Desculpe, qual é a password da sustentabilidade?
por Tomás Gomes (Texto), Paulo Rascão (Fotografia e vídeo) e Pedro M. Santos (Fotografia e vídeo) | 15 de Março, 2022
A sustentabilidade deixou de ser opcional. Da mesma maneira que há uns anos, no advento da transação digital, íamos a um estabelecimento com a expectativa de que tivesse wi-fi, para podermos aceder ao mundo através dos nossos smartphones, numa altura em que dados móveis ainda eram um bem ou escasso ou caro, hoje esperamos, exigimos, que este seja sustentável. A password da sustentabilidade é um bocadinho mais difícil de decorar, mas é urgente que seja universal e que esteja na ponta da língua, tal e qual a tabuada nos primeiros anos da escola.
O tempo é escasso, não se cansa de relembrar João W. Meneses, secretário-geral da Business Council for Sustainable Development Portugal (BCSD), uma associação sem fins lucrativos que agrega e representa mais de 130 empresas de referência em Portugal que se comprometem ativamente com a transição para a sustentabilidade, num debate sobre sustentabilidade e turismo, promovido pelo NEST – Centro de Inovação do Turismo, que decorreu na segunda-feira no auditório Mar da Palha, no Oceanário de Lisboa, sob o mote “What’s Next – Innovating Tourism”.
Segundo “o Acordo de Paris, para sermos bem-sucedidos […], o mundo tem que reduzir as emissões [de CO2] em 45% até 2030, a Europa 55%”, o que significa uma redução 7,5% já a partir deste ano. “Vínhamos de recordes sucessivos [de emissões] ano após ano, até que de repente cai em 2020, e cai 5,8%. Precisamos de uma redução de emissões superior, muito superior, ao período em que as nossas vidas e economias se confinaram sem, porém, termos as nossas vidas e economias confinadas. Como é que nós conseguimos reduzir muito mais, ano após ano, do que conseguimos em 2020?”, questiona João W. Meneses.
Para Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul, antigo delegado, conselheiro e representante de Portugal e da União Europeia para os Assuntos do Mar junto das Nações Unidas e prémio Pessoa em 2021, também presente no debate, os próximos “dez anos que são absolutamente determinantes”.
“Se olharmos para as primeiras décadas do século XIX ou para as primeiras décadas do século XX, as pessoas que viveram nesses anos, viveram a mesma turbulência que nós vivemos hoje. Estamos a mudar o paradigma do não-digital para o digital com gerações não digitais, estamos a mudar este paradigma da sustentabilidade, de uma revolução industrial para uma revolução ambiental que vai ser a grande marca deste século. (…) Eu digo sempre que se o século XIX foi o século da revolução industrial, e se o século XX, para nós ocidentais, foi o século do estado social de direito, o século XXI será seguramente, quer nós queiramos ou não, o século da sustentabilidade ambiental, da descarbonização, isto se nós pretendermos cá estar ainda daqui a um século”, sublinha.
No entanto, e mesmo perante a urgência, Tiago Pitta e Cunha reconhece que ainda “estamos longe de ter os quadros mentais que compreendam a importância da Natureza, desse capital natural que cada vez mais se torna parte da economia”.
A solução, concordam os dois convidados, passa por uma progressiva mudança de mentalidades a partir da escola – “é curioso como acaba tudo na escola”, sorri João W. Meneses. Mas se o antigo secretário de Estado da Juventude e do Desporto é o primeiro a dizer que “a escola é um molde, ou pode ser um molde, que determina o modo como as sociedades vão funcionar no futuro”, também o primeiro a sublinhar que a ação educativa precisa de ser complementada com “ações de curto prazo”.
“Estamos na iminência de não cumprir as metas fundamentais para ter um planeta equilibrado e com boas condições de vida ao longo das próximas décadas, essas metas têm um horizonte curto, de 2030, e não podemos esperar que as escolas produzam os resultados esperados até 2030 porque simplesmente não há tempo”, diz.
“Não podemos ficar à espera que os nossos filhos façam a revolução”, afirma, relembrando que “o primeiro impacto de uma crise de ecossistemas, de recursos naturais ou insustentabilidade do nosso modelo de desenvolvimento, é económico e no emprego. E mesmo do ponto de vista social, já todos percebemos, que o mau estar social não é do interesse dos negócios ou das democracias liberais”.
O turismo, como qualquer outro setor, não pode ser indiferente à revolução, à urgência, ao respeito e valorização dos recursos naturais. E como em qualquer movimento de mudança, em que os agentes ficam mais expostos, há exemplos bons e maus.
Numa mão temos Tiago Pitta e Cunha a relatar o trabalho que a Fundação Oceano Azul está a fazer com o Governo Regional dos Açores, há três anos, “para criar a maior área marinha protegida não apenas de Portugal ou da Europa, mas do Atlântico”. O programa chama-se Blue Azores e tem como objetivo a “concessão de 150 mil quilómetros quadrados para a área marinha protegida chamada fully protected, sem extração”. Tal fará com que a Zona Económica e Exclusiva da região, que tem atualmente 5% dessa área protegida, triplique a percentagem.
