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Buy Now, Pay Later: A tendência de comprar online a prestações que está a conquistar Millennials e Z

por Marta Pedreira Mixão (Texto) | 14 de Março, 2022

E-commerce

Entre as tendências de e-commerce para 2022, destaca-se o método de pagamento “Buy Now Pay Later”, uma solução que permite comprar online a prestações.

Em 2021, o comércio teve um grande impulso no digital, alavancado pelo confinamento geral a que a pandemia obrigou o mundo em 2020. Esta experiência única levou os consumidores a adaptarem os comportamentos de compra e, consequentemente, de pagamento, reformulando todo o processo de consumo.

Uma das mais recentes tendências da fintech é o método de pagamento “compre agora, pague mais tarde” (em inglês Buy Now Pay Later – BNPL), que é inclusivamente apontado como uma das tendências de e-commerce para 2022, à medida que mais jovens adultos, principalmente millennials e geração Z, se voltam para estas opções de financiamento.

De acordo com o Relatório de Tendências de Comércio e Pagamentos de 2022 da Global Payments, o BNPL deverá tornar-se um método de pagamento mainstream já este ano.

O ano de 2021 foi de consolidação da economia digital, com um “novo normal” para empresas e consumidores. E, embora as compras presenciais já estivessem disponíveis, os consumidores habituaram-se à facilidade de comprar online e a fusão do comércio físico e digital tornou-se um requisito, obrigando várias empresas a repensar os seus modelos, incluindo o sistema bancário mais tradicional.

De acordo com Eduardo Barreto, diretor-geral da HiPay, que marcou presença na edição deste ano E-commerce connect, “em Portugal, sempre tivemos um bocadinho atrás em termos de adoção do e-commerce. O comércio no espaço físico sempre foi o mais importante e o online era visto como algo necessário, mas não a principal fonte de rendimentos. Portanto, não se investia muito”. “De repente, a pandemia veio mudar os comportamentos, principalmente porque imensas lojas tiveram de fechar e os consumidores viraram-se para o online por falta de alternativa. Antes da pandemia, cerca de 45% dos portugueses comprava online, agora são cerca de 70%. Portanto, a pandemia foi um choque para as empresas e obrigou-as a apostar ainda mais no online”, acrescenta.

Esta expansão do comércio digital está a conduzir a uma transformação nas empresas em todo o mundo, que se reflete na disponibilização de soluções mais ágeis e cómodas – e o método de pagamento não é exceção. Isto significa fornecer experiências omnicanal, opções de pagamento flexíveis e simplificar tudo o que acontece após o botão de compra.

“Os números cresceram em dois anos, o que cresceram nos últimos dez e isso arrastou também a adoção do Buy Now, Pay Later. Devido aos tempos em que vivemos, os produtos mais populares estão cada vez mais caros, a inflação está a fazer tudo cada vez mais caro; e, ao mesmo tempo, as gerações mais novas estão cada vez mais apertadas financeiramente”, refere Eduardo Barreto, justificando que “estas soluções vêm quase democratizar a compra de um produto caro e inacessível, porque permite o pagamento em parcelas”.

O que é o BNPL?

O modelo “compre agora, pague depois” permite a qualquer pessoa fazer compras online e pagar em prestações, sem juros.

Os planos de pagamento a prestações não são propriamente uma novidade; vários retalhistas, como lojas de móveis e até de eletrónica, há anos que permitem aos clientes pagar compras de valores elevados em prestações, mas, o BNPL transportou este conceito para a era digital, permitindo a qualquer retalhista oferecer pagamentos a prestações para qualquer produto, por mais barato que seja, online ou na loja.

A maioria dos prestadores deste tipo de serviço opera através de lojas parceiras, a quem é cobrada uma comissão sobre as transações.

“Alguém que não consiga comprar uma televisão de 600 euros, pode pagar a quatro prestações de 150. Em quatro meses a televisão está paga, sem qualquer taxa de juros. Isto abre mercado para as lojas online que oferecem este tipo de soluções, porque ganham compradores que, por razões financeiras, não seriam capazes de comprar os seus produtos — e traz grande conveniência. Os provedores de soluções Buy Now, Pay Later, como a Klarna, a Oney, a Pledg e a Alma são muito usados por millennials e pela geração Z”, exemplifica o diretor-geral da HiPay, que está integrada com provedores de soluções BNPL como a Alma, a Oney e a Pledg.

Com o BNPL, assistimos a um aumento na taxa de conversão, mas também a um maior gasto por compra – pode traduzir-se em taxas de conversão 20-30% mais elevadas para os comerciantes e 30-50% mais elevadas na média de vendas.

