Como fazer de Portugal um destino de férias que faz bem à saúde?
por Tomás Gomes (Texto), Paulo Rascão (Fotografia e vídeo) e Pedro M. Santos (Fotografia e vídeo) | 18 de Março, 2022
Voltar a apostar nas termas, criar uma rede de saúde que se interligue com a de turismo, criar condições, infraestruturas e serviços para que quem chegue a Portugal se sinta seguro e vigiado do ponto de vista clínico. Num debate promovido pelo NEST, sobre turismo e saúde, Maria de Belém e Germano de Sousa traçaram o caminho de união de duas áreas que até à pandemia viveram apartadas.
Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, no lançamento do debate sobre saúde e turismo realizado no âmbito da iniciativa “What’s Next – Innovating Tourism“, que decorreu na Nova Medical School, sintetizou da seguinte forma a relação entre estas duas áreas que, para muitas pessoas, podem não ter uma ligação imediata: “Sempre que falo de turismo e de saúde, principalmente nestes dois últimos anos, as reações que tenho são de alguma surpresa. Mas o que é facto é que (…) tem sido muito estreita”.
“Eu dizia (e ainda digo, às vezes) que parecia que estávamos em campos opostos, por uma questão de tempo e espaço. Tempo, porque cada dia que passava [durante a pandemia] era um dia bom para a saúde, era um dia mais próximo da imunidade, da descoberta da vacina, mas era uma noite perdida para o setor do turismo. Uma questão de espaço porque nós precisávamos de mobilidade e a nossa saúde precisava que tivéssemos quietos”.
No entanto, o que cada uma destas áreas pode fazer pela outra ficou bem patente durante a pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, nomeadamente com a criação do selo Clean and Safe, uma autenticação que procurou restaurar a confiança dos cidadãos nos estabelecimentos, certificando as condições de segurança daqueles espaços, e que resultou de uma parceria entre a Direção-Geral da Saúde e a Nova Medical School.
Só no setor do turismo, foram atribuídos mais de 23 mil selos, revelou Luís Araújo, que acrescentou ainda que dos 75 mil colaboradores do setor, quase 40 mil fizeram a formação gratuita adjacente ao selo Clean and Safe.
“Houve a preocupação de descobrir mais sobre esta necessidade de, também no setor do turismo, cuidarmos da saúde” e, agora, “temos de pensar como continuamos com esta proximidade. Isso para nós é essencial”, concluiu o presidente do Turismo de Portugal.
O digital é um vetores que pode contribuir de forma mais eficaz para a coesão entre estes dois campos, “alargando o espetro de possibilidades com novos modelos híbridos”.
Ricardo Leitão, diretor executivo da unidade de medicina exponencial na Nova Medical School, diz que, atualmente, graças às novas tecnologias, “um pequeno alojamento rural no Alentejo pode estar articulado com um grande centro hospitalar de forma completamente deslocalizada, provendo um modelo de serviço e programas para os turistas”.
“E por isso é que era inevitável esta nossa parceria, entre saúde e turismo, pois ambos os modelos de serviço estão centrados no indivíduo. O turismo quer oferecer a melhor experiência, a procura do bem-estar. A saúde visa precisamente potenciar a saúde de todos nós e promover um estilo de vida saudável. Este é o ponto de união que faz esta parceria inesgotável”, resume Ricardo Leitão.
Para Maria de Belém, ministra da Saúde entre 1995 e 1999, durante o governo socialista de António Guterres, e uma das convidadas para o painel de debate, os últimos dois anos de vida em pandemia foram “uma lição para muita gente”. Porquê? “Porque a economia dominava as preocupações totais e a Organização Mundial da Saúde andava a dizer há imenso tempo que saúde e economia estão interrelacionadas. Porque pessoas doentes não produzem, pessoas doentes dão baixas por incapacidade e sobrecarregam os sistemas, não é? A saúde é muito importante enquanto atividade económica ela própria, porque é um laboratório extraordinário para o desenvolvimento de produtos de alto valor acrescentado, de investigação que aprofunda o conhecimento e sustenta as restantes atividades”, explica.
