“Blade Runner”, “Love Actually” e “Capitão América”. Foi lá que os conhecemos mas agora querem que seja mesmo a sério
É comum ver na lista de oradores da Web Summit nomes que não associamos ao mundo da inovação e da tecnologia e que são apresentados como cabeças de cartaz. Basta pensar nos futebolistas – este ano, o próprio José Mourinho recebeu o prémio de inovação no desporto- ou de modelos para dar alguns exemplos.
Mas é pelo menos curioso perceber que na lista da edição 100% digital de 2020, estiveram nomes do cinema que – com mais ou menos tecnologia – lideram projetos que longe de se proporem entreter, propõe-se resolver.
Ridley Scott: “O luxo da ficção científica é que é fantasia. Estamos a lidar com realidade"
O realizador de “Blade Runner” e de outros clássicos como Alien abriu a primeira conferência no chamado “Centre Stage” que nesta edição foi efetivamente um canal digital equivalente na programação ao palco central do Altice Arena.
E foi assim, virtualmente ao lado de Luis Neves, CEO da Global Enabling Sustainability Initiative, e de André Azevedo, secretário de Estado para a Transição Digital, que o realizador apresentou o trailer da campanha do movimento Digital with a Purpose [Digital com um Propósito] que se propõe mobilizar a comunidade tecnológica para encontrar respostas para a crise climática.
“O luxo da ficção científica é que é fantasia. Estamos a lidar com realidade. Temos sido muito, demasiado, simpáticos sobre o ponto onde estamos. Estamos à beira do abismo de um desastre e as pessoas continuam a ser simpáticas sobre o que se está a passar. Penso que é altura de sermos mais duros e fortes”, afirmou Scott.
Para o realizador, neste momento “estamos numa zona de guerra, num estado de crise", e isso deve obrigar a sociedade, n seu conjunto, a dar uma resposta muito mais objetiva e imediata ao problema.
Digital With Purpose é uma iniciativa da Global Enabling Sustainability Initiative (GeSI). O movimento listou “temas de impacto digital” em cinco áreas prioritárias: ação climática, economia circular, cadeia de fornecedores, inclusão digital e confiança digital.
A iniciativa será apresentada oficialmente no dia 1 de junho, na Digital Assembly, em Lisboa durante a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia. As empresas e líderes que se associem comprometem-se com mudanças sustentáveis em várias áreas da sociedade e da econmia através da inovação e da tecnologia digital.
Richard Curtis: “Não é uma luta da moral contra o dinheiro”
“Global Responsability Actually”. Se o nome lhe parece familiar, é porque é mesmo – mas de outras lides que não a da Web Summit. Richar Curtis é o realizador do filme que está prestes a invadir as nossas televisões, como em todos os natais – “Love, actually” (mas também de Blackadder e Mr. Bean ou Notting Hill e o Diário de Bridget Jones).
Mas, fora dos ecrãs, Curtis é um cidadão preocupado com o estado do mundo e que tem usado a sua influência para mudar o que acredita poder ser mudado. “Estou sempre a tentar perceber de onde vem o dinheiro que pode mudar o mundo”, confessou.
Vamos então olhar mais de perto para onde vem o dinheiro que tem ajudado o realizador a mudar o mundo. Curtis foi fundador da Comic Relief que desde 1988 organiza o “Red Nose Day” no Reino Unido e nos Estados Unidos e que já angariou já 1,3 mil milhões de dólares para apoio aos mais carenciados.
Agora subiu a parada. Em 2020, lançou a iniciativa “Make my money matter” [Façam o meu dinheiro contar] que propõe a aplicação do dinheiro dos fundos de pensões em investimentos éticos, ou como diz “investido em coisas em que acreditamos”.
Como é que funciona? “É incrivelmente simples”, afirma, “ se for um empregado, e assumimos que a maior parte destes fundos vem de trabalhadores por conta de outrem, é dirigir-se à sua empresa e perguntar onde está a aplicar o dinheiro da sua pensão, propondo que possa ser num fundo ético que é o nosso propósito”.
