Devíamos todos pensar em aprender programação?
por Miguel Magalhães (Texto) | 29 de Novembro, 2023
João Magalhães é CEO e fundador da Code For All, ex-Academia de Código, uma startup de impacto que tem como um dos principais objetivos corrigir uma das maiores falhas no mercado de trabalho: a falta de profissionais na área da tecnologia.
Há 10 anos, o tecido empresarial português (e global) estava a passar pelo início de uma importante transformação. A internet tinha entrado numa nova fase em que redes sociais, plataformas de ecommerce e serviços SaaS tinham invadido os diferentes mercados e uma série de organizações procurava tirar o máximo proveito desse boom tecnológico. Em Portugal, e não por coincidência, também foi o período em que começámos a ter as primeiras startups com alguma escala devido à maior flexibilidade que a economia digital dava para escalar um negócio para fora do país.
Nesta altura, a procura por diferentes integrações no mundo online levou a que houvesse uma procura por profissionais na área tecnológica como nunca tinha havido antes. Contudo, ao analisar este fenómeno em Portugal e na Europa, João Magalhães percebeu que existia uma falha no mercado. “Havia empresas a querer contratar 15 mil profissionais de tecnologia e não havia pessoas disponíveis com aquelas skills”, salienta, acrescentando que na “União Europeia (UE), quando começámos, faltavam 900 mil pessoas nesta área em 2014-2015”. Então, focando-se primeiro no problema em solo nacional, João olhou para os números do emprego em Portugal, viu que havia 150 mil jovens desempregados qualificados e pensou que parte da solução poderia passar pela requalificação de muitas pessoas deste grupo para o setor tecnológico. “Bastava conseguirmos 10% deste grupo que procurava uma nova oportunidade”, relembra.
Assim, criou a Academia de Código, que oferecia uma série de cursos de programação e de cibersegurança para pessoas que procuravam uma transição de carreira ganhando competências nestas áreas. No entanto, o desafio da formação tecnológica é ser algo transversal a todas as faixas etárias, dos mais novos que ainda não têm pensamento computacional como uma disciplina obrigatória nos currículos escolares, aos mais adultos que vivem com os fantasmas de que a inovação tecnológica possa tornar o seu trabalho dispensável. Para o primeiro grupo, João e a sua equipa desenvolveram a Ubbu, uma plataforma para crianças dos seis aos 12 anos para o ensino de lógica computacional, competência STEM e dos Objetivos para Desenvolvimento Sustentável. “Ninguém está a dizer que as crianças com seis anos têm de saber programar em JavaScript, mas já tivemos 100 mil crianças a aprender raciocínio e a partir problemas”.
Para o segundo grupo, a Academia de Código começou a desenvolver projetos de upskilling em conjunto com empresas, capacitando os seus colaboradores em diferentes competências técnicas. Um dos mais notórios foi com a SONAE MC. Depois, alargou também a oferta dos seus cursos para profissionais que, mesmo já tendo skills na área tecnológica, procuravam alargar o seu conhecimento numa nova linguagem ou ferramenta.
O rebranding e o problema que continua a ficar maior
Recentemente, a Academia de Código anunciou que se passaria chamar Code for All, uma marca mais internacional para dar resposta à evolução natural do negócio tanto na diversidade de soluções como na diversidade de mercados com as quais a empresa já trabalhava. “Utilizar o naming Academia de Código já se revelava um desafio em muitos países e, por outro lado, temos cada vez mais alunos internacionais a procurar os nossos cursos (online e presenciais), por isso, era algo que fazia sentido”, explica o CEO da Code for All.
Passou uma década, a Code for All desenvolveu uma série de soluções para a formação de profissionais de tecnologia, mas a procura continuou a crescer a um ritmo mais acelerado que a oferta. “Este ano, a UE diz na sua Digital Agenda para 2030 que espera ter 20 milhões de profissionais na área da tecnologia. Em 2022, havia 10 milhões de profissionais nesta área o que significa que temos de dobrar o número de profissionais”, explica João Magalhães.
Por detrás desta meta está naturalmente outra grande transformação não só do mundo empresarial, mas da sociedade de uma forma geral, que é a inteligência artificial. Há muitos empregos novos a serem criados, mas há outros que também vão desaparecer com a automação de muitos processos, o que vai obrigar muitas pessoas a requalificarem-se. “Um estudo do World Economic Forum dizia que mil milhões de pessoas teriam de mudar de ocupação até 2030”, refere João Magalhães. “Eu tenho duas filhas, a mais velha tem 12 anos, eu já lhe perguntei várias vezes o que é que ela quer ser quando for grande, mas eu acho que ela provavelmente vai trabalhar numa posição que ainda não existe”.
No contexto da Code for All, esta nova urgência traz também uma nova oportunidade de negócio: há cada vez mais pessoas, a título individual e de empresas, interessadas em ganhar noções base em inteligência artificial e a tentar perceber como podem trabalhar no seu desenvolvimento e implementação. Um dos exemplos dados pelo fundador da Code for All é o caso da PwC que anunciou este ano que iria dar formação em IA generativa aos seus mais de 75 mil colaboradores no mundo inteiro.
Descobrir como se posicionar nesta etapa, em Portugal e noutros mercados, é o grande desafio da Code for All para 2024. Atualmente, a empresa já trabalha com mais de 300 empresas e já teve mais de 20 mil pessoas a fazer um dos seus cursos, sendo que 2 mil foram de reskilling.