Masterclass com Vasco Pedro: Como chegar a um milhão de euros em vendas?

por The Next Big Idea | 26 de Junho, 2023

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Unbabel: os primeiros desafios

Vasco Pedro sempre gostou de construir coisas e, sobretudo, de ver como os outros as experienciavam. Aos seis anos já programava — “tinha um Spectrum 48k” — e recorda-se dos dias em que andava a vender postais de Natal com a irmã para fazer uns trocos. “O espaço mental onde me sinto mais feliz é o da página em branco. Ter uma ideia, executar e ver algo a construir-se do nada”, diz-nos. Da passagem pelos pupílos do Exército fica a capacidade de “navegar uma estrutura de humanos”, de saber receber e dar ordens, mas também a dificuldade em ser gerido por terceiros e uma “tendência para a rebeldia”. “Detestava a ideia de fazer coisas sem saber porquê”, conta.

Apaixonado desde sempre pela consciência humana e pela inteligência, “relativamente cedo” começou a perceber “que a linguagem era uma janela interessante” para compreender estes dois mundos. Assim, entrou na faculdade para o curso de Engenharia da Linguagem e do Conhecimento, “uma mistura entre inteligência artificial pela Faculdade de Ciências e linguística computacional pela Faculdade de Letras. O que foi fascinante”.

Formou-se sabendo sempre que parte do objetivo seria vir estudar nos EUA. Quando lá chegou já estava casado — “uma paixão enorme, um atirar de cabeça”. Eram para ser dois anos de Mestrado, mas rapidamente se converteram numa década, com um doutoramento, três filhos, um estágio na Google e a experiência de montar a sua primeira empresa. Foi na gigante tecnológica que começou a perceber que nunca poderia ter “o impacto que queria” numa estrutura tão grande, tendo começado a nascer aí o desejo profundo de criar a sua própria startup. Começou como “solo founder”, o que recorda como uma experiência que lhe “ensinou que ter co-fundadores é super importante”.

A decisão do regresso a Portugal acontece em 2011. “Senti que estar nos EUA era fruto de um acidente continuado”. Tinha saudades do país, queria ter as filhas mais perto da família e a certeza de que se a vida o voltasse a levar para a terra do Tio Sam seria propositadamente. Foi nesse processo que se voltou a cruzar com dois professores que queriam juntar as suas startups. Uniu-se ao projeto como co-fundador, ao mesmo tempo que desenvolvia atividade como investigador no Técnico, onde ficou por dois anos.

“Passado um ano vi que as coisas não estavam a avançar como deviam avançar”, conta. O problema, resume, é que “não havia um CEO”, um papel divido entre os dois professores que o desafiaram. “Na minha perspetiva, têm de haver definições claras de papéis logo no início, ou muito rapidamente. Alguém tem de ser o CEO e determinar a visão e a direção”. “Tudo demora mais tempo” quando as decisões se tomam por consenso, e uma “startup não é uma democracia ou uma cooperativa”, diz.

Na startup seguinte, “o CEO era um CEO e tinha uma visão clara”. O problema é que essa visão “mudava a cada duas semanas”. “O que começámos a sentir foi que éramos quase uma devhouse, em que tínhamos especificações que mudavam sem uma visão a longo prazo. E essa startup eventualmente ficou sem dinheiro”. Por essa altura Vasco Pedro, João Graça, Sofia Pessanha, Bruno Silva e Hugo Silva já trabalhavam juntos e, mais, tinham passado “tempo suficiente nas trincheiras” para saberem que funcionavam muito bem em equipa. Assim, se havia momento para terem algo próprio, era aquele. Alugaram uma casa em Monte Clérigo durante um fim-de-semana, agarram-se ao bloco de notas e “rapidamente” a ideia por detrás do que viria a ser a Unbabel começou a tornar-se clara. Deram a si mesmos “um mês e meio/dois meses” para “tentar construir um protótipo que demonstrasse que a ideia que tivemos podia funcionar” — e funcionou.

Estavam em conversações com a Faber e a Shilling, já com uma term sheet em mãos, quando foram chamados pela YCombinator, em 2014. “Estivemos três meses num apartamento com dois quartos, e desde o momento em que acordávamos até adormecer era para trabalhar — à excepção de um dia por semana”.

