De Versalhes ao Rock in Rio: Portugal é um país com boas histórias, falta saber contá-las
por Tomás Gomes (Texto), Paulo Rascão (Fotografia e vídeo) e Pedro M. Santos (Fotografia e vídeo) | 19 de Março, 2022
“Não vendam Portugal, contem-no”. O desafio é colocado por Juliet Kinsman, da Condé Nast, no último debate do evento What’s Next – Innovating Tourism, que decorreu ao longo desta semana na cidade de Lisboa. Como? A resposta ficou nas histórias e testemunhos de Joana Vasconcelos e Roberta Medina, da exposição da artista plástica em Versalhes, à arte de conjugar o local com o internacional quando se constrói uma experiência inesquecível.
O quarto e último debate da semana promovido pelo NEST – Centro de Inovação do Turismo, sob o mote “What’s Next – Innovating Tourism”, num evento paralelo à Bolsa de Turismo de Portugal, que decorre até ao dia 20 de março na FIL, em Lisboa, devia ser sobre Ideias que Mudam o Mundo. E sim, discutiram-se ideias e discutiu-se o mundo, mas a conversa que decorreu no auditório Mar da Palha, no Oceanário de Lisboa, entre a empresária e produtora de eventos Roberta Medina, responsável, entre outros projetos, pelo Rock in Rio, a artista plástica Joana Vaconcelos e Juliet Kinsman, da Condé Nast, um dos maiores grupos editoriais internacionais, responsável por publicações como a Vogue, The New Yorker, GQ, Vanity Fair ou Wired, rapidamente fugiu para um raio-x a Portugal e aos portugueses, à forma como nos “vendemos” e como nos vemos no mundo.
Talvez tenha sido Juliet Kinsman a responsável por este “desvio”, sem efeitos negativos para o debate, claro está, ou não fosse o turismo um setor onde saber contar uma boa história é fundamental para atrair pessoas.
Questionada sobre a perceção de Portugal lá fora, a editora da Condé Nast disse que, pelo menos no Reino Unido, quando as pessoas pensam em férias, “pensam em Portugal, nas belas paisagens e no clima”. Mas não o diz com otimismo, lamentando que num país tão rico não sejam a história ou a cultura os principais atrativos percecionados pelo estrangeiro.
“As pessoas olham para o Algarve ou para a Madeira e pensam que é um bom destino de férias, mas na verdade há muito mais do que isso [em Portugal]. Então, é-me difícil responder sobre a razão porque Portugal atrai turistas, porque, para mim, não é necessariamente a razão pela qual eles devem vir”, sublinha.
Juliet acredita que o segredo está em promover o país para além dos postais, apostando no storytelling, o que culmina num desafio mais tarde deixado pela britânica: “não vendam Portugal, contem-no”.
“Eu acho que vocês não estão a comunicar [como deviam]. Storytelling [contar histórias] é a forma mais eficiente de se fazer isso. Contar a cultura, a arte, as conexões humanas. Contar estas histórias que uma forma de se ligarem aos vossos turistas a um nível mais elevado. E precisam de usar todas as oportunidades para os cativar”, sublinha.
Ao lado de Juliet nesta conversa estiveram outras duas mulheres que, de maneiras diferentes, contam lá fora o que é ser português.
Comecemos pela Joana Vasconcelos, que demorou poucos minutos a reconhecer que os portugueses não são muito bons a promoverem-se. “É um estado de espírito, nunca somos bons o suficiente, não sabemos mostrar as nossas qualidades, enfatizá-las, não sabemos falar sobre elas”, lamentou, acrescentando que isso foi algo que aprendeu ao longo da carreira “em relação a outros países, que têm muito pouco, mas mostram muito”.
A artista plástica justifica este estado mental com o passado recente do país: “tivemos um período das nossas vidas, durante quase 50 anos [de ditadura], que nos ensinaram como viver sozinhos, como sermos orgulhosos daquilo que somos, sem gastar, e tudo isso acabou há apenas alguns anos. Ainda não passou tempo suficiente. Sim, podemos ser orgulhosos de nós mesmos de uma forma normal”, reiterou.
E ser capazes de “falar sobre nós” é ter a capacidade de explicar “as nossas emoções e experiências sem problemas”, “assumindo quem somos”. No fundo, “passamos a maioria do nosso tempo a dizer que não somos bons o suficiente e esse mindset tem de mudar”, sintetiza.
A história do convite a Joana Vasconcelos para expôr no Palácio de Versalhes, em França, é paradigmática das últimas linhas. A própria contou que aquando do convite ficou surpreendida. “Porque é que estou a ser convidada, sou apenas uma artista portuguesa. Isto não pode ser verdade”, questionou-se, mesmo perante as palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros francês que sublinhava a importância do seu trabalho e da sua carreira. “Eu estava a pensar como um português”, disse.
