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Com o grande poder (dos dados) vem uma grande responsabilidade

por Miguel Magalhães (Texto) | 25 de Outubro, 2023

O segundo dia do Data Makers Fest alargou a discussão para utilização responsável dos dados no desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial e permitiu que mais organizações apresentassem as suas aplicações, da ONU à Wix.com.

“Os data scientists têm um impacto desproporcional no mundo” foi uma das frases-chave de Lambert Hogenhout, responsável por Data Analytics e Tecnologias Emergentes nas Nações Unidas, que deu início ao segundo dia do Data Makers Fest. A organização liderada por António Guterres não é a mais óbvia quando pensamos inteligência artificial, mas a verdade é que ao longo dos últimos anos desenvolveu vários projetos onde o tratamento e estudo dos dados desempenharam um papel importante na manutenção ou promoção da paz.

Hogenhout trouxe uma série de exemplos de como várias ações recentes da ONU tiveram por base uma forte componente analítica, mesmo que esse trabalho não seja diretamente vísivel quando recebemos ou vemos as notícias do dia-a-dia. Um dos casos em destaque foi um piloto conduzido pela Nações Unidas para prever a ocorrência de um ataque terrorista por partes do ISIS: através da análise de publicações que eram feitas no YouTube, do dia que eram feitas e do tipo de palavras que eram utilizadas, a equipa de Hogenhout procurou encontrar padrões nos dados que permitissem desenvolver iniciativas de prevenção, caso o nível de risco fosse elevado.

Numa altura em que o mundo está a observar dois grandes conflitos internacionais entre a Ucrânia e a Rússia e entre Israel e a Palestina, os dados, mais do que os egos, podem ser uma forma de encontrar soluções e chegar a consensos. No entanto, é aqui que entra outra dinâmica da responsabilidade: a história que contamos com base nos dados que temos disponíveis. Tal como em qualquer outra indústria, é muito mais fácil acreditar em dados se de alguma forma apoiarem a nossa visão política. Para Hogenghout, o poder desproporcional dos data scientists identificado por Hogenhout desempenha portanto um papel importante no rumo de diferentes nações, dado que também pode levar a que narrativas mais nocivas possam ser empoderadas com determinadas estatísticas. É, por isso, cada vez mais fundamental escrutinar e valorizar as boas fontes de informação. “Hoje em dia, é muito mais fácil fazer fact-checking a políticos do que há 20 anos”, destacou o responsável da ONU, reforçando não só o papel dos cientistas na apresentação dos dados, mas também da sociedade civil na interpretação dos mesmos.

Assim é fácil fazer sites

Desde que foi criado há 15 anos, o Wix.com tornou-se uma das plataformas de referência para quem quer ter uma pegada na Internet. O desenvolvimento mais simples de sites, sem que fosse necessário recorrer a um designer para criar tudo de raiz, permitiu reduzir as barreiras de entrada a muitos negócios na nova economia digital. Em pouco tempo, independentemente do tipo de produto ou serviço, uma empresa tinha a capacidade de se expor ao mundo e combinar isso com um contexto em que o Google e as redes sociais criavam mais canais para chamar a atenção de potenciais clientes.

Data Makers Fest, Dia 2. Palco secundário “Random Forest”. Alfândega do Porto, 24 de outubro.

Atualmente, são mais de 200 milhões os utilizadores da Wix.com no mundo inteiro, de acordo com Olga Dyadenko, Data Scientist e AI Researcher na empresa. No palco principal do evento, Olga procurou mostrar o porquê de esse número significar muito mais para a empresa do que um simples elogio aos seus templates de fácil utilização. Com todo o buzz da IA generativa, o estudo do comportamento dos seus utilizadores – que cores usam, que mensagens privilegiam, que formatos preferem – dá à Wix.com uma base de dados essencial para a integração de ainda mais funcionalidades na sua plataforma e customizar ainda a sua experiência. O futuro da plataforma já não passa pela construção manual de um site com os seus diferentes blocos, mas sim por um simples “promp” ou comando. Qualquer empresa poderá indicar apenas a indústria a que pertence, o nome e algumas especificidades e, numa questão de segundos, ter já uma boa base para iniciar a sua atividade. 

A IA não pode acabar com a experiência física (nem com as almôndegas)

O IKEA é uma das empresas mais acarinhadas no mundo inteiro. Seja pelas suas icónicas lojas, seja pelos móveis que atravessam gerações e participam em momentos importantes da vida de qualquer um. Com uma relação tão emocional com os seus clientes, há um interesse natural em perceber como é que a inteligência artificial pode fazer parte desta experiência, sem danificar o “modus operandi” da marca sueca.

Em entrevista ao The Next Big Idea, Konrad Banachewicz, Data Scientist na IKEA, partilhou alguns aspetos da abordagem da empresa aos dados, ao machine learning e à IA, que humoristicamente considerou serem três termos diferentes para a mesma coisa, mesmo que alguns dos seus pares não estejam de acordo. 

Antes do aparecimento do ChatGPT há um ano, já podíamos encontrar IA nos algoritmos de pesquisa e nas recomendações do seu site, tal como na maior parte das plataformas que beneficiaram com o boom do e-commerce. Mesmo assim, a IA generativa criou uma variedade de cenários onde a multinacional pode melhorar a relação com os clientes através da sua loja online: imagine poder fazer uma descrição rápida em texto do seu quarto e um chatbot conseguir-lhe recomendar as melhores secretárias ou simplesmente fazer um upload de uma foto da sala e receber uma sugestão de sofás com as medidas e design ideal. São projetos que a equipa de Konrad está a desenvolver e que no futuro deverão tornar-se uma realidade.

No entanto, ao contrário da maior parte das empresas presentes no Data Makers Fest, o IKEA não é uma empresa nascida no digital. Para Konrad, o seu ADN “está na capacidade dos clientes fisicamente tocarem nas coisas e irem comer almôndegas a seguir” e, em 80 anos de história, como recorda, a IKEA demonstrou sempre uma capacidade de se ajustar aos tempos sem esquecer aquilo que a diferenciava no mercado. Por isso, seja com a inteligência artificial, seja com qualquer outra tecnologia, dificilmente o futuro da marca não continuará a passar pelos seus populares “armazéns” amarelos e azuis.

O Data Makers Fest regressa em 2024 à Alfândega do Porto. Os bilhetes early-bird já estão disponíveis no site do evento.