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DAO: as empresas do futuro sem patrões

por Abílio dos Reis (Texto) | 30 de Novembro, 2021

Para singelo coração lusitano, DAO transporta-nos quase de forma imediata (vá, na ótica do autor deste artigo) para uma Região Demarcada e remete para o resultado líquido ancestral de um amor entre Homem e vinha, que sem pejo Infante Dom Henrique transportou em suas caravelas até Ceuta depois de cantar vitória. No entanto, o acrónimo de três letrinhas de que falaremos não nos chega da Região Demarcada do Dão, nem está escondido por giestas ou lenhosos silvados, nem nos acompanha na mesa ao sabor de um queijo da Serra da Estrela ou valente cabrito. A DAO de hoje chega-nos da Internet.

Com til, DAO vira Dão e provém da província da Beira Alta, Região Demarcada que data dos primórdios dos anos 1900 e que faz vinho desde então. Sem til e totalmente com maiúsculas, vira Decentralized Autonomous Organization (DAO) — aportuguesando, Organização Autónoma Descentralizada —, algo bem mais moderno e que os entusiastas das criptomoedas acreditam ser o futuro da Web 3.0.

Porque é que estamos a falar das DAO? Essencialmente por três razões: a primeira, porque recentemente foi notícia de que um grupo de amigos no Discord criou uma campanha para adquirir uma cópia rara da Constituição norte-americana num leilão e reuniram o equivalente a 40 milhões de dólares em criptomoedas; a segunda, porque agora há novos relatos de que outro grupo quer comprar uma equipa de NBA da mesma maneira; a terceira, porque estas duas situações não foram inéditas nem pioneiras.

Acontece igualmente que esta onda de investimentos das DAO começou a captar a atenção de investidores mais convencionais, incluindo o Tubarão Mark Cuban, que em maio, no Twitter, as apelidou de “derradeira combinação do capitalismo e do progressismo”. O que leva à questão: o que é, em concreto, isto é das DAO? Pegando num artigo elaborado pela CNBC, tentamos explicar porque se diz que são a next big thing do crypto world.

Conta bancária partilhada
“Uma comunidade na Internet que partilha uma conta bancária”. Este é o ADN de uma DAO, segundo Cooper Turley, de 25 anos, que diz ter investido cedo na Bitcoin e que por isso agora é milionário (mas que também quer utilizar a tecnologia blockchain para ajudar os artistas musicais). Segundo o próprio, já criou e ajudou a fundar várias DAO.

“Basicamente, são um pequeno grupo de pessoas que se junta num chat e depois decide juntar capital, por norma utilizando uma carteira de Ethereum [além de criptomoeda é também uma plataforma open source global para aplicações descentralizadas]”, esclarece.

A maioria das DAO divide-se em duas categorias: as que gerem em conjunto projetos descentralizados em ferramentas open source (como a Ethereum) e aqueles que fazem investimentos. Estas podem agir de forma semelhante às sociedades anónimas ou grupos de investimento, sendo que as especificidades de cada DAO, incluindo o seu tipo, estrutura, regras e governação, dependem de cada caso e dos seus objetivos.

Tradicional vs Descentralizado
Nas organizações tradicionais, o que existe? Uma hierarquia, que segue uma cadeia de comando. Há um conselho de administração formal, executivos ou gestores que determinam a estrutura da empresa e têm o poder de fazer alterações. No fundo, patrões (que podem ter patrões) a ditar as regras.

As DAO, por sua vez, são descentralizadas, o que significa que não são presididas por uma pessoa, entidade ou conselho de administração. As regras e governação de cada DAO são codificadas em contratos inteligentes (smart contracts) na blockchain e não podem ser alteradas a menos que sejam votadas pelos membros do DAO.

No entanto, além deste poder de votação em que se decide em comunidade a vontade da maioria, os membros podem ter outras funções. Normalmente existe uma série de tarefas e posições internas, incluindo postos na distribuição dos tokens e gestão de tesouraria.

Os tipos de DAO
A CNBC recorda que é importante frisar que “DAO” é um termo que abrange vários tipos de negócios e grupos. Dois destes podem ter objetivos completamente diferentes, mas ainda assim serem DAO. Exemplos:

  • A PleasrDAO saltou para a ribalta há umas semanas depois de ter anunciado que foi a responsável pela compra da única cópia do disco “Once Upon a Time in Shaolin” dos Wu-Tang Clan por 4 milhões de dólares (3,5 milhões de euros) — o que deixou a comunidade crypto satisfeita com o destaque obtido nos media tradicionais como é a prova deste artigo do New York Times que apresenta e explica quem são. Compram e colecionam NFT’s;
  • Decrypt, um case study? Lançado em 2018 para ser “o melhor site de notícias sobre criptomoedas”, agora quer avançar com a “descentralização dos media” porque o “meio tradicional dos media” está acabado. Como é que o vão fazer? Propõem que seja festa forma, ao avançar com uma DAO para revolucionar o setor.

O futuro

Embora a atingir níveis de popularidade cada vez maiores e a chamar a atenção de novos fãs como Mark Cuban (que diz mesmo que o futuro das empresas será diferente por causa das DAO embora esclareça que não funcionem bem para todo o tipo de negócios), isto não quer dizer que as DAO não tenham um longo caminho a percorrer. Até porque as dúvidas e o ceticismo persistem devido ao facto de não serem reguladas.

Ainda assim, para Cooper Turley, apesar das incógnitas — e de este salientar que são maioritariamente efémeras e de sublinhar que nem todas resultam e se tratam de um risco —, as DAO podem vir a assumir um papel que até aqui eram das estruturas tradicionais dos negócios e empresas.

“Penso que as DAO são as novas sociedades de responsabilidade limitada [Ltd.]”, explica Turley. “Acredito que daqui a cinco anos as empresas já não terão capital próprio. Terão tokens, e serão representadas como DAO”.

Será?