“A YCombinator tem muito uma filosofia no bullshit [sem tretas]”. O objetivo é “criar um produto que as pessoas queiram usar” e a “expectativa é de um crescimento de 7% durante 12 semanas”. Parece simples, mas não é. O facto é que “não há atalhos” e ter, neste modelo, uma única métrica de crescimento para otimizar até jogava a favor da equipa de fundadores. Ainda assim, disputar a atenção dos investidores ao mesmo tempo que outras 62 empresas aumentava a competição entre pares — “havia sempre uma lebre a perseguir”. E, note-se, “nenhum investidor investe numa coisa que não tenha sucesso, então tínhamos de demonstrar sucesso”, recorda. Entraram na YCombinador com 20 euros de receitas em tradução e saíram de lá a faturar 150 mil dólares ao ano. Durante aqueles meses, aumentaram a avaliação da empresa em sete vezes e “qualquer pessoa com quem quiséssemos falar estava disposta a isso e combinava um tempo”.

Como chegar a um milhão de euros em vendas?


Afinal, o que é a Unbabel? “A Unbabel tenta resolver o problema das barreiras de linguagem que as empresas encontram quando se expandem para novos mercados”, sumariza Vasco Pedro. “E a maneira como o resolvemos é bastante inovadora”.

“Nós arrancámos numa fase em que a tradução automática e a inteligência artificial começavam a ter um impacto grande na tradução. A parte diferenciadora do nosso sistema é que é híbrido: temos uma parte muito forte de inteligência artificial e temos uma parte de tradução humana. A conjugação dessas duas coisas cria um loop de feedback que faz com que a inteligência artificial esteja constantemente a evoluir e a melhorar. Portanto, no fundo temos uma maneira muito mais eficiente e escalável, a nível de custos, qualidade de velocidade, de traduzir”.

Quando lhe perguntamos como é que uma empresa se dá a conhecer no mercado quando ainda não tem grande visibilidade de marca, Vasco Pedro lembra que “é mais fácil vender uma aspirina do que uma vitamina”. Ou seja, “é preciso encontrar um foco de dor que doa o suficiente”, isto porque qualquer pessoa está disponível para ouvir se aquilo que temos para propor lhe vai efetivamente resolver um problema.

Nesta ótica, e remetendo-se ao arranque da Unbabel, hoje diz que se tivessem passado dois meses sentados com uma empresa de tradução e vissem a forma como estes lidavam com clientes, teriam “poupado um ano ou um ano e meio”. “Nós éramos ingénuos. Pensávamos que o problema principal era a inteligência artificial e o resto era fácil”, mas há toda uma dimensão de gestão do cliente, da forma como as vendas são feitas e o trabalho é entregue que tem “um impacto enorme”. Da mesma forma, se fosse possível voltar atrás no tempo, e considerando que o seu foco é B2B, teriam trabalhado mais de perto com três ou quatro empresas para desenvolver o produto ao invés de o construírem “no vácuo e depois tentar vender”. “Nós sabíamos que tínhamos uma tecnologia muito forte, mas é fácil entrar num meio em que é a tecnologia à procura do problema”. Acabaram por encontrar um caminho, “mas acho que podíamos ter feito isso mais rápido”, conclui.

Levaram três anos até estabilizarem o seu padrão de produto e de cliente. Aliás, estavam numa série A, com vendas a rondar um milhão de euros, quando decidiram “despedir” 70% dos seus clientes. “Estávamos a sentir problemas de vários clientes, o feedback não era tão bom, a margem não estava lá, havia red flags“, conta. A decisão, um risco enorme e tudo menos previsível, ajudou-os na verdade e encontrar “o investidor certo, que estava focado nas coisas certas”. “É nesses momentos em que é preciso haver um CEO que diz ‘é isto que vamos fazer'”. Até porque “no mundo da tradução já houve muitas empresas a partirem a picareta a tentar escavar este buraco. Não é uma área nova do ponto de vista de resolver o problema da tradução, o mercado é muito fragmentado, há muitas empresas e nenhuma até agora conseguiu dominar ou ter uma parte significativa do mercado”.

O que mudou desde esse momento para a Unbabel? “Quando começámos estávamos a tentar resolver o problema todo da tradução e, no fundo, isto fez-nos decidir focar em costumer service”. “Quando as empresas precisam de fazer serviço de apoio ao cliente em várias línguas acabam por ter de contratar pessoas de todo o mundo. Em vez disso, podem contratar pessoas num só sítio e a Unbabel fica integrada. Através disso, os agentes conseguem responder em 30 línguas diferentes, por escrito, em e-mail, chat ou contact center. Isto é uma subparte do problema [da tradução], em que conseguimos ser diferenciados e em que ninguém consegue fazer o que estamos a fazer”. Agora, com esta área de negócio estabilizada, a Unbabel quer focar-se em outros casos de uso, porque “o mercado de serviço ao cliente multilingue é muito grande, mas não o suficiente para as nossas ambições”, diz Vasco Pedro.