“Posso recuar cinco séculos?”
“A questão do turismo e da saúde… posso recuar cinco séculos?”, pergunta a ex-ministra da Saúde, para lançar a reflexão. “Portugal, pelas mãos da rainha D. Leonor, teve o primeiro hospital termal do mundo. Foi fundado no final do século XV, antes das misericórdias. A maioria das pessoas não liga a isto”, nota a antiga governamente, para quem a questão termal é “extraordinariamente importante”.
Para Portugal avançar neste campo, que não se esgota no turismo de saúde, mas engloba também o bem-estar, o acompanhamento de turistas com necessidades específicas ou a aposta em ferramentas de articulação entre médicos e pacientes de diferentes geografias, Maria de Belém não tem dúvidas sobre qual é o passo a dar: “temos de começar por divulgar o prestígio da saúde que se faz em Portugal. E é muito”.
“Às vezes, o nosso mal é pensarmos que já estamos no futuro quando ainda estamos no passado. Portanto, vamos construir o presente. E a construção do presente faz-se, também, de uma relação entre a saúde e a economia. Se para o país o turismo é um objetivo estratégico, então eu tenho de apoiar as minhas instituições de saúde, tendo em conta esse objetivo estratégico. E isso deve ser pensado e articulado, porque não posso continuar neste país a atuar setor a setor”, defende.
“Não ficamos nada a dever a nenhum país europeu”
Para Germano de Sousa, médico Patologista Clínico, administrador e Fundador do Grupo Germano de Sousa e professor universitário, também convidado deste painel, Portugal tem que “criar a ideia de que é um país saudável e um país de saúde”, capaz de, seja através do Serviço Nacional de Saúde, seja através das estruturas privadas e sociais, dar garantias e segurança a quem nos visita.
“Não ficamos nada a dever a nenhum país europeu. Do ponto de vista do ensino médico, da prestação médica e da preparação hospitalar, não ficamos a dever nada a ninguém. Agora, a organização é que merece ser revista”, acrescenta.
O médico, que se formou na faculdade onde decorreu o debate, deu um exemplo concreto: “se eu tiver 80 anos e for um golfista, mas ao mesmo tempo estou com uma insuficiência renal, quero fazer golfe com a certeza de que me garantem hemodiálise de dois em dois dias ou de três em três dias”, explica.
Desta forma, sublinha, a saúde pode ser também um elemento preponderante na escolha de um destino de férias, sobretudo em pessoas com condições de saúde específicas ou mais idosas. Germano de Sousa sugere, por exemplo, criar-se uma “rede de turismo e de uma rede de saúde em que a pessoa sabe que vai para o sítio A, B ou C e é controlada [do ponto de vista médico] digitalmente”. “Isto é outro aspeto que temos de saber oferecer”, sublinha.
Uma articulação que o presidente do Turismo de Portugal, da plateia, assumiu ser um match difícil pelas especificidades dos dois negócios. “Enquanto que um preço de um hotel é público, o preço de um tratamento tem uma infinidade de questões”, sublinhou Luís Araújo, em resposta às propostas de Germano de Sousa.
O Sanatório do Outão, a história de uma relação que não estava à vista
A prova de que o turismo e a saúde andavam apartados no pré-pandemia vem de um depoimento de Maria de Belém que, não mencionando nomes, revelou que soube, a certa altura, que o Ministério da Saúde tencionava vender o Sanatório do Outão, no distrito de Setúbal.
“Liguei ao ministro que estava na pasta na altura e disse: ‘não faça isso’. Não faça isso porque o Sanatório do Outão, naquela situação privilegiada, com uma gestão hoteleira de qualidade e com reabilitação – eles têm ortopedia e fisioterapia -, é um cantinho maravilhoso para trazer os doentes ortopédicos do norte da Europa para Portugal, para estarem ali dois meses a olhar para o mar”, contou, acrescentando que o que a venda renderia “gastar-se-ia no dia seguinte” e “aquilo pode ser uma instalação altamente proveitosa”.
