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Davos. IA não vai extinguir a humanidade (vai só mexer com quase tudo o resto)

por Abílio dos Reis (Texto) | 22 de Janeiro, 2024

Os Alpes Suíços, entre 15 e 19 de janeiro, voltaram a receber os líderes mundiais para o seu encontro anual em Davos, no qual debatem os desafios mais urgentes. Com naturalidade, os conflitos geopolíticos e a economia dominaram os painéis e discussões. Mas vivendo nós num mundo digital, em cima da mesa esteve outro tópico que teimou em tomar conta da toada: a inteligência artificial.

Da inteligência artificial (IA) às alterações climáticas, passando pela necessidade cooperação internacional e à resolução de conflitos geopolíticos, o que não faltou ao 54.º encontro do Fórum Económico Mundial foram temas de discussão importantes para os governantes, economistas, pensadores, empreendedores, CEOs, entre outras figuras, que marcaram presença.

Assim como não causou surpresa que nos painéis dedicados à tecnologia, nos quais participaram alguns dos executivos mais conhecidos de Silicon Valley e mais além, que a IA dominasse a conversa. Durante estes dias não faltaram exemplos do que a IA pode melhorar — seja na educação dos jovens, na formação pessoal de um trabalhador, na ciência, na saúde, no desenvolvimento tecnológico, na partilha de experiências no mundo virtual.

Mas também ficou evidente que há receios entre os decisores políticos, nomeadamente na questão de como o desenvolvimento da IA precisa de supervisão e de como os rápidos avanços na tecnologia estão também a criar novos problemas ou a agravar os já existentes (desinformação).

  • Na semana que antecedeu o encontro, foi divulgado o Relatório de Riscos Globais, que se baseia nas opiniões de mais de 1.400 especialistas, e que dita que os riscos ambientais representam as maiores ameaças a longo prazo. No entanto, olhando para o amanhã mais próximo, o relatório frisa que o fenómeno da desinformação — alavancado pela inteligência artificial – apresenta-se como o risco mais grave nos próximos dois anos.
  • “Os avanços da inteligência artificial irão perturbar radicalmente as perspetivas de risco das organizações, com muitas a lutarem para reagir às ameaças decorrentes da desinformação, da desintermediação e do erro de cálculo estratégico. Ao mesmo tempo, as empresas estão a ter de negociar cadeias de abastecimento que se tornaram mais complexas devido à geopolítica, às alterações climáticas e às ciberameaças de um número crescente de agentes maliciosos. Será necessário um foco incansável para criar resiliência a nível organizacional, nacional e internacional – e uma maior cooperação entre os setores público e privado – para navegar neste cenário de risco em rápida evolução”, alerta Carolina Klint, Chief Commercial Officer da Marsh McLennan Europa.

Isto porque a IA no futuro não é uma certeza, é uma inevitabilidade. Em Davos, isso ficou bem patente. Ainda assim, por mais que nos ajude a evoluir, percebe-se a legítima preocupação em torno da tecnologia. Segundo um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), intitulado “Gen-AI: Artificial Intelligence and the Future of Work”, 40% dos postos de trabalho a nível mundial vão estar expostos de alguma forma à IA, percentagem que sobe para 60% nas economias avançadas. Entre os trabalhadores, os que têm formação superior e as mulheres estão os mais expostos à rápida mudança (mas também são os que podem vir a colher mais benefícios com os fortes ganhos de produtividade, uma vez que podem vir a ter um melhor salário por conseguir dar conta de um maior volume de trabalho).

Porém, não obstante as percentagens serem bastante elevadas, a IA não vai aniquilar a humanidade. Longe disso, segundo os líderes das tecnológicas por detrás dos incríveis avanços que testemunhamos em 2023. Como nota a CNBC, a discussão em torno da IA foi otimista e não distópica. Sam Altman, CEO da OpenAI, empresa responsável pelo ChatGPT, disse mesmo que a IA vai mudar “muito menos” o mundo do que aquilo que pensamos. 

O ChatGPT vai evoluir de forma “incómoda”

Passaram por Davos muitos líderes e atores ligados às tecnologias que hoje definem o mundo, sempre com a IA no olho do furacão. Debateu-se o futuro da educação, questionou-se se a IA generativa limita a criatividade, interrogou-se se a IA não vai até equilibrar a balança de oportunidade entre nações, discutiu-se inclusive a ética na “Era da IA” — só porque conseguimos rejuvenescer Harrison Ford e temos tecnologia para o fazer, devemos, por exemplo, ressuscitar o talento de Humphrey Bogart?