Segundo um estudo realizado pela Accenture, e financiado pela Afterpay, as transações BNPL já representaram cerca de 6% de todas as despesas online em 2021, e é esperado um crescimento constante na utilização deste tipo de financiamento, sendo que a empresa projeta que 13% de todas as transações online envolverão a utilização de BNPL até 2025.

Já de acordo com a Juniper Research, espera-se que os pagamentos BNPL representem quase um quarto de todas as transações globais de comércio eletrónico até 2026, em comparação com apenas 9% em 2021. Este tipo de pagamento parece atrair todos, particularmente a geração Z e millennials, e o eMarketer prevê que 44% da Geração Z e 37% dos millennials venham a fazer um pagamento BNPL em 2022, em comparação com 23% da Geração X e 9,4% dos baby boomers.

Em Portugal, o número de operadores que permitem fracionar o pagamento de compras online ainda é reduzido, mas, no final do ano passado, entrou no mercado a Klarna, uma das maiores aplicações de BNPL, que permite fracionar o pagamento de artigos, preços entre 35 e 1000 euros, em três vezes – caso falhe alguma prestação, há lugar à cobrança de valores extra por prestação vencida.

Neste caso, depois de associar o seu cartão de débito ou crédito, o primeiro pagamento é cobrado quando o comerciante confirmar a sua encomenda ou no momento do processamento da encomenda, e os pagamentos seguintes, todos do mesmo montante, são automaticamente cobrados 30 e 60 dias após a data da primeira cobrança.

Alexandre Fernandes, head of business development da Klarna em Portugal, que partilhou o case study da sua empresa no E-commerce connect, diz que o que diferencia a Klarna de outros concorrentes é a sua aplicação, que considera “muito forte” e que tem uma funcionalidade “shop anywhere”, que permite aos utilizadores fazerem compras de forma parcelada em lojas não aderentes, associando-lhe um cartão de débito ou de crédito.

“Podes usá-la [a aplicação] não só para comprar, mas para fazer wishlists [listas de compras], e se a marca muda o preço [de um item adicionado] podes receber uma notificação. Além disso, tens também uma calculadora de CO2 para que vejas o impacto do teu consumo, podes fazer tracking das tuas entregas, podes ver no mapa onde estão as tuas encomendas, etc.”, detalha.

Mas app também permite prevenir um eventual atraso de pagamento: “Se acontecer alguma coisa e não puderes pagar, tens um botão que se chama ‘snooze’ e podes pedir mais 10 dias grátis, sem ter de falar com ninguém”.

Um dos desafios dos bancos tradicionais passa pela capacidade de acompanhar estas mudanças comerciais, especialmente entre as novas gerações de consumidores, que têm preferência por soluções mais digitais e confortáveis. Segundo o head of business development, “a Klarna também é um banco, com licença bancária sueca desde 2017” e “a grande diferença”, e “o motivo pelo qual o BNPL se está a tornar tão popular”, é porque estão “a irromper o setor de banca de retalho, banca tradicional, o sector das letras pequenas, dos juros de mora”. Assim, para Alexandre Fernandes, o mais importante é permitir “uma experiência de compra fácil, eficiente e transparente”. “71% dos millennials preferem ir ao dentista a ir ao seu banco, é mesmo uma indústria que perdeu o tacto”, conclui.

Uma outra modalidade de pagamento BNPL que também começa a ganhar relevância é o simples pay later [pagar mais tarde a compra agora efetuada], que permite ao cliente pagar em 30 dias.

Alexandre Fernandes afirma que “80% dos inquiridos dizem que confiam muito mais numa marca que lhes permita receber o produto antes de ter de pagar na totalidade. A tendência de consumo vai mudar, é uma coisa que as pessoas estão a pedir”.

O estudo “Shopping Pulse: Portugal”, divulgado pela Klarna, que incide sobre os hábitos de consumo dos portugueses, confirma esta visão de transformação nos hábitos de consumo. Segundo a análise, cerca de 80% dos consumidores portugueses “deixa de comprar online devido a incertezas sobre se vão querer ficar com o produto” e “82% dos consumidores afirmam preferir receber os produtos antes de pagarem a totalidade dos mesmos”. De acordo com o mesmo estudo, 76% dos consumidores referiram que as marcas precisavam de melhorar os seus processos de devolução; sendo que cerca de 44% afirmaram que tiveram de esperar pelo reembolso mais de oito dias e 30% mais de três dias.

Eduardo Barreto, da HiPay, também refere que esta é “mais uma modalidade do BNPL” que está a começar a tornar-se popular.