O relato, no entanto, não é único. A candidata presidencial nas eleições de 2016, revelou que nesse ano o Health Cluster, “uma associação que reúne uma série de entidades do setor público ao privado, que produzem e pensam sobre a saúde em Portugal e que tem tido um grande sucesso em termos de crescimento dos seus resultados”, há vários anos, aquando da direção do doutor Luís Portela, “tentou incentivar a saúde do turismo e do turismo de saúde”, mas, nessa altura, “nem os operadores de turismo estiveram interessados, nem os prestadores da saúde estiveram interessados”.
Da dieta mediterrânea às termas
Os dois oradores convidados desdobraram-se ainda em sugestões de passos que podem ser dados para estreitar esta relação entre o turismo e a saúde. A dieta mediterrânea foi uma delas.
“Não temos nenhum país na Europa tão pequeno e com tanta diversidade gastronómica que pode ser saudável, dos Açores ao Minho, até ao Alentejo, ao Algarve, passando pela Madeira. As pessoas vêm cá e adoram a nossa comida”, salientou Maria de Belém, promovendo a união da componente da alimentação ao turismo de natureza, por exemplo, baseado em caminhadas e passeios, para criar atratividade.
A antiga ministra evidenciou também o potencial das termas, que estiveram esquecidas durante vários anos e que, graças às iniciativas das várias câmaras do país, mesmo em sítios “bastante afastados dos grandes centros”, conseguirem gerar “fatores de atração que são realmente muito interessantes”.
Germano de Sousa concorda, relembrando que no período em que tirou o curso de medicina ainda existia uma cadeira chamada hidrologia, dedicada ao estudo das termas e das suas potencialidades terapêuticas, uma cadeira que desapareceu depois do efeito destas águas ter sido contestado cientificamente.
“A verdade é que do ponto de vista do turismo de saúde, as termas continuam a ser um pólo fantástico, que tem de continuar a ser pensado e repescado porque pode atrair muita gente”, diz o médico.
O administrador do grupo com o mesmo nome, refere ainda que é importante para Portugal dar o passo em frente na adoção de soluções tecnológicas que permitam monitorizar a saúde das pessoas à distância, aproveitando sobretudo a popularização destes meios, como a teleconsulta, durante a pandemia. “Vamos a ver também se quer o Ministério da Saúde, quer os privados resolvem andar com isso”.
A partilha de dados de utentes de saúde é indissociável deste debate, estando neste momento circunscrita ao sistema público. Germano de Sousa considera que as pessoas não podem ser “separadas em fatiazinhas”, tendo o “direito de recorrer a quem quiserem e da maneira que quiserem”. Assim, defende, “os resultados de todos os exames que são feitos a um utente têm de constar na sua ficha, e a sua ficha tem de estar colocada numa plataforma a que este tenha acesso, seja aqui, em Portugal, seja em França ou Inglaterra, porque esses dados são do paciente”.
Quando olha para aquilo que o sistema de saúde já consegue oferecer, Maria de Belém não tem dúvidas: os nossos resultados de saúde são excecionais. “Estou convencida de que nenhum país a norte teria os nossos indicadores de saúde com os problemas sociais que nós temos. Isto significa que houve uma grande capacidade de investimento por parte do setor da saúde”, diz, sublinhando a qualidade dos profissionais que o integram, que têm uma “boa formação de base e têm também características de Dr. House” no que toca à “criatividade”.
Para a antiga governante, é importante divulgar isto e fazer “perceber que uma saúde boa, desenvolvida, com bons resultados, é uma saúde que prestigia o país, é sinal de desenvolvimento” e “contribui para a marca Portugal”.
Da audiência, o doutor Jaime Branco, médico reumatologista e professor universitário, lançou um dado interessante: “o nosso SNS figura no 13.º lugar do ranking mundial. E em que posição de ranking internacional está o país? 29.º. O nosso Serviço Nacional de Saúde é melhor do que o país. É bom que a gente entenda isto”.
Talvez seja mesmo boa ideia e, quem sabe, numa relação estreita entre turismo e saúde se possa adotar o slogan que, em tom de brincadeira, Germano de Sousa propôs: “Portugal, quem vai para lá não adoece”.