Deste regresso ninguém estava à espera
por Miguel Magalhães (Texto) | 7 de Dezembro, 2021
Durante algum tempo, pensou-se que a presença dos discos de vinil no nosso dia-a-dia estaria remetida à expressão tipicamente portuguesa “Vira o disco e toca o mesmo”. Os anúncios da morte deste formato foram, de facto, sendo repetidos ao longo dos anos e, quando tudo indicava o fim, os discos de vinil voltaram a esvaziar prateleiras e gavetas no mundo inteiro. Explicamos porquê.
Olá, Vinil
Na semana passada, os utilizadores do Spotify ficaram maravilhados com as descobertas proporcionadas pelo Spotify Wrapped. Quantos minutos de música foram ouvidos? Quais foram os artistas e as músicas favoritas? Será que estamos no top 1% de fãs da Taylor Swift? Estas foram algumas questões respondidas pela plataforma de streaming e a popularidade desta sua iniciativa nas redes sociais, onde cerca de 90 milhões de pessoas partilharam os seus “resultados”, mostra a importância da empresa em toda a indústria musical.
No entanto, há outro fenómeno interessante a acontecer no mundo da música. Pode ser um pouco mais discreto, mas poderá tornar mais palpável uma indústria que hoje é 84% digital, isto é, dependente do streaming em termos de receitas. Depois de décadas em constante declínio, o vinil voltou a ser o formato físico de eleição dos ouvintes, ultrapassando, em 2020, os CDs em termos de vendas totais pela primeira vez desde 1986. Como é que isto aconteceu?
A sua breve história
O disco de vinil foi criado em 1948 por uma equipa de engenheiros da Columbia Records, para substituir os velhos discos de 78rpm e permitir um melhor armazenamento de áudio para as canções produzidas pelos artistas da editora americana (Frank Sinatra era um deles). Em vez de 2-3 minutos de gravação, este novo formato gravava 30 minutos de áudio de cada lado do disco, o que revolucionou a forma como os álbuns eram pensados e a própria experiência de audição do consumidor.
Na década de 70, o vinil já era a referência do meio musical e as vendas de discos atingiram um máximo de 530 milhões de unidades vendidas ao ano e mais de 2,5 mil milhões de dólares em receitas totais, através de álbuns icónicos como o “Dark Side of The Moon” dos Pink Floyd, o “Rumours” dos Fleetwood Mac ou mesmo reedições do “Sgt. Pepper Lonely Hearts Club Band” dos The Beatles
Contudo, na década de 80 e 90, os discos de vinil foram perdendo fulgor com o aparecimento, primeiro, das cassetes e depois dos CDs. Estes formatos eram mais baratos de produzir e, mais uma vez, melhoravam a experiência do consumidor que, a partir desse momento, já não tinha que girar discos para ouvir um álbum completo, a não ser que estes tivessem uma duração fora do comum que exigisse um disco ou uma cassete extra.
No início dos anos 2000, eram vendidos quase mil milhões de CDs ao ano e pouco mais de 10 milhões de “vinis”, o que significava que o formato representava 0,1% do mercado ou, sem qualquer tipo de eufemismos, perto de nada. E assim se manteve até à entrada de 2010, onde um novo fenómeno revolucionou a indústria: o streaming. De repente, empresas como o Spotify e a Apple desenvolveram serviços em que a única coisa de que precisávamos para ter acesso aos nossos artistas e álbuns favoritos era uma ligação à Internet (e uma subscrição para outras funcionalidades, claro).
Era o pico da comodidade e, provavelmente, marcaria o fim dos discos de vinil enquanto formato musical. Mas não foi isso que aconteceu.
Millennials e negócios
À medida que cada vez mais pessoas iam tendo um smartphone no bolso e tiravam proveito de tudo o que a “digitalização das coisas” tinha para oferecer, havia um grupo de jovens abaixo dos 35 a sentir-se nostálgico. Pouco a pouco, começou a haver uma procura por objetos mais vintage e, nesse movimento, mais pessoas quiseram voltar a ouvir música de uma forma mais tradicional. Em vez de esquecidos em prateleiras e gavetas de lojas de música, os discos de vinil voltaram a ser requisitados e criou-se todo um mercado secundário, online e offline, de colecionadores de música a querer recuperar edições perdidas no tempo. Em 2019, um estudo nos EUA já revelava que 31% dos adultos estavam dispostos a pagar por um disco de vinil, um valor bastante alto para um formato que poucos anos antes esteve perto de se tornar obsoleto.
Mas esqueçamos os fãs por um momento. O recente sucesso do vinil também aconteceu graças a uma nova aposta dos artistas no formato. O streaming democratizou o acesso à música e permitiu que muitas bandas e músicos alcançassem audiências que antes teriam mais dificuldade em chegar. Mas também reduziu em larga escala a margem de lucro que os artistas conseguiam tirar do seu trabalho e levou-os a apostar noutras formas de receitas (olá, concertos e discos de vinil!). Em média, os discos custam 7 dólares a ser produzidos e são vendidos por 25 dólares, o que dá um lucro de 18 dólares. De acordo com a The Hustle, que abordou este tópico, a venda de 100 discos de vinil equivale à receita de:
- + 900 mil views no YouTube
- + 450 mil streams no Spotify
- + 250 mil streams na Apple Music
Portanto, se fossemos todos artistas, também acharíamos que apostar no vinil compensa.
What’s next?
Os discos de vinil vão ganhar maior importância e, no final de 2021, estima-se que as vendas de vinil já serão perto de mil milhões de dólares. No entanto, os formatos físicos (vinil e CDs) vão continuar a representar apenas 10% do mercado.
O mercado secundário de discos de vinil vai continuar a crescer. Na primeira metade de 2021 foram vendidos 17 milhões de discos de vinil, um crescimento de 86% face a 2020. No entanto, este valor não inclui os discos em segunda mão que, de acordo com a Forbes, em 2021 já serão um mercado equivalente a 50 milhões de unidades vendidas. É fixe ter uma nova edição de um disco dos The Beatles. É ainda mais fixe ter uma edição da altura em que foi lançado.
Quiz NEXT
Qual foi o disco de vinil mais vendido em 2020? Responda aqui.
A resposta certa será partilhada na próxima edição da newsletter Next.