Como é que o cérebro decide o que vamos comer?
por The Next Big Idea | 6 de Julho, 2022
Um estudo hoje divulgado na revista Nature revelou que cientistas da Fundação Champalimaud, em Lisboa, conseguiram identificar os neurónios-chave que controlam o desejo por proteína durante a gravidez e em situações de restrição nutricional.
Quem nunca sentiu desejo de começar uma refeição pela sobremesa? E saltar a entrada, o prato principal, e ir diretamente para a doçura que está normalmente guardada para o fim? Muitos de nós, certamente. No entanto, será pouco expetável que alguém o faça. E isto deve-se ao “estado interno” do nosso corpo.
O que é isto de “estado interno”? Não é mais do que o fenómeno que faz com que, por exemplo, à hora do almoço o nosso corpo sinta necessidade de proteína. Como o corpo precisa dos nutrientes, o cérebro assegura que tomemos essa escolha. (Depois do aconchego protéico, os carboidratos da sobremesa já passam a ser bem-vindos para garantir as reservas de gordura do corpo!)
Contudo, a realidade é a de que estes “estados internos” raramente são unidimensionais. E isto deve-se ao facto de um indivíduo poder estar carente de vários nutrientes em simultâneo (por ex, proteína e sal) ou, no caso das mulheres, pelo facto de estarem grávidas, estado que acarreta o seu próprio conjunto de necessidades.
Portanto, como é que o cérebro integra todos estes estados internos, que acontecem em paralelo, e controla o nosso comportamento? A resposta é deveras complexa, mas este estudo levado a cabo por cientistas da Fundação Champalimaud, em Lisboa, conseguiu dar uma nova visão a este problema. Noutros termos, desenharam um Mapa do Apetite no Cérebro.
Território neural desconhecido
Carlos Ribeiro, um dos autores e investigador da Fundação Champalimaud em Portugal, explica que este estudo demonstra que “a forma como o cérebro processa a entrada de inputs sensoriais depende dos animais estarem privados de certos nutrientes ou de estarem grávidas.”
Para chegar a esta conclusão, a sua equipa elaborou um mapa do apetite no cérebro da mosca-da-fruta que criaram através de um método de microscopia único desenvolvido pelo seu grupo.
Mas porquê uma mosca-da-fruta? Porque há uma região relativamente mal compreendida do seu cérebro chamada SEZ (do inglês subesophageal zone, em português, zona sub esofágica) que é semelhante ao tronco cerebral dos vertebrados. Mais: acredita-se que a SEZ desempenha um papel crucial na escolha de alimentos (isto acontece porque é esta a região que recebe “a maioria dos inputs de sabor e contém os neurónios motores que controlam a alimentação”).
Assim, de modo a entender todo este processo, a equipa decidiu criar um “atlas funcional” da SEZ, de maneira a que fosse possível identificar as subestruturas que compõem esta região e atribuíram funções específicas a cada uma.
Então, afinal, o que significam ou o que permitem as descobertas hoje reveladas pela equipa dos investigadores deste estudo?
- Permitem identificar e fazer corresponder neurónios a comportamentos específicos, relacionados com a escolha de alimentos e potencialmente com outros comportamentos também;
- Podem inspirar estudos futuros que procurem fazer a ponte entre o mapeamento da atividade cerebral como um todo e a dissecação dos circuitos funcionais;
- Em suma, a abordagem deste estudo pode ser usada para descobrir como outros estados, por exemplo o sono, influenciam a função cerebral e a tomada de decisão.
A importância da descoberta: Pegando nas palavras de Carlos Ribeiro, um dos investigadores, as “ferramentas que temos hoje fazem deste modelo animal um sistema experimental incrível que nos permite dissecar como o cérebro funciona”.
“Em conclusão, a nossa abordagem permite identificar e fazer corresponder neurónios a comportamentos específicos, relacionados com a escolha de alimentos e potencialmente com outros comportamentos também”, explicou ainda o investigador. “Os nossos resultados têm amplas implicações para a neurociência e podem inspirar estudos futuros que procurem fazer a ponte entre o mapeamento da atividade cerebral como um todo e a dissecação dos circuitos funcionais. Estes são tempos realmente entusiasmantes para se ser um neurocientista!”, conclui Ribeiro.