“Isto vai fazer dos Açores o Havai da Europa. O Havai é a única área equivalente que vai ter uma proteção dos seus recursos vivos, dos seus recursos marinhos. (…) Estou convencido que, com os Açores associados a essa marca da sustentabilidade, é toda a economia açoriana que se vai promover. Vão ter de deixar de se vender com desconto, por serem ultraperiféricos, para se poderem passar a vender com prémio por serem altamente sustentáveis e isto hoje é algo que é absolutamente novo em todos os setores da economia” vinca.
Defensor da filosofia “take less, earn more” [tira menos, ganha mais], o administrador da Fundação Oceano Azul, diz que nos Açores já se percebeu que “um tubarão vivo vale muito mais do que um tubarão morto”.
“Antigamente, cada setor económico tinha a sua marca, a indústria automóvel tinha de ser fiável, carros alemães que não nos deixassem no meio da estrada, a roupa tinha de ser à moda e a comida tinha de ser saborosa. Hoje em dia, nenhum desses setores tem qualquer viabilidade se não for sustentável porque os jovens, os novos consumidores, penalizam”, evidencia.
O perfil da nova geração de consumidores é determinante para esta integração da preservação da natureza e de estratégias sustentáveis na economia tradicional. “As novas gerações de consumidores querem fazer do consumo um ato de cidadania, querem, através do consumo, impactar positivamente o mundo. Em princípio, as pessoas se tiverem a oportunidade de serem melhores cidadãos hoje do que foram ontem, procurarão sê-lo, quero acreditar nisso, sobretudo se for fácil e acessível. Se eu puder, a partir de decisões do quotidiano, do consumo, impactar o mundo positivamente, vou fazê-lo”, evidencia João W. Meneses, apontando também para o fenómeno chamado The Great Resignation para sublinhar que esta geração também impacta, para além do consumo, o mercado laboral. “A geração Z e Millennial estão a abandonar massivamente os seus postos de trabalho convencionais à procura de soluções com mais propósito para o seu trabalho. A sustentabilidade também é uma narrativa com íman para os colaboradores destas novas gerações e o talento é o ativo crítico para qualquer empresa”, diz.
Este é um ponto crítico da viragem, porque mesmo com contradições visíveis e quase rísiveis, ora porque compram roupa em segunda mão, mas vão até à loja de Uber, ou porque participam numa manifestação pelo clima, mas vão jantar ao McDonald’s ou fazem as férias a voar na Ryanair. “Não somos robôs perfeitos”, como aponta o secretário-geral da BCSD, mas esta é uma geração que aponta o caminho.
“As próximas gerações estão muito mais motivadas, às vezes pergunto-me se não há um instinto de sobrevivência da espécie que as leva a serem muito mais razoáveis e racionais do que as nossas gerações. Então a minha geração é a pior de todas. Nós não podemos dizer que não sabíamos, já sabíamos que estávamos num caminho insustentável, os nossos pais podiam não saber, mas nós sabíamos. O grande objetivo da minha geração era ser banqueiro de investimentos. No fundo, aquela geração dos 80, que sai da geração nos anos 80/90 e que não contribuiu muito para mudar esse paradigma”, admite Tiago Pitta e Cunha.
Se há alguns parágrafos o vencedor do Prémio Pessoa 2021 dava o exemplo dos Açores como uma região que será beneficiada pelo selo da sustentabilidade que está a construir, há no país outras que precisam de inverter o caminho traçado nas últimas décadas.
“Hoje falamos de capital natural porque a natureza tornou-se tão escassa que começa a ser vista como um capital, como todos os bens escassos tornam-se valiosos de acordo com as regras ortodoxas da economia tradicional. O que acontece é que no nosso país, que tem vindo a ter um desenvolvimento económico muito assinalável desde os anos 80, infelizmente esse desenvolvimento económico tem andado de mãos dadas com a delapidação do seu capital natural e com a destruição da natureza no país. O Algarve é um caso paradigmático, por exemplo, quer pela delapidação dos recursos vivos marinhos, uma vez que o Algarve perdeu 70% dos recursos vivos marinhos nos últimos 20 anos. Nós encomendámos um estudo à Universidade do Algarve há dois anos que prova isso e que demonstra que há um enorme desnorte de estarmos a falar de alguma maneira em sustentabilidade e depois estarmos a conseguir produzir danos desta magnitude. Eu pergunto-me quantos países em África conseguiram destruir 70% dos seus recursos naturais em 20 anos, é algo que nos deve fazer refletir muito”, expõe Tiago Pitta e Cunha.
O CEO da Fundação Oceano Azul relembra que não é só no mar que o Algarve tem-se degradado, salientado que a região “perdeu” a serra de Monchique, “um reservatório biológico extraordinário, a grande barreira à desertificação do sul do país”, através dos incêndios e das alterações climáticas.
