Como ficar menos rico em 10 dias
por Miguel Magalhães (Texto) | 7 de Fevereiro, 2023
A história de alguém que passou de ter 100 mil milhões de dólares, para ter “apenas” 50 mil milhões, por si só, não trazia nada de especial. Em princípio, a pessoa em causa continuaria a não passar dificuldades e a ter liberdade para fazer o que quer entendesse. Agora, se essa perda tivesse sido provocada por uma empresa que lucrava com essa situação, a história mudava de figura, não? Foi o que aconteceu entre Gautam Adani e a Hindenburg Research.
As perdas de fortuna têm-se tornado fenómenos comuns. Numa economia moderna em que o património dos maiores bilionários do mundo inteiro está cada vez mais associado à valorização dos seus empreendimentos no mercado financeiros e menos ao dinheiro guardado num cofre gigante como aquele que nos é apresentado com o Tio Patinhas.
No final de 2022, Sam Bankman-Fried viu a sua fortuna de 32 mil milhões de dólares desaparecer depois do colapso da FTX. Elon Musk tem perdido alguns milhares de milhão com a desvalorização da Tesla e a performance volátil do Twitter. Zuckerberg tem acumulado mais perdas do que ganhos com a sua aposta no Metaverso.
Há duas semanas, Gautam Adani era o homem mais rico da Ásia e o terceiro mais rico mundo, apenas atrás de Elon Musk e Bernard Arnault. Contudo, desde aí, Adani viu o seu nome nas listas da Forbes e da Bloomberg descer consideravelmente, com a sua fortuna a diminuir em cerca de 50 mil milhões de dólares e o valor de mercado das empresas da Adani Group a cair perto de 100 mil milhões de dólares. O que causou isto? É uma história interessante.
A Hindenburg Research é um fundo americano conhecido pela suas posições de short-selling em várias empresas, o que em poucas palavras significa que lucra não com a valorização das mesmas, mas com a sua má performance no mercado e consequente descida do preço das suas ações. Uma dessas empresas é a Adani Group.
- No dia 24 de janeiro, a Hindenburg lançou um relatório com pouco mais de 100 páginas, onde detalhou os diferentes fatores que levavam o fundo a ter uma postura negativa face ao conglomerado indiano, acusando-o de pôr em prática “o maior golpe corporativo da história”.
“Onde há fumo, há fogo”
Apesar da fortuna acumulada por Adani, este não é um daqueles casos tradicionais como Bill Gates ou Warren Buffet, que foram acumulando riqueza ao longo de décadas. A “prosperidade” do bilionário indiano coincide com a eleição mais recente (há três anos) do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, com o qual partilha a cidade da qual é natural e as origens humildes. E é por aqui que começa o fio condutor da acusação da Hindenburg.
- O relatório aponta uma série de potenciais casos de corrupção entre as empresas de Adani e membros do governo indiano e um conjunto de organizações internacionais que decidem desviar o olhar por beneficiarem dessa situação.
- Além disso, destaca o elevado nível da dívida do grupo, diversas práticas contabilísticas fraudulentas, casos de manipulação de ações e ainda uma estrutura executiva deficiente, da qual a maior parte da família Adani faz parte.
Isto não é serviço público
Na reação ao relatório, o clã Adani apressou-se a dizer que “não passavam de mentiras” e “uma tática para fazer render o seu investimento”. Mas mais do que as palavras, são as ações que fazem crer, que pelo menos algo está a acontecer na empresa.
- Passados poucos dias, a Adani cancelou a venda de cerca 2.5 mil milhões de ações.
- O banco Crédit Suisse deixou de aceitar obrigações de dívida suas como colateral para investimentos.
- A publicação indiana Mint revelou que o grupo ia fazer uma auditoria independente a todas as suas empresas.
- O regulador indiano reiterou o maior escrutínio que ia haver sobre os negócios Adani, daqui para a frente.
Quanto à Hindenburg, não terá feito isto apenas por um qualquer sentido de dever cívico. O potencial colapso de Adani é benéfico para o fundo e poderá tornar-se apenas mais uma jogada bem-sucedida, como tantas outras desde que foi criado em 2017. Antes do bilionário indiano, o alvo mais sonante foi Trevor Milton, ex-CEO da fabricante de automóveis elétricos Nikola, que depois de ser exposto pela Hindenburg em 2022, foi condenado por fraude nos tribunais americanos.
Ler mais: “The Man Who Moves Markets” (The Atlantic)