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Investigadores portugueses recebem 3 milhões de euros para projetos de comunicações e moda sustentável

por Gabriel Lagoa | 5 de Setembro, 2025

João Ribeiro e Paula Nabais conquistaram bolsas europeias para projetos que vão desde problemas de transmissão de dados até receitas de tingimento do século XV.

Dois investigadores portugueses garantiram bolsas do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês) que, somadas, valem quase 3 milhões de euros. João Ribeiro, do Técnico, conquistou 1,5 milhões para resolver problemas de comunicação que afetam sistemas de armazenamento de dados de ponta, incluindo armazenamento em DNA. Paula Nabais, da NOVA FCT, ficou com uma fatia semelhante para tornar a indústria da moda mais sustentável, recuperando receitas de tingimento de há 500 anos.

Quando Romeu não consegue falar com Julieta

Esqueçamos os balcões e as famílias rivais. A versão contemporânea do drama de Shakespeare passa-se no mundo digital: Romeu quer enviar uma mensagem a Julieta, mas o canal de comunicação introduz ruído. Resultado? A mensagem chega baralhada e Julieta não percebe nada.

João Ribeiro, investigador do Instituto de Telecomunicações e professor no Técnico, vai usar a bolsa de 1,5 milhões de euros para resolver exatamente isto. O problema afeta sistemas de armazenamento de dados de última geração, incluindo “os sistemas que guardam informação em DNA”, segundo o académico.

A coisa complica-se quando há “perda de sincronização”. Por exemplo, Romeu envia “10101010”, mas Julieta recebe apenas “10010”. Onde foram parar os outros números? E qual a posição do primeiro dígito na mensagem original? É aqui que tudo se desmorona.

Quase todas as técnicas desenvolvidas nos últimos 75 anos não funcionam neste cenário

João Ribeiro explica que desde 1948, quando Claude Shannon (conhecido como o pai da teoria da informação) lançou as bases da área, os progressos têm sido enormes. Mas quando há eliminação de dígitos em vez de simples substituições, as técnicas tradicionais falham.

O investigador, que fez toda a sua formação no Técnico e agora leciona no Departamento de Matemática, vai combinar “ideias de álgebra, combinatória e geometria” para atacar o problema. O objetivo? Desenvolver um grupo de investigação de topo com estudantes de doutoramento, pós-doutorados e parcerias europeias.

Da Idade Média para o futuro da fast fashion

Se João Ribeiro quer resolver problemas do futuro, Paula Nabais decidiu visitar o passado para salvar o presente. A investigadora da NOVA FCT conquistou cerca de 1,5 milhões de euros para o projeto SCARLET, que tem uma missão difícil: tornar a indústria têxtil sustentável usando receitas de tingimento dos séculos XV a XVIII.

Quanto polui a moda?

De acordo com o Parlamento Europeu, a produção têxtil é responsável por cerca de 20% da poluição global da água limpa causada por produtos de tingimento e acabamento.

Paula Nabais vai estudar receitas históricas da Península Ibérica, Itália, Inglaterra e França, adaptando-as aos métodos contemporâneos. A indústria têxtil é uma das mais poluentes do mundo, e esta investigação pode ser um game-changer.

Recuperar receitas históricas para criar soluções sustentáveis no presente — é esta a missão do SCARLET

O plano inclui uma plataforma online que vai disponibilizar as receitas adaptadas para empresas e artistas explorarem corantes naturais. Em Portugal, o foco vai para três tipos de lã nacional: Merino, Bordaleira e Churra, um património que “cada vez mais é desvalorizado pela indústria têxtil”.

Paula Nabais, que fez licenciatura, mestrado e doutoramento na NOVA FCT, não esconde que “este projeto abre novas perspetivas para compreender o nosso património cultural e oferece soluções sustentáveis para o futuro da comunidade têxtil.”

Portugal no top europeu (novamente)

Estes dois projetos inserem-se numa tendência: Portugal está a marcar pontos na investigação europeia. O ERC atribuiu 10 Starting Grants a investigadores portugueses em diferentes áreas, 6 dos quais desenvolverão os seus projetos em instituições de acolhimento em Portugal, em 4 domínios científicos.

João Ribeiro junta-se a uma lista do Técnico que já conta com alguns nomes. É o oitavo investigador da instituição a conquistar uma bolsa ERC. A lista inclui nomes como Vítor Cardoso (que já vai na terceira ERC, para estudar buracos negros), André Martins (inteligência artificial) e Marco Piccardo (interações laser-plasma).

O primeiro foi Rodrigo Rodrigues, que em 2012 abriu caminho com uma Starting Grant para computação em nuvem. Desde então, o Técnico não parou de acumular vitórias europeias.

O que isto significa na prática

Estas bolsas Starting Grant destinam-se a investigadores em início de carreira (doutoramento há 2 a 7 anos) e têm duração de cinco anos. Este ano, o ERC distribuiu 761 milhões de euros por 478 investigadores europeus.

Os projetos de João Ribeiro e Paula Nabais mostram a diversidade da investigação portuguesa: desde problemas matemáticos fundamentais até soluções práticas para crises ambientais. João quer que as comunicações digitais funcionem melhor e Paula quer que a moda seja mais sustentável.

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