Imperial Tobacco. Como reinventar um dos negócios mais difíceis em tempos de pandemia
A Imperial Tobbaco é a quarta multinacional do setor dos tabacos e tem mais de um século de história. É responsável por várias marcas de tabaco, cigarrilhas e charutos e, mais recentemente, fez uma forte aposta nos cigarros eletrónicos.
Em Portugal, está presente através da Altadis, multinacional hispano-francesa que adquiriu em 2007. Durante os dois meses de confinamento, a empresa que, no nosso país, emprega cerca de 60 pessoas, teve à semelhança de todo o tecido empresarial que se adaptar às novas regras e limitações.
O principal impacto sentiu-se no ponto de venda, quer na perspetiva do contacto da força de vendas – que habitualmente visitam cada um dos locais – quer na dos próprios clientes, também eles com contingências ao nível do contacto com o público em geral.
Em Portugal, o tabaco vende-se essencialmente no canal Horeca – hotéis, restaurantes e cafés – e depois nas papelarias. “De um dia para o outro, a partir do momento em que foi decretado o Estado de Emergência, perdemos 50 mil pontos de venda. A nossa base de dados, diria que ficou reduzida a 5 ou 6 mil pontos de venda que são as papelarias e quiosques. Tudo o resto desapareceu do mapa”, conta João Pedro Lopes, responsável de Corporate Affairs da multinacional.
De um total de 60 a 70 mil pontos de venda ficaram abertas as bombas de gasolina, os quiosques e as papelarias.
A entrevista com João Pedro Lopes foi exibida no The Next Big Idea de dia 16 de maio na SIC Notícias.
Do ponto de vista do consumo, também houve mudanças. “As pessoas deixaram de socializar e os cigarros, tendencialmente, são um motivo social. Não socializando passaram a fumar menos. Por exemplo à noite as pessoas não vão ao café, não vão a uma discoteca, não saem de casa e aí há uma quebra abrupta do consumo”. Uma quebra estimada em cerca de 8 %, mais acentuada nas primeiras semanas de confinamento. “As primeiras duas semanas foram efetivamente de quase total estagnação do mercado. As pessoas foram ao seu ponto de venda, compraram o que havia, mas ficaram temerosas do que aí viria. Houve uma instabilidade grande até que o mercado se voltasse a reorganizar”.
A segunda alteração ao nível dos hábitos de consumo centrou-se no tipo de produto que passou a ser mais procurado por quem fuma. “As pessoas, não saindo de casa, tendencialmente procuraram produtos que não tivessem cheiro. O cigarro eletrónico disparou o consumo, em Portugal. Isso notou-se muito. Nós temos três segmentos de mercado em Portugal: charutos, cigarros (o cigarro convencional) e o cigarro eletrónico que é o cigarro líquido. Este teve um crescimento abrupto, precisamente porque as pessoas recorreram a fumar aquilo que lhes permitia estar em casa”.
Uma mudança que se refletiu num crescimento estimado em 15% nas vendas de Blu, a marca de vaping da multinacional.
As alterações não ficaram por aqui. Aliás, a primeira de todas, no caso da Imperial Tobacco, aconteceu dentro de casa. “Basta pensarmos que somos uma empresa com uma equipa comercial de 50 pessoas, que se deslocam de carro, e que de um momento para o outro ficou completamente parada. Os carros não circulavam, as pessoas estavam em casa e nós assustadíssimos, naturalmente com aquilo que seria a situação. Acho que ninguém e nenhum setor de atividade estava preparado para isto. E foi necessário reinventarmo-nos”, diz João Pedro Lopes.
A reinvenção passou por duas decisões. “Decidimos desde a primeira hora que não faríamos qualquer despedimento nem entraríamos em situação de lay-off. Enfim, só se houvesse algum terramoto!”, refere o gestor. Tomada a decisão, tornou-se necessário repensar a forma de trabalhar sobretudo para quem tem uma função comercial e vive o seu dia-a-dia na rua. “Criámos um sistema e chamámos-lhe call visits. Os comerciais passaram a fazer telefonemas que recriam uma visita física no sentido de estar no ponto de venda mas por telefone, a partir de sua casa. Conectando, às vezes, mais outra pessoa, puxando as linhas telefónicas no sentido de nos ligarmos todos e podermos estar em contacto, dentro da medida do possível, com o cliente”.