Mas em matéria de IA, soa tudo um pouco a “white noise” de embalar quando Sam Altman se estreia no Fórum e aparece em vários painéis e se desdobra em entrevistas para falar sobre a tecnologia que a sua OpenAI pôs nas bocas do mundo. E Altman, como já se referiu há uns parágrafos, voou até aos Alpes Suíços com um espírito muito mais positivo do que aquele que assinou uma carta aberta a alertar sobre os perigos da extinção da humanidade.

Em Davos, numa entrevista à Axios, Altman fez saber que o próximo grande modelo da OpenAI “será capaz de fazer muito, muito mais” do que os modelos atuais. Por muito mais, entenda-se ter a capacidade para fazer as coisas a um nível tão personalizado que o ChatGPT pode tornar-se incómodo “para muitas pessoas“. Porquê? Porque a IA vai dar respostas diferentes. Vai tudo depender de quem fizer a pergunta. Isto é, a resposta vai ter por base preferências, valores e cultura.

“Se um país disser que todos os homossexuais devem ser mortos logo à partida, então não… isso é ir bem para lá dos limites”, explica Altman. “Mas há provavelmente outras coisas com as quais eu pessoalmente não concordo, mas que uma cultura diferente pode aceitar. Como criadores deste tipo de ferramentas, temos de nos sentir um pouco desconfortáveis com algumas maneiras como vão ser utilizadas”, conclui.

Em busca da Artificial General Intelligence (AGI) 

Na Suíça, outro termo ou sigla que ganhou honras de buzzword foi AGI, de Artificial General Intelligence — que é uma tecnologia ainda mais revolucionária e impressionante do que o GPT4 porque vai conseguir ultrapassar os humanos nas tarefas mais inteletuais. 

No entanto, o conceito AGI funciona um pouco à imagem do termo “metaverso”: ele existe, mas não há um consenso geral e uniforme e versado do que realmente é. Para a Meta, o conceito ainda é confuso. Nick Clegg, chefe de assuntos internacionais da dona do Facebook, apontou mesmo que “não há consenso sobre o que exatamente significa a AGI”. Porém, independentemente do que se chame à tecnologia, o seu colega Yann LeCun (vice-presidente e chefe de IA da Meta), sublinhou que é uma questão de tempo até que surjam modelos de IA mais inteligentes do que as pessoas.

Se Sam Altman está preocupado com esse momento, que “vai acontecer mais cedo do que estamos a pensar”? Não, porque o “mundo” vai “passar-se durante duas semanas” como aconteceu o ano passado e depois “as pessoas vão seguir em frente com as suas vidas”. 

Em traços mais gerais, Altman afirmou também que a IA ainda não está a substituir empregos à escala que muitos economistas receiam — embora esteja já, sim, a tornar-se uma “ferramenta incrível para aumentar os níveis de produtividade”.

IA: na economia, no trabalho, em todo o lado

“Estrelas, por todo o lado. Tantas estrelas que eu não conseguia por tudo o que me é mais sagrado perceber como é que o céu as podia conter todas e, no entanto, ser tão negro”. Esta citação encontra-se no livro de ficção científica “Blindsight”, do autor canadiano Peter Watts. A narrativa imagina o planeta Terra em 2082 e explora temas como a evolução, biologia, o livre-arbítrio e… inteligência artificial. Nada que tenha a ver muito com o que se passou em Davos, mas tem um propósito: explicar que, tal como as estrelas do livro, a IA vai estar em todo o lado no nosso mundo real e digital. Não em 2082 – aí se calhar até já nos ajudou a colonizar outro planeta porque por este andar já demos cabo do nosso -, mas já em 2024 e nos anos seguintes.

No ano passado, as discussões em Davos (cidade que aparentemente está a ficar pequena demais para tanto bilionário e político, pois durante estes dias o preço dos quartos dos hotéis subiu tanto que excedeu aquilo que é permitido por lei) sobre criptoativos e criptomoedas dominaram os painéis. Este ano, tal como aconteceu praticamente durante em todo 2023, a IA vestiu o fato dos “grandes” e assumiu o papel de protagonista.

E terminado o Fórum Económico Mundial, a ideia tangencial que fica é que a IA vai mesmo ser uma força motriz na economia e na sociedade nos próximos anos  — e todos querem fazer parte. Como salienta a Axios, os seus CEOs estão a ser pressionados para incorporar a IA nas suas empresas mesmo que estes não saibam muito bem como. O importante é que se comece a implementar a tecnologia nas rotinas. Quanto mais cedo, melhor. Se será realmente por uma questão de produtividade ou de FOMO, o tempo o dirá.