“Corremos o risco de termos sido um país muito rico em capital natural no século XX, quando esse capital natural não era verdadeiramente um valor para as nações, e agora que estamos num processo de começar a inserir esse capital natural nas contas das nações e das empresas, quando esse capital natural for uma componente importante da riqueza das nações, nós sermos destituídos desse capital natural. Se nós não mudarmos drasticamente (…) vamos chegar a 2050 com muito menos capital natural do que temos nesta altura”, diz, apelando a uma nova orientação política.
Para Tiago Pitta e Cunha o setor do turismo tem de compreender que para o futuro do setor “é muito mais importante haver mais árvores do que haver mais cimento”.
“Continuamos a querer construir nos últimos espaços, como por exemplo nas falésias algarvias. Agora, a grande busca é João de Arens e aquela zona toda arborizada linda que ali está e que em qualquer outro país seria vista como um santuário de natureza e verdadeiramente preservada. Para a indústria do turismo, que existe nessa região do país, e pelo que sei, existem grupos turísticos hoteleiros que todos os anos tentam ir aquele último bocadinho de natureza, o que é uma cegueira muito grande, digamos assim. Daqui a 30 anos há lá mais hotéis, iguais a todos os outros, e os turistas irão deslocar-se para os países em que o capital natural seja mais preservado e mais valorizado”, afirma.
Os exemplos continuam por Portugal dentro, com o administrador da Fundação Oceano Azul a considerar que “o interior do país é muito aquilo que contribuiu para Portugal ser um país tão rico em biodiversidade” e que o país é mesmo um “hotspot na Europa quer para biodiversidade terrestre, quer para biodiversidade marinha”.
“O que interessa hoje, e para o futuro e para a bioeconomia, não é a quantidade, é a variedade. E, nesse sentido, Portugal tem aqui um capital muito importante para desenvolver algumas áreas económicas. O turismo também pode andar de mãos dadas com esse capital, que ainda existe, mas que está a ser delapidado porque, de facto, os incêndios foram um flagelo extraordinariamente grande e gravoso para a nossa biodiversidade terrestre. (…) O que nós precisamos de fazer é transformar a conservação da natureza num bom negócio para a economia portuguesa e o turismo já está a fazer isso em alguns lugares, temos visto uma série de exemplos, no Vale do Côa, por exemplo, que é uma das zonas mais bem preservadas do nosso país. Temos também aqueles novos empreendedores turísticos que abrem as marítimo turísticas e que se começam a desenvolver, os Açores é um caso paradigmático, e muitos outros ainda vão ocorrer. Mas é esse sentido de transformar, de a natureza ser parte da economia e transformar a preservação da natureza numa parte da economia, que é importante”, sublinha.
Para Pitta e Cunha, a natureza e o dinheiro cabem mesmo numa analogia: “Antes de termos dinheiro, trocávamos tudo uns com os outros. Depois percebemos que era muito mais eficaz podermos encontrar um objeto abstrato a que chamámos dinheiro, ao qual nós dávamos um valor e que trocávamos. A partir do momento em que criámos esse objeto, criámos um setor novo, o setor financeiro. Foi necessário construir casas mais fortes, com portas mais fortes para guardar esses objetos, para não serem assaltados. O setor financeiro foi crescendo e hoje é um terço da economia mundial. Hoje, a conservação do dinheiro é um terço da economia mundial. Se calhar podemos olhar para a natureza como o último recurso, o último tesouro do planeta e, como tal, preservar esse tesouro, construir os produtos financeiros que vão preservar esse tesouro, as obrigações, as azuis, as verdes, a novas políticas de seguros, tudo isso poderá levar de facto a que a natureza venha a ser rentável”.
João W. Meneses relembra ainda um fator: as empresas, na história da humanidade, são um evento recente. Para o secretário-geral da associação, estas estão agora a fazer “18 anos, a acabar a adolescência”. “Nos primeiros 100 anos fizeram imensos disparates, concentraram-se em produzir riqueza, na produtividade dos fatores mais tangíveis, esquecendo-se dos outros fatores, esquecendo-se do universo intangível, e perceberam agora, na viragem do século, que nós não podemos querer ser as melhores do mundo, nós temos que ser as melhores para o mundo e essa é a tal revolução de paradigma. O desafio é agora começarem a ter alguma responsabilidade pelas pessoas, pelo planeta”.
Se o setor do turismo entrasse num restaurante e pedisse a password da sustentabilidade, as hipóteses eram muitas. Podíamos repescar a frase “um tubarão vivo vale muito mais do que um tubarão morto”, de Tiago Pitta e Cunha ou trepar umas linhas e, num resumo livre das palavras do dirigente da BCSD, dizer que “as empresas não querem ser as melhores do mundo, querem ser as melhores para o mundo”. Mas, em boa verdade, pode ser muito mais. Pode ser as férias do administrador da Oceano Azul no seu monte alentejano a plantar árvores, inspirado pela ação do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que plantou dois milhões de árvores numa região desertificada de Minas Gerais, que outrora fora uma floresta. Pode ser as férias de João com a família, que calculam e compensam a pegada de carbono. Pode ser tudo aquilo que acrescente mais às pessoas, tirando o menos possível ao planeta.