“As indústrias de fast fashion têm uma taxa de reembolso muito alta, as pessoas que compram online não vão experimentar a roupa, mas compram, se calhar, dois ou três pares de calças de tamanhos diferentes, recebem tudo em casa e depois experimentam e decidem o que guardar e o que enviar de volta para loja, mas isto tem um custo muito elevado para depois ficar dias à espera do reembolso. Esta modalidade permite a compra 30 dias depois, ou seja, escolho os produtos, recebo em casa, experimento, fico com o que quero e depois de 30 dias pago aquilo com que fiquei”, exemplifica.

O crescimento do e-commerce e a tendência BNPL

Ainda segundo o estudo “Shopping Pulse: Portugal”, os pagamentos também são vistos como um “bloqueio ao e-commerce”, com mais de metade dos inquiridos (53%) a procurem uma forma mais simples de pagamento, e 3 em 5 (60%) a afirmar que compraria “mais online se tivesse maior escolha de meios de pagamento disponíveis”.

O diretor-geral da HiPay em Portugal e Espanha explica que “os compradores preferem métodos de pagamento que proporcionem uma compra mais rápida e conveniente. E o mesmo acontece do lado dos comerciantes”. Assim, os cartões de crédito e débito ainda são a forma preferida para pagar compras online, o que demonstra que há bastante espaço para o BNPL crescer.

“Os pagamentos com cartões internacionais, como a Visa e Mastercard, são a baseline em todos os países. Se quisermos vender globalmente, através do nosso website, podemos ter a certeza de que se oferecermos o método de pagamento com cartões vamos ter compradores. Depois, cada país tem as suas especificidades. Há métodos, como a Klarna, por exemplo, que era um método de pagamento nórdico, que era local. Há cerca de oito anos, ninguém fora dos países nórdicos tinha ouvido falar da Klarna e, agora, está a ter um crescimento brutal internacional pela conveniência e pelas funcionalidades inovadoras que proporcionaram”, detalha Eduardo Barreto, reiterando que “a compra faseada, neste momento, ainda é muito limitada, mas vai crescer”.

Segundo o Mercator, o volume americano de BNPL está projetado para ultrapassar a marca dos 100 mil milhões de dólares anualmente até 2024, em comparação com 55 mil milhões de dólares em 2021.

Já no Canadá, segundo um inquérito recente da Visa, os consumidores aumentaram os pagamentos em prestações em 30% nos 12 meses anteriores, estimados em 50 mil milhões de dólares anuais. De acordo com um inquérito da Bain, 10,1 milhões de pessoas utilizaram o BNPL no Reino Unido em 2020, o que representou um aumento de 70-80% em relação ao ano anterior. E ainda, de acordo com a Bloomberg, na China, o BNPL poderá representar 58 mil milhões de dólares em vendas nos próximos três anos.

Por isso, não é de estranhar que vários gigantes estejam de olhos postos nesta solução e que vários retalhistas, entre os quais a Target e a Amazon, tenham adicionado opções BNPL no último ano, para aumentar as vendas. Assim, outra tendência será possivelmente o desenvolvimento ou aquisição de produtos BNPL por parte das grandes empresas.

Segundo a PayPal, o volume de compras aumentou 400% na Black Friday com o modelo BNPL. A PayPal lançou a sua plataforma “Comprar em 4 vezes” em agosto de 2020.

A Afterpay também apresentou um aumento de 34% em relação ao ano anterior. Já a Klarna registou um aumento de 48% na Black Friday e 53% na Cyber Monday.

Até as big techs entraram na onda do BNPL. Em novembro do ano passado, a Microsoft incorporou a Zip (anterior Quadpay) no seu browser Edge. Uma colaboração que permite aos utilizadores realizarem qualquer compra até 1000 dólares através de um pagamento faseado de quatro vezes sem juros ao longo de um período de seis semanas. Em agosto, a Amazon fez parceria com a Affirm para oferecer a opção BTL no seu e-commerce. E a Apple e o Goldman Sachs também estão a desenvolver um produto BNPL “Apple Pay Later”.

Eduardo Barreto explica que, atualmente, há “centenas de provedores de soluções BNPL, e é difícil atribuir a cada uma delas uma quota de mercado”. “Neste tipo de situações, lançam-se várias empresas e startups com um tipo de serviços e todos crescem, anos depois há uma consolidação. (…) Uma ganha mais financiamento ou mais sucesso e começa a comprar outras para consolidar a sua posição no mercado e passamos de centenas para uma dúzia. Foi o que aconteceu com Gateways de pagamentos há dez anos e é o que vai acontecer agora às soluções de BNPL”.

BNPL: atribuição de crédito e o risco de endividamento

Como qualquer formalização de crédito, mesmo que de valores mais baixos, a adoção deste tipo de métodos de pagamento deve ser feita de forma ponderada. Porém, a análise para atribuição de crédito não é realizada da mesma forma que ocorreria num crédito convencional e, no caso de economias em que estes serviços estão mais generalizados, pode haver um risco de aumento das compras por impulso, o que tem levantado preocupações sobre um eventual risco de aumento do endividamento.