Aceitado o convite, Joana Vasconcelos estava na iminência de não só ser a primeira mulher a expor em Versalhes, como a artista mais nova de sempre a fazê-lo. Mas antes, a organização francesa sentiu que a devia avisar, sendo ela uma artista menos conhecida, uma mulher e portuguesa que talvez fosse importante moderar as expectativas em relação ao número de visitas.
Se artistas de renome como Murakami tinham exposições com 950 mil visitas, 700 mil entradas para ver o trabalho de Joana Vasconcelos seria considerado um número aceitável. “Pelo menos dava para pagar as contas”, brinca, ao recordar esta história.
“Portanto, ok. 700 mil visitas era o meu objetivo. Era uma artista desconhecida, não era internacional, não era americana, não era um homem, era apenas uma artista portuguesa e uma mulher”. Daí, Joana partiu para a conceção do que ia expor, procurando traduzir toda a sua essência de mulher, portuguesa e artista europeia na organização da exposição.
Em paralelo, o facto de uma artista portuguesa ir expor num tão prestigiado local como Versalhes, chamou a atenção cá dentro. “Em Portugal estavam todos, ‘Ó, ela expôs em Versalhes, talvez deva também expor na Ajuda’”, conta Joana, revelando aquilo que todos sabíamos, que o convite acabou por acontecer, tal qual como a exposição.
O que vem a seguir é a fronteira entre o prefácio da Joana, sobre o mindset português, e o posfácio de Juliet sobre a capacidade de contar bem uma história. A exposição de Joana Vasconcelos acabou por receber 1.600.000 visitas em Versalhes e 270 mil pessoas no Palácio Nacional da Ajuda, um monumento que, no ano anterior, segundo a artista, tinha recebido somente 40 mil visitantes no ano inteiro.
“Nós podemos conectar-nos com as pessoas, desde que o façamos de uma forma natural e original. O que é que eu levei a Versalhes? O coração português [coração de Viana], a renda portuguesa. Aquelas coisas únicas, locais, que levei para o mundo e que, de repente, falaram às pessoas”, explicou a artista, reforçando que é preciso cada vez mais pensar “glocal”, ou seja, conjugar uma perspetiva local e internacional e, com isso, oferecer uma visão diferente do mundo.
Esta dicotomia entre a importância do local e do internacional também foi salientada por Juliet, com a escritora britânica a reforçar a importância de apostar no que é regional e nacional, não apenas porque há um racional de sustentabilidade por detrás dessas escolhas, mas também porque é aquilo que de mais diferenciador um local pode oferecer a quem vem de visita. “Temos que pensar globalmente, mas precisamos agir localmente”, afirma.
Dificilmente haveria melhor testemunho para responder a este desígnio do que a responsável por um festival da dimensão do Rock in Rio, que acontece em Lisboa desde 2004.
Para Roberta Medina, a promoção entre o local e o internacional tem de ser um “mix”. “As pessoas vão mesmo viajar para ver algo sobre a qual não sabem nada? Ou é melhor ter um mix? Eu trabalho sempre com este mix, é a maneira como eu vejo as coisas”.
No caso do Rock in Rio, alia-se a atratividade de um cartaz internacional a uma equipa de produção e de infraestruturas com selo nacional.
“[Quando organizamos o festival], procuramos descobrir que bandas é que as pessoas querem ouvir, que espetáculos querem ver. E, se formos ver o cartaz, é maioritariamente internacional. Um evento tão grande não ia funcionar apenas com talentos nacionais. Temos de pensar no cliente e os pedidos vão ser maioritariamente internacionais”, explica. Mas, do outro lado do espetáculo, tanto os fornecedores como a equipa são maioritariamente nacionais.
Para Roberta, a visão sobre o que tem sido o desenvolvimento do país é mais positiva e otimista do que a partilhada por Juliet ou Joana, privilégio, talvez, de quem consegue ter uma visão de dentro e de fora.
“Eu acho que temos feito um bom trabalho. Eu vim para cá há 19 anos. Quando viemos pela primeira vez, as pessoas perguntavam no Brasil: “Portugal? Porque é que vais para lá?”. E agora é “Nice. Vamos a Lisboa”. Mudámos muito. O que não significa que não tenhamos muito para fazer”, diz a empresária, salientando a necessidade de mais e melhor organização no país.
O que fica desta conversa é uma narrativa que merece ser contada lá fora, quiçá, uma das que Juliet defende para “contar” um país para além das suas belas praias. Este é o Portugal de Joana, uma artista portuguesa com uma arte que nem sempre é consensual e que consegue levar um símbolo português como Galo de Barcelos a viajar pelo mundo e a figurar ao lado do Puppy de Jeff Koons; e de Roberta, uma empresária que trouxe para o país um festival que marca a agenda cultural de dois em dois anos — e que é testemunho não apenas do muito que já se fez, mas do que falta fazer para tornar o mundo melhor. E agora? É só aprender a contar bem o resto do país.