Masterclass com Humberto Ayres Pereira: Como levantar investimento?

por The Next Big Idea | 29 de Março, 2023

Humberto Ayres Pereira é o fundador da Rows, cuja ambição é, nada mais nada menos, do que destronar o Excel e o Sheets do mercado das spreadsheets. A ambição é assumida, sobre o mercado potencial ninguém tem dúvidas. Nesta masterclass, o empreendedor fala sobre a “arte” levantar investimento, sobre como lidar com um ‘não’ sem deitar a toalha ao chão ou sobre como gerir o “casamento” com o investidor.

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“O MBA aumenta o valor esperado de uma carreira”

Humberto Ayres Pereira é um engenheiro eletrotécnico da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). Foi atraído pelo gosto pela Matemática, pela Física, pelas “maquinetas”. “Achei que a engenharia eletrotécnica teria imensas coisas” para aprender, mas “os cursos são feitos para muita gente (…), e portanto não correspondeu exactamente ao que eu queria”, recorda.

No entanto, foi também a passagem pela FEUP que lhe deu a possibilidade de fazer uma fellowship na Caltech, em Los Angeles, Califórnia. “Porque não? Estava a apanhar uma seca na faculdade”, brinca. Gostou sobretudo da “confiança” que lhe foi depositada — recebeu uma folha A4 com os objetivos e dez mil dólares para comprar material. Quando voltou a Portugal, “forçou-se” a terminar o curso e acabou por ir trabalhar para a Mckinsey. “Eu, na minha distração, lá fui indo a alguns processos de recrutamento. (…) Fui-me mais ou menos empurrando-me e sendo empurrado”, conta.

Enquanto esteve por lá “perdia uma quantidade absurda de tempo em tópicos para os quais não me tinham contratado”, nomeadamente com detalhes sobre o projetos em que estava envolvido, recorda. É, todavia, a passagem pela consultoria que o faz decidir candidatar-se a um MBA em Harvard, onde é aceite.

“O MBA aumenta o valor esperado de uma carreira. (…) Uma pessoa sobe imenso a sua probabilidade de sucesso em várias coisas, porque não só fica associado a essa marca [de Harvard], que abre imensas portas, como conhece montes de pessoas, num curso bom, onde se vê que os outros acreditam mesmo que podemos fazer alguma coisa da vida. E o acreditar é uma componente importante”, reitera.

O difícil, diz, é entrar, mas uma vez lá dentro o mais importante é mesmo participar — “os professores são muito bons a pegar em comentários de uns e a perguntarem a outros, escrevem umas palavras no quadro e acabam por desenhar uma ideia. (…) São dois anos de ‘brincadeira adulta’ espetaculares”. A seu ver, o que mais diferencia a passagem por Harvard é a “atitude”. “As pessoas que estão em Harvard querem mesmo estar lá, empenharam-se para estar ali, e querem dar o salto para cima. Há uma seleção de pessoas que querem fazer coisas, e isso nota-se”. Pouco depois de regressar a Portugal, Humberto Ayres Pereira fundou a sua primeira empresa, a Skin.pt .

“Aprendi imenso sobre cosmética, aprendi a montar um e-commerce, aprendi a fazer caixas de cartão e a desenhar, aprendi imensos pormenores técnicos, aprendi a fazer coisas com as mãos, a colocar produtos em caixas, colar etiquetas, enviar encomendas, aprendi a resolver problemas físicos do mundo real, e aprendi a montar uma equipa, porque montámos uma equipa muito gira”, enumera. Mas, sobretudo, aprendeu “a fazer receita, porque aquilo fazia uma receita apreciável. É um negócio”.

Dois anos depois, o empreendedor é convidado pela Rocket Internet, um género de “incubadora em série” com sede em Berlim, para montar um projeto na área da comida. Tal como lhe aconteceu na Skin, a ideia de projeto já existia, os financiadores também, tendo este sido escolhido para arrancar e gerir o negócio. “Eles [Rocket] têm bastante má fama, por serem copiadores, por serem muito brutos e hiper-racionais, mas no que me tocou foram sempre bastante flexíveis… E também foram duros, também me disseram algumas vezes que estava a fazer um trabalho que era uma porcaria”, recorda, ressalvando que sempre teve margem para liderar a empresa como achava correto.

Foi aqui que conheceu um dos sócios com quem viria a fundar a Rows, a sua atual empresa, cujo principal objetivo é destronar o Excel e o Google Sheets no mercado das spreadsheets. Sobre o percurso da Rows, todavia, falará em detalhe em seguida.

Como levantar investimento?

Porque é que alguém decide fazer uma empresa para substituir um ícone como o Excel? Humberto Ayres Pereira percebe bastante de spreadsheets e a intuição diz-lhe que para ser verdadeiramente disruptivo numa área é preciso conhecê-la a fundo. Mesmo como utilizador, “achava que as spreadsheets faziam um trabalho ótimo ao dar flexibilidade às pessoas para fazer cálculos, planos, simulações e modelos, mas depois faziam um trabalho mau em algumas das tarefas que são mais modernas, como ir buscar dados. Além disso, quando uma pessoa acaba um relatório tem de ir fazer um Powerpoint do Excel”, porque os ficheiros não são bonitos, não convertem dados em imagens e muitas vezes não funcionam em dispositivos móveis.

Estava então identificado o espaço para iterar um produto clássico.

Já sobre a dimensão do mercado, ninguém tem dúvidