Derrotar Elon Musk com “veneno”
por Miguel Magalhães (Texto) | 18 de Abril, 2022
É praticamente impossível escapar à história que marcou a semana passada no mundo dos negócios – Elon Musk vs Twitter. O que começou como um investimento que poderia dar ao CEO da Tesla um lugar no Conselho de Administração, tornou-se numa tentativa de aquisição “hostil”, com Musk a oferecer mais de 40 mil milhões de dólares para ficar ao leme da empresa e torná-la privada.
Aquisições e fusões são fenómenos normais no mundo dos negócios, mas são eventos complexos de resolver quando os interesses do comprador e da direção da empresa-alvo não estão propriamente alinhados como acontece com Musk e a rede social Twitter.
Várias vozes deram a sua opinião sobre o assunto (incluindo o ex-CEO Jack Dorsey) e diversos artigos delinearam um conjunto de perigos ou potenciais segundas intenções por detrás da jogada do bilionário sul-africano (que não está livre de escrutínio judicial). No entanto, um dos desenvolvimentos mais interessantes foi a forma como o Twitter se decidiu defender do ataque com uma estratégia denominada “poison pill”.
Resumidamente:
- O objetivo passa por tornar a empresa-alvo menos atrativa para o comprador, dando a oportunidade aos atuais acionistas de comprar mais ações a um preço inferior, reduzindo a participação do comprador (% que detém da empresa) e complicando o processo de aquisição de uma maioria do capital acionista.
- A autoria e nome da estratégia é atribuída à sociedade de advogados nova-iorquina Wachtell, Lipton, Rosen and Katz que, nos anos 80, se inspirou na espionagem e nos comprimidos de cianeto que muitos espiões traziam consigo para a eventualidade de serem apanhados pelo inimigo e terem uma forma de não revelar os seus segredos.
Na teoria, há duas formas de colocar esta estratégia em prática (perdoem os “inglesismos”): o flip-in e o flip-over. Na primeira, a direção da empresa-alvo diz que todos os acionistas podem comprar novas ações com um desconto, à exceção do “comprador hostil”, a partir do momento em que este passar a deter uma certa percentagem da empresa.
- Assumindo que o valor da empresa se mantém inalterado, isto leva a que a participação do comprador desvalorize, dado que há um maior volume de ações em circulação.
Na segunda, se a aquisição hostil for bem-sucedida, os acionistas da empresa adquirida ganham o direito a comprar ações da empresa-compradora com um desconto significativo, podendo levar a mesma a pensar duas vezes em avançar com a aquisição, se achar que esta pode prejudicar a sua própria valorização.
No caso do Twitter…
Encontramos um caso típico de flip-in poison pill, considerando que o Twitter está avaliado em cerca de 35 mil milhões de dólares e que Elon Musk detém cerca de 9.2% da rede social.
- O “Board” votou unanimemente num plano que definiu que, se um indivíduo ou grupo passar a ser dono de mais de 15% da empresa, os restantes acionistas poderão comprar novas ações com um desconto.
- Assim, se Musk continuar a comprar ações do Twitter até chegar a este patamar, os restantes acionistas terão a oportunidade de comprar mais ações, reduzindo a participação do bilionário e obrigando a que este tenha um esforço redobrado para comprar a plataforma.
- Este plano será válido até 14 de abril de 2023, para precaver a conhecida insistência do CEO da Tesla.
Outros exemplos:
- A Netflix em 2012 utilizou uma tática parecida para “escapar” do bilionário Carl Icahn, quando este detinha 10% da empresa.
- Em 2018, a cadeia de pizzas Papa John’s recorreu à mesma estratégia para evitar que o seu ex-CEO John Schnatter (afastado da empresa) voltasse a recuperar o controlo da mesma.