Em setembro, um inquérito revelou que um terço dos consumidores norte-americanos que utilizavam os serviços “compre agora, pague mais tarde” tinham um ou mais pagamentos em atraso. Desses, 72% afirmaram que a sua pontuação de crédito diminuiu, segundo um estudo publicado pela empresa financeira pessoal Credit Karma.

A maioria dos consumidores que utilizaram os serviços BNPL disseram que, em média, a compra foi de montantes de 500 dólares ou menos. As compras de montantes baixos foram mais comuns entre a geração Z, dos quais quase metade utilizaram os serviços BNPL para pagar despesas de 100 dólares ou menos, segundo o inquérito.

No caso da Klarna, de acordo com o head of business development da empresa, “o valor de compra médio é inferior a 50 euros”. “Tem mesmo a ver com a tendência de consumo. Vemos que as pessoas estão a comprar produtos de 35 euros e dividem em três vezes sem juros, a Klarna não está a ser necessariamente utilizada para compras altas”, esclarece.

Questionado sobre a verificação das condições do cliente para atribuição de crédito, Alexandre Fernandes afirma que “sempre que se faz uma compra” é realizado um “credit check” e que a empresa trabalha com bases de dados externas. E garante: “Na Klarna, estamos a investir bastante para entender padrões de consumo e criar regras que protejam os nossos utilizadores”.

“No setor de banca tradicional, por exemplo, dão-te um cartão de dois mil euros e o banco emissor do plástico não tem controlo sobre como o estás a gastar. Então, se tens dois mil euros de plafond, podes ir a uma loja, gastas os dois mil euros e já está. Ninguém está a ver como o estás a gastar. Na Klarna não é assim. Cada vez que tu fazes uma compra, sejas um cliente novo ou não, tenhas feito uma compra ou 500 compras, o algoritmo vai dizer se posso ou não emprestar-te dinheiro”, detalha, salientando que a empresa está há 18 anos no mercado e que “com cerca de dois milhões de transações ao dia, têm imensa data a nível de padrões de consumo”.

“O algoritmo está a olhar para todas as coisas que se pode imaginar, a nível de padrões de consumo, de toda a data que nós já temos, são dois milhões de transações ao dia, então a máquina está suficientemente treinada, digamos, para saber se uma pessoa que compra um determinado produto vai conseguir ou não pagar de volta”, aprofunda. “Uma pessoa que só compra roupa, mas que, do nada, começou a comprar coisas completamente diferentes e com um valor muito mais alto, [é algo] que não faz sentido, então tu aí proteges o consumidor também”.

Segundo Alexandre Fernandes, para estabelecer algum controlo existe ainda um limite diário, estabelecido pelo algoritmo, e caso seja atingido surge uma “mensagem muito friendly a dizer que tu hoje já compraste o suficiente, se calhar não deves comprar mais, tenta amanhã”. “Fazemos o nosso check a cada compra que fazes, seja de 35 euros ou de 200 euros. Em cada uma dessas compras, o algoritmo vai dizer se pode ou não emprestar dinheiro. Tu nunca vais saber o valor aprovado como cliente, é por compra”, explica.

Sobre os casos de incumprimento, o head of business development aponta uma taxa inferior aos 2% e esclarece que no caso de o cliente “não querer pagar ou não poder pagar” procede-se ao bloqueio da conta, ficando impedido de utilizar a Klarna até regularização do pagamento.

Os consumidores não estão apenas a usar este método para comprar artigos de alto valor e o BNPL tem sido visto como uma forma de “oferecer” inclusão financeira de forma mais generalizada, dando uma sensação de flexibilidade nas despesas. A simplificação e comodidade do processo, quando comparado com modelos mais tradicionais de compras a crédito, podem justificar o crescimento da procura de soluções BNPL. Se, por um lado, os consumidores passam a ter acesso a uma solução de crédito ao consumo mais acessível e cómoda nas compras online, por outro parece ser uma oportunidade de os retalhistas reduzirem a taxa de abandono dos carrinhos de compras e aumentar a efetividade das compras. No entanto, perante um eventual risco de aumento de endividamento, principalmente nas economias onde os BNPL já estão mais estabelecidos, tem havido um apelo a um maior escrutínio por parte dos reguladores.

Ninguém pode prever o futuro, mas é indiscutível que o e-commerce está a assistir ao aparecimento de novas tendências e a uma alteração na forma como as novas gerações de consumidores estão a relacionar-se com as empresas e instituições financeiras, promovendo o aparecimento de soluções de pagamentos mais cómodas e aqueles que não acompanharem estas mudanças correm o risco de perder relevância e quota de mercado.