Hoje o CEO fala menos com clientes do que costumava, primeiro porque está a acompanhar de muito perto mudanças ao produto da empresa, depois porque a Unbabel iniciou uma fase de crescimento inorgânico com a compra de outra empresa e, por fim, é preciso dedicar tempo aos investidores. Mas no que a vendas diz respeito, lembra que a “higiene” dos dados é importante porque permite tomar decisões atempadamente — “quando as coisas estão a correr bem, ninguém se importa muito porque é que estão a correr bem”. Já o contrário já não é válido. Depois, é preciso pensar desde o início “qual vai ser canal para chegar às pessoas que eu acho que vão querer comprar” o produto e, não menos importante, “a coisa mais poderosa é ter clientes originais a falar autonomamente a outros potenciais clientes”. E quanto ao mito de que as vendas não para tímidos, Vasco Pedro diz que não é bem assim: “quando tenho um produto que sinto genuinamente que vai ajudar aquela pessoa, tenho muito mais facilidade em falar sobre ele. Não do ponto de vista de estar a vender, mas do ponto de vista de tentar explicar porque é que estou entusiasmado com isso. Há uma venda consultativa, um tipo de venda que tem a ver com perceber qual é o problema da outra pessoa”.

Potencial unicórnio: benção ou maldição?


A Unbabel é recorrentemente apontada como o próximo unicórnio (empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares), um estatuto ambicionado por muitas startups, mas que, como diz Vasco Pedro, não é um fim em si mesmo. O fundador e CEO olha para esta “pressão” como algo de bom e mau. Se, por um lado, ser unicórnio é algo “tangível” para muita gente, sobretudo em questões de motivação interna e recrutamento, não é de todo a meta. “Eu acredito que estamos [na Unbabel] a resolver um problema enorme no mundo e a oportunidade de criar uma empresa grande é muito real e plausível. (…) Ser um unicórnio ou ser uma empresa pública são passos nessa caminhada, mas não são em si mesmos um objetivo”, até porque, nota, “ter uma avaliação de mil milhões de dólares quando é cedo demais também cria problemas”. E exemplifica: não faz sentido ir atrás da avaliação quando numa ronda de investimento estamos perante um investidor que faz uma avaliação de mil milhões, mas dá menos condições, versus um investidor com uma term sheet mais clean. Além disso, “houve uma anomalia” nos anos covid, com avaliações muito altas, que agora começa a corrigir-se. Para algumas empresas isso poderá implicar um down turn, ou pelo menos uma maior dificuldade numa próxima ronda em justificar a avaliação anteriormente recebida.

Quando olha para o ecossistema de empreendedorismo em Portugal, sobretudo para o de Lisboa, que é que o que melhor conhece, Vasco Pedro é otimista. Começa por listar o clima porreiro, a qualidade de vida, a estabilidade democrática, a segurança, uma infraestrutura tecnológica adequada, o alinhamento com a hora de Londres e a proximidade com os EUA como fatores diferenciadores de Portugal. Depois, fenómenos externos, como Brexit ou mesmo a guerra na Ucrânia, têm acabado por tornar o país mais atrativo para empresas e nómadas digitais. Por fim, Lisboa — ao contrário de Nova Iorque ou Londres, onde a disputa por talento se faz por várias indústrias — tem as condições para esta se tornar uma startup city, à semelhança de São Francisco. Isso não significa, porém, que está tudo feito. “É importante que não se ponha um travão” nesta evolução, mas que se apliquem esforços no sentido de criar legislação que acomode as necessidades destas empresas e respetivos funcionários, simplificar processos de decisão judiciais ou camarários, conseguir atrair fundos tier 1 que se possam fixar cá, enumera. “Daqui a cinco anos, acho que vamos ter mais empresas portuguesas que fizeram IPOs, acho que vamos ter mais pessoas que saíram dessas startups e criaram as suas empresas, vamos ter os fundadores dessas empresas a ser angel investor de outras empresas…”, vai listando. E no dia em que “os melhores edifícios de Lisboa não forem de bancos ou seguradoras, mas de produtos e empresas conhecidas, vai ser um bom sinal para nós”, conclui.

Especial Únicos

O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Fizemo-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas:

  • Uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro e cujos episódios pode rever aqui;
  • Um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, que pode encontrar aqui;
  • O Prémio “Únicos, que apoiará com mais de 150 mil euros (entre investimento e serviços Google) uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.