizem e, para tal, será necessário conhecer melhor e “divulgar aquilo que são as infraestruturas em matéria de conectividade digital” do país.

O ministro da Economia destacou ainda a criação de emprego altamente qualificado, reforçando que o projeto deverá ajudar o país a combater as desigualdades.

“É crítico fazermos acontecer projectos desta dimensão, desta escala, para servir o mundo, para podemos que fazer com que os nossos jovens possam aqui encontrar oportunidades de emprego à altura das suas aspirações como cidadãos europeus e à altura das qualificações que o país é capaz de lhes dar — e, assim, conseguiremos reter cá nossas pessoas, atrair outras e criar empregos de qualidade também ajudar a combater as desigualdades”, apelou Siza Vieira.

Para o primeiro-ministro, António Costa, o projeto “demonstra tudo aquilo que são as nossas bases da estratégia de desenvolvimento”, assente em três pilares: uma localização que assegura uma conectividade global, capacidade única para sermos um grande centro de produção de energia renovável e a baixo custo e podermos estar na linha da frente da transição para a sociedade digital.

Costa acrescentou ainda que se trata de “um exemplo de excelência de que a transição digital e energética são mesmo gémeas e têm de andar mão na mão, uma com a outra”. Estas transições “não são uma ameaça ao desenvolvimento económico, nem à criação de emprego”, mas sim “uma oportunidade extraordinária para um desenvolvimento económico mais sustentável e para a criação de emprego de melhor qualidade e emprego mais qualificado”.

António Costa lembrou ainda que Sines, além de ter sido “o ponto de partida” do navegador Vasco da Gama, e da instalação “do primeiro cabo de fibra ótica” (projeto da EllaLink), que liga a Europa e a América Latina, foi também o local escolhido para “ponto de amarração de outros dois cabos: o Equiano, que nos liga à África do Sul e o 2Africa, que nos liga ao conjunto de África”.

“Temos capacidade e condições naturais únicas para a amarração segura de novos cabos [submarinos]” e “capacidade e área disponível para que novos cabos se venham amarrar a Sines e estabelecer daqui a sua interconexão para o mundo”, assegurou, explicando que “os cabos de ligação de fibra ótica fazem de Sines uma localização privilegiada para toda a indústria assente no digital”.

O primeiro-ministro sugeriu ainda que Sines pode tornar-se num “campeão da produção de hidrogénio verde” na Europa, uma vez que Portugal tem “a energia solar mais barata à escala mundial”, “um recurso que é inesgotável”.

Assim sendo, tal como “a energia barata foi uma condição fundamental” para a Start Campus escolher Sines, “essa mesma energia barata será também fundamental para instalar aqui os pontos onde se podem fazer a hidrólise para a produção do hidrogénio verde”, afirmou.

“Porque hidrogénios há muitos e em muito sítio da Europa se pode fazer hidrogénio. O que não se pode fazer é hidrogénio verde”, porque, para tal,“é necessário ter estas condições de o poder fazer com base numa energia renovável” e “de baixo custo”.

Na sua intervenção, o primeiro-ministro explicou ainda que, em Sines, vai ser possível “fazer a reconversão da estrutura industrial” para “a nova era energética”, beneficiando das instalações e infraestruturas existentes, para que Portugal possa ser, cada vez mais, “um centro de produção das energias do futuro”.

“Eu diria que é, de alguma forma, um certo ajuste com a história”, afirmou o primeiro-ministro, lembrando que, na primeira revolução industrial, Portugal ficou “para trás” em relação a outros países que dispunham de recursos necessários. Porém, agora, a situação é outra: “É a nossa vez de termos a vantagem competitiva e com esses recursos energéticos”, que ainda por cima “são inesgotáveis e são sempre renováveis”.

Com início de construção previsto para 2022, envolvendo 900 pessoas numa primeira fase e até 2.700 no total, o projeto Sines 4.0 deverá inaugurar, no final de 2023, o primeiro dos cinco edifícios.

Este projeto está a ser desenvolvido pela Start Campus em parceria com a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), a Câmara Municipal de Sines e o Governo português, através dos ministérios da Economia e Transição Digital, do Ambiente e da Transição Energética, dos Negócios Estrangeiros e da Internacionalização e das Infraestruturas e da Habitação.