É assim que o cérebro controla a “tentação” de agir
por The Next Big Idea | 6 de Julho, 2022
Um novo estudo, publicado na revista Nature, revela como uma área do cérebro nos impede de agirmos precipitadamente.
Não seria formidável controlar alguma impulsividade que nos parece incontrolável? Ou sabermos ter mão naquela tentação menos saudável, que sabemos não ser a melhor? Pois bem, uma equipa de cientistas da Fundação Champalimaud em Portugal fez descobertas que abrem caminho a estas e outras importantes possibilidades.
Liderado por Joe Paton, Diretor do Programa de Neurociência do Champalimaud Research, o estudo surgiu (em parte) devido a um quebra-cabeças desencadeado pelas Doenças de Parkinson e Huntington — é que ambas se manifestam através de distúrbios do movimento, mas com sintomas completamente opostos. No caso da primeira, existem problemas em dar início à ação; na segunda, movimentos involuntários e descontrolados.
Ou seja, isto dá azo a uma curiosidade peculiar partilhada: se ambas as doenças acontecem devido a uma disfunção da mesma região do cérebro (os gânglios basais) como é que a mesma estrutura pode suportar funções contraditórias?
Resposta: Porque existem dois circuitos principais nos gânglios basais: as vias direta (que promovem movimento) e indireta (que suprimem o movimento). Mas isto já se sabia de estudos anteriores. O que se desconhecia era como é que essa interação acontecia — até agora.
Então, afinal, o que descobriram os investigadores?
- Uma área do cérebro é responsável por desencadear a ação e outra por suprimir esse impulso (o de agirmos precipitadamente);
- Conseguiram provocar em ratinhos comportamentos impulsivos mediante a manipulação de neurónios nessas áreas;
- As descobertas vão contra a percepção geral que existe sobre o funcionamento dos gânglios basais, que é mais centralizada, e que o seu modelo oferece uma nova perspectiva.
A importância da descoberta: Para além de ajudar a perceber melhor as Doenças de Parkinson e Huntington, vão permitir investigar condições relacionadas com o controlo de impulsos como o vício ou perturbações obsessivo-compulsivas.
OK, mas qual é a diferença deste estudo para outros já realizados? A abordagem. As investigações anteriores focaram-se nos gânglios basais durante o movimento, mas a equipa de Joe Paton fez o contrário e focaram-se na supressão ativa da ação.
“O nosso estudo indica que potencialmente existem múltiplos circuitos neurais no cérebro que estão em constante competição relativamente a qual será a próxima ação a realizar”, explica ainda o líder da equipa.
A experiência: tempo e impulsividade
Na notícia publicada no site da Fundação Champalimaud sobre este estudo, é detalhada a experiência com os ratinhos que permitiram chegar às conclusões supracitadas.
O que tinham os pequenos animais de fazer? Determinar se um intervalo que separava dois sinais sonoros era superior ou inferior a 1,5 segundos.
O que acontecia depois? Se esse intervalo fosse mais curto, os ratinhos receberiam uma recompensa do lado esquerdo da caixa; caso se verificasse um mais longo, a recompensa seria disponibilizada do lado direito.
“O factor crucial era que o ratinho tinha que ficar imóvel no período entre os dois sons”, explica Bruno Cruz, então aluno de doutoramento no laboratório. “O que implicava que, mesmo que o ratinho tivesse a certeza de que a marca dos 1,5 segundos já tinha passado, precisava suprimir o impulso para se mover até ouvir o segundo som e só depois podia ir buscar a recompensa”, remata.
A experiência: à procura da motivação
Analisado o comportamento dos ratinhos, a equipa chegou à conclusão de que uma região do cérebro suprime ativamente o impulso para agir. Porém, faltava determinar a sua origem.
No artigo da Fundação Champalimaud sobre o estudo, é explicado que se acredita que a via direta promove a ação, logo, o primeiro suspeito foi a via direta dessa região. No entanto, este estudo veio contrariar esta ideia, visto que o comportamento do ratinho praticamente não era afetado quando os investigadores inibiam essa via.
“Sabíamos que os ratinhos estavam a sentir um forte impulso para agir, na medida em que a remoção da inibição promovia uma ação impulsiva. Mas não ficou imediatamente claro onde o local da promoção da ação poderia ser. Para responder a essa pergunta, decidimos recorrer a modelos computacionais”, indicou Joe Paton, Diretor do Programa de Neurociência do Champalimaud Research.
Recorrendo a modelos matemáticos, a equipa conseguiu confirmar as suspeitas que tinha e confirmar que a origem residia num suspeito previamente conhecido de outros estudos anteriores: o estriado dorsomedial. Isto porque a inibição de neurónios da via direta, nessa nova região, foi suficiente para alterar o comportamento dos ratinhos.
“Ambas as regiões que estudámos estão localizadas numa parte dos gânglios basais designada estriado. A primeira área é responsável pelas chamadas funções sensório-motoras de ‘baixo nível’ e a segunda é dedicada às funções de ‘alto nível’, como planear”, explicou Gonçalo Guiomar, aluno de doutoramento do laboratório.
Impulsividade & Tentação
Para o líder da equipa que conduziu o estudo, o futuro é risonho, uma vez que as conclusões e descobertas agora reveladas vão permitir aceder a experiências cognitivas internas como a impulsividade ou tentação.
“A impulsividade, a tentação… estão entre os processos internos do cérebro mais fascinantes, porque refletem a nossa vida interior. Mas também são os mais difíceis de estudar, porque não têm muitos sinais exteriores que possamos medir. Foi desafiante configurar este novo método, mas agora temos uma poderosa ferramenta que nos permite investigar mecanismos internos, como aqueles envolvidos no processo de resistir ou ceder à tentação”, concluiu Paton.