Se lhe parece que é uma hipótese remota, esta é uma informação que ajuda: empresas como a British Telecom, o BNP Paribas e a Igreja inglesa já aplicam os fundos de pensões neste tipo de fundos.
Para Richard Curtis, a “revolução” passa por duas premissas: são os consumidores que vão liderar o processo, exigindo mais e premiando as empresas com melhores comportamentos ambientais, cívicos, éticos e os fundos que investem neste tipo de empresas têm, efetivamente, melhor performance. “Não é uma luta da moral contra o dinheiro”, sublinha e, menos ainda, um risco acrescido, precisamente porque “as empresas que estão alinhadas com o futuro” potenciam melhores resultados.
Contrariamente ao Comic Reflief que foi desenhado para angariar donativos, o “Make my money matter” propõe uma atuação estrutural e implica envolver empresas, instituições e governos. É um nível de atuação também político e com outro grau de alcance. Curtis garante que nunca será a pessoa que deixa de ajudar um sem-abrigo porque “daqui a 15 ano a sociedade encontrará uma solução para ele”. Mas vê na atuação ao nível macro possibilidades maiores de ter resultados. E, como bom contador de histórias, deixa-nos com uma exemplar: “Bob Geldoff contou-me uma vez que fez mais dinheiro a tomar café com Miterrand do que com o Live Aid [porque essa conversa levou à decisão da França de alocar orçamento europeu para o apoio a África]”.
Chris Evans: “Estamos polarizados, porque estamos exaustos”,
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O Capitão América quer salvar o mundo dos vilões do extremismo que ameaçam a sociedade. Para o fazer associou-se a mais dois paladinos e lançou um site que se chama “A Starting Point” [Um ponto de partida]. Claro que sendo de super-heróis e de vilões que se trata, tudo isto aconteceu nos Estados Unidos – o Capitão América é Chris Evans e os seus companheiros de missão são Mark Kassen e Joe Kiani.
O desafio é particularmente interessante, para usar um adjetivo suave, quando se trata de discutir leis e decisões políticas nos Estados Unidos, o país que nos últimos quatro anos mais acusou o desgaste da polarização. Como dizia a moderadora da conversa com os três fundadores, Laurie Seagall, “tinha de ser o Capitão América para juntar as pessoas”.
“Estamos polarizados, porque estamos exaustos”, afirma Chris Evans. E o A Starting Point propõe-se recuperar as pessoas dessa exaustão com um modelo diferente das redes sociais e dos media. “Onde não tenha de estar a pensar, quem estão a querer defender, qual é a agenda, onde está o dinheiro”.
O modelo em causa é um site repartido em três áreas. A primeira é constituída por questões sobre um determinado tema que são colocadas a responsáveis eleitos e a cujas respostas é feito fact checking. A segunda é um espaço para publicação de vídeos até 60 segundos por não sujeito a fact checking. E a terceira um bloco de discussão – “counter points” – onde dois responsáveis eleitos com visões diferentes debatem um tema.
Todas as áreas têm em comum não existirem comentários, nem “likes”, impedindo assim a “rede de trolls”.
O objetivo é estimular uma “conversa efetiva” e privilegiar o “que temos em comum”, mesmo que “discordemos uns dos outros”.
“A maior parte das pessoas quer fazer o bem, não o contrário”, defendeu Joe Kiani, para quem essa ideia é a que mais conta mesmo quando o momento é de polarização e de provocação de posições extremadas. Ou, nas palavras da jornalista Laurie Seagall, quando o momento que vivemos é o de “os factos de uma pessoa serem a ficção de outra”.
O passo seguinte do projeto é chegar às escolas e começar aí a promover uma forma de debate e de escrutínio diferente. Tendo presente, como disse Chris Evans, que a internet, tal como o fogo e a roda, faz parte das invenções que realmente mudaram a humanidade.
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