Eva, o mundo é uma obra …
“Berlim é uma obra”, disse-me Eva, sentada ao meu lado no avião. Falávamos sobre a minha primeira vez na capital alemã e sobre as legislativas que teriam lugar no país dentro de poucos dias. O aeroporto que devia ter sido inaugurado há sete anos, o metro está em permanente construção. Crítica, ainda não decidiu a quem vai entregar o seu voto, se será de confiança ou para evitar um mal maior. Já eu, literalmente sem voto na matéria, fico presa naquela expressão e naquele rosto jovem, desperto, ávido. Se Berlim é uma obra, no avião para Düsseldorf seguem comigo os trolhas do futuro, aqueles que se propõe com as suas ideias e tecnologia moldar a cidade e o mundo de amanhã. Não assentam argamassa em paredes, mas debitam linhas de código que dão vida a ideias e, quem sabe, a negócios.
Berlim, setembro de 2017, nos corredores de uma antiga sede governamental da Alemanha socialista onde está hoje uma escola superior de gestão. Não há alunos a entrar e a sair, o verão ainda não acabou e as aulas ainda não começaram. Mas sente-se uma azáfama que não se ouve. Vemo-la nos rostos concentrados (e, por estes dias, tensos) daqueles que abdicaram do sol para conquistar as estrelas.
Aqui só se fala inglês, mas a acentuação carregada denuncia-os. Turcos, polacos, espanhóis, lituanos, israelitas, portugueses. Fazem parte das nove startups escolhidas para o METRO Accelerator for Retail powered by Techstars. Ou, simplificando, estas equipas e projetos foram escolhidos (a dedo) para participar, em Berlim, na aceleradora de negócio montada pelo oitavo maior retalhista mundial (METRO) em conjunto com aquela que, dizem-nos várias vezes os empreendedores, é a “melhor aceleradora de startups do mundo” (Techstar). O que se pretende aqui é “encaixar um ano de trabalho em três meses”. Como? Dedicação, contactos e exposição, como nos explica Sebastian Campos, um dos responsáveis pela gestão deste programa.
Só dez startups conquistam, em cada ronda, um lugar neste “foguetão”. Desta vez, apenas nove o conseguiram. Para entrar é obrigatório “ter um produto minimamente viável e não apenas uma ideia”. Só para encontrar estes nove projetos, a equipa da METRO e da Techstars visitou treze cidades em apenas um mês, Lisboa incluída, e reuniu pessoalmente com vários empreendedores. Da cidade das sete colinas para Berlim embarcaram a Sensei e a Sensefinity. Uma vez na capital alemã, as startups têm três meses de viagem pela frente em “fast forward”. A partilhar o escritório com os projectos portugueses estão a Justsnap!, a Epinium, a I am Bot, a Whole Surplus, a Kptn Cook, a mio, e a Oriient.
“As startups, basicamente, passam aqui o tempo”, diz-nos Sebastian, um dos responsáveis pela gestão deste programa. “No primeiro mês eles estão focados em conhecer cerca de 100 mentores, 10 por dia, com quem têm reuniões privadas, e a trabalhar sobre o feedback que recebem. O segundo mês é de execução: pegar no que ouviram e construir, e isso pode significar experimentar com clientes reais. No terceiro mês dedicam-se ao pitch, a apresentação que terão de fazer perante os investidores, e aprendem estratégias de financiamento”.
Ao longo deste período, além dos mentores, as startups podem contar com uma equipa de suporte que integra gestores, designers, profissionais de marketing e de conteúdo, e até atores. Cabe a estes últimos, por exemplo, garantir que nas apresentações aos investidores – uma em Berlim e outra em Düsseldorf – cada empreendedor sabe como se mover em palco, que gestos fazer, como projetar a voz. Está tudo estudado para convencer.
Além do capital de credibilidade, o facto é que tanto a METRO como a Techstar investem efetivamente dinheiro nestas empresas. Aliás… o almoço que hoje chega em caixas para estes empreendedores que mal têm tempo para almoçar é de um projeto de edições anteriores e em que a retalhista decidiu apostar, conta-nos Sylvia Dudek, responsável pelo desenvolvimento de negócio entre as startups e a METRO.
Quando lhe perguntamos porque é que uma multinacional como esta decidiu apostar em programas de aceleração para startups, explica-nos que o principal objetivo é “trazer a inovação digital” aos clientes da empresa nas áreas de hotelaria e retalho, “para os tornar mais eficientes”.
“As startups são disruptivas, veem coisas que as grandes empresas podem não estar a ver e agem sobre isso. Isto pode ser recebido de forma negativa ou como algo natural que deve ser abraçado, de forma a melhorar o negócio. Não esqueçamos que as grandes empresas não se tornaram grandes por serem avessas à mudança, mas antes por aprenderem rápido… E todas foram startups em algum ponto do percurso. Portanto, claro que estão interessadas em ver o que os outros estão a fazer”, acrescenta Sebastian.
E são estes “trolhas” disruptivos que o The Next Big Idea veio conhecer em Berlim. A capital alemã conquistou em 2017 a sétima posição no ranking global da Startup Genome, que destaca as 20 cidades com ecossistemas potenciadores para startups. Só Londres conquistou uma melhor posição em território europeu, um honroso prata, atrás da invicta Silicon Valley e de Nova Iorque. Todavia, a capital de Sua Majestade é um pouco cara para viver, sobretudo para os bolsos daqueles abdicaram do ordenado certo ao fim do mês por uma ideia.
O Especial Berlim do TNBI vai para o ar esta segunda-feira, 15 de janeiro, na SIC Notícias, na mesma altura em que a equipa da TechStars regressa a Portugal para encontrar novos empreendedores para o programa de retalho, em Berlim.
Na edição passada, que o TNBI acompanhou, as startups tomaram por missão equilibrar o campo de batalha e dar às empresas offline as mesmas armas que têm hoje gigantes do retalho como a Amazon. Das câmaras de filmar capazes de controlar inventário e relevar padrões de comportamento dos clientes nas lojas; à possibilidade de fazer compras através do Messenger, a plataformas que gerem o desperdício alimentar para tornar o mundo um lugar melhor sem que isso dê prejuízo às empresas (pelo contrário!), passando pela startup que quer criar um GPS Indoor utilizando, nada mais, nada menos, que o campo magnético da Terra.