A segunda decisão passou por pensar como podiam ajudar os clientes que mantiveram as “portas” abertas a seguir com o seu negócio. ““É importante perceber que as pessoas não vão ao quiosque comprar só cigarros, vão ao quiosque comprar o seu jornal e não são forçosamente fumadores. Os quiosques passaram a vender muito mais material escolar porque as pessoas deslocam-se à pequena papelaria de bairro para comprar os marcadores, a cola, o papel para os seus filhos, para a escola. Portanto, a papelaria e o pequeno comércio de bairro foram uma das atividades que cresceu, é onde as pessoas se sentem mais confortáveis e faltava um clique para que estivessem totalmente confortáveis”.
A multinacional decidiu assim oferecer um acrílico de proteção a todos os pontos de venda concebido por uma empresa portuguesa, a Fire, responsável pelo design e implementação. Numa fase inicial, foram instalados em cerca de 1000 pontos de venda.
Sobre os demais pontos de venda, nomeadamente o canal Horeca, os próximos meses são de expectativa para avaliar a capacidade efetiva de reabertura e a recuperação dos níveis de confiança. No caso do tabaco, estando sujeito a um conjunto alargado de limitações por via legal, os pontos de venda físicos, o pequeno comércio tradicional, é fundamental para a normalização da atividade – até porque este é um setor onde a venda online é proibida na Europa – tema que tem suscitado várias discussões. “A diretiva comunitária, neste aspeto, não permite que seja utilizada a venda online. Não existe este recurso, ainda, mas não raras vezes temos falado com a tutela, neste caso com o Ministério da Economia no sentido de sensibilizar para a necessidade (…) Isto prende-se unicamente com uma coisa: não sabemos quem está atrás do computador, há uma dificuldade grande de garantir que a compra é feita por um adulto, maior e suficientemente responsável e capacitado para esta venda. A forma de controlo, os mecanismos são fáceis de criar. Do mesmo modo que se entregam bebidas alcoólicas em casa, o estafeta tem facilidade de fazer este controlo. Contrariamente ao que seria pensável, que isto é de difícil implementação e fácil legislação, estamos num processo de fácil implementação e difícil legislação”.
O fecho de fronteiras também causou mudanças no mercado internacional. João Pedro Lopes aponta os casos de França e de Espanha. “França era um país muito fustigado pelo contrabando de tabaco, porque tem imensas fonteiras com vários países. Com o fecho das fronteiras ou com o maior controlo, isto mudou”. França foi, assim, segundo o responsável da Imperial Tobacco, o país onde se notou o maior crescimento nas vendas nos fabricantes presentes no mercado por via, exclusivamente, do fecho das fronteiras, que impediu que o contrabando se fizesse sentir.
Em Espanha, a situação foi outra. Contrariamente ao que acontece em Portugal, em Espanha é permitido fumar cigarros eletrónicos em espaços fechados. “O que se notou, mais uma vez, foi que disparou o consumo de produtos que não produzem cheiro”.
No cenário pós pandemia, a aposta da Imperial Tobacco está centrada nos novos produtos para quem fuma, nomeadamente nos cigarros eletrónicos que agora tiveram níveis crescentes de adesão. “Acho que todos os fabricantes têm a perfeita noção daquilo que o consumo do tabaco provoca nas pessoas. Estamos todos cientes, e o que dizemos é que se, eventualmente, não fuma, não deve fumar, se nunca experimentou, não deve experimentar. A nossa preocupação, enquanto empresa, está à posteriori, já não está a montante, está a jusante. Os fumadores existem, não podemos sonegar a existência de vários milhões de portugueses que têm prazer em fumar. Os fabricantes estão preocupados – estão. Os fabricantes estão conscientes – estão. A atitude dos fabricantes, falando pela Imperial Tobacco, mas penso que posso falar em nome de todos, está a jusante, ou seja, aqueles fumadores que eventualmente procuram alternativas. Se todos fizéssemos este caminho, seria extremamente importante”.