E se o cinema fosse um serviço de subscrição?
por Miguel Magalhães (Texto) | 30 de Agosto, 2022
Comebacks dão sempre boas histórias. Seja um atleta que regressa à competição, um ator ou atriz que volta ao ativo ou um negócio que não correu bem da primeira vez e faz uma nova tentativa. É essa a história da MoviePass, a plataforma de subscrição de cinema que fez furor nos EUA na década de 2010.
Foi a ideia que Stacy Spikes e Hamet Watt tiveram há pouco mais de 10 anos quando lançaram o MoviePass. Nos EUA, em 2011, tinham sido vendidos menos 300 milhões de bilhetes de cinema em comparação com 2002, uma tendência preocupante para uma indústria à procura de crescer e com orçamentos de produção cada vez mais elevados. Várias foram as causas identificadas: a crise económica de 2009, a melhoria da qualidade televisiva com séries que pareciam autênticos filmes, o aparecimento das redes sociais como meio de entretenimento e o próprio aumento do preço dos bilhetes como resposta à diminuição da procura (criando um efeito bola de neve).
Numa era ainda anterior ao domínio da Netflix e do streaming de uma forma geral, Spikes e Watt pensaram que era necessário criar uma solução que trouxesse as pessoas de volta aos cinemas sem que isso tivesse um impacto muito negativo no seu poder de compra. Depois de uns testes com alguns vouchers, em 2012, a MoviePass lançou uma app e uma cartão de débito que iriam trazer maior flexibilidade aos fãs de cinema.
- Primeiro, os utilizadores podiam escolher um plano de subscrição que podia ir de 3 filmes por mês a um número ilimitado ao longo de 30 dias (com a respetiva variação de preço).
- Depois, em cada cinema parceiro, os utilizadores faziam um check-in online através da app e escolhiam um filme em exibição nos 30 minutos seguintes. Na altura de pagar, usavam o cartão da MoviePass no qual a empresa debitava no momento o valor do bilhete no cinema em questão.
Um modelo de negócio fraco
Nos primeiros anos de operação, a MoviePass enfrentou alguns desafios. A flexibilidade que oferecia aos utilizadores através das suas subscrições (nas quais o preço por bilhete era significativamente mais baixo) vinha com um custo: a empresa era obrigada a chegar-se à frente com o valor que cada cinema estava de facto a cobrar pela entrada nas suas salas. Isto significa que tal como no percurso de muitos negócios digitais, a MoviePass perdia dinheiro com cada novo utilizador do serviço na esperança de o escalar até um nível em que se tornasse lucrativo. Foi assim com a Uber, com a Netflix ou com o Spotify.
Assim, por um lado, isto obrigava a empresa a levantar capital que pudesse “queimar” enquanto crescia a sua base de utilizadores. Por outro, criava algumas suspeitas nas cadeias de cinemas, que questionavam até que ponto é que a empresa ia aguentar a sua operação e se a sua potencial implosão não podia inclusive prejudicar o seu negócio afastando ainda mais pessoas dos seus grandes ecrãs.
No entanto, a prioridade da MoviePass era mesmo a escala — ainda que, depois de alguns anos a testar diferentes modelos de subscrição, em dezembro de 2016, tivesse pouco mais de 20 mil subscritores. Este insucesso fez com que fosse comprada por uma empresa americana de analytics — a Helios and Matherson — cuja visão para a plataforma deu-lhe em simultâneo fama e a premonição de um fim.
Uma explosão sem efeitos especiais
Em agosto de 2017, a agora subsidiária MoviePass anunciou um novo plano para os seus utilizadores. Por 9.95 dólares/mês, os utilizadores teriam direito a ver um filme por dia em qualquer um dos cinemas parceiros da sua plataforma. Na teoria da Helios and Matherson, a nova solução apesar de fazer a empresa perder ainda mais dinheiro, iria ser tão atrativa para o público, que lhe iria permitir alcançar um volume de utilizadores que traria novos modelos de monetização (olá, publicidade). E, de certa forma, tinham razão. Em menos de um ano, a MoviePass alcançou a marca de 3 milhões de subscritores que, se tirassem completo proveito do serviço (um filme por dia), pagavam cerca de 33 cêntimos por filme.
Exercício: Imaginemos um utilizador mediano que usasse apenas 5 vezes o serviço durante o mês e consideremos um preço médio por bilhete de cinema de 6 dólares. Com uma subscrição de ~10 dólares por mês, o utilizador gastou cerca de 2 dólares por filme, o que significa que a MoviePass perdeu 20 dólares com um único utilizador num mês. Se escalarmos isto, para pessoas que utilizavam o serviço +10 vezes, conseguimos perceber o problema que a empresa tinha em mãos.
As outras fontes de monetização acabaram por não ter grande efeito (a MoviePass ainda tentou ter um estúdio para adquirir filmes, por exemplo) e as soluções da empresa para “tapar buracos” acabaram por piorar a experiência do utilizador:
- Cancelou o plano ilimitado, restringiu o tipo de filmes que os utilizadores podiam ver através da plataforma (adeus, blockbusters), criou esquemas para reduzir a utilização dos utilizadores mais ativos (pedindo para fazer reset da password ou bloqueando compras de bilhetes quando estes ultrapassassem os três filmes por mês).
O final triste chegou em setembro de 2020 com a Helios and Matherson e a MoviePass (enquanto subsidiária) a declararem falência por não conseguirem resolver os problemas de capitalização da plataforma, enquanto ainda enfrentavam alguns problemas legais por terem defraudado os seus clientes.
A sequela?
Em novembro de 2021, Stacy Spikes, o fundador da nossa protagonista, voltou a comprar o naming da MoviePass e anunciou que está a planear um relançamento da plataforma com novos modelos de subscrição. As transformações no serviço e no mundo de Hollywood e a predominância do streaming podem fazer com que desta vez a MoviePass seja a empresa certa no timing certo. A lista de espera para a plataforma alcançou quase 500 mil utilizadores em menos de 24 horas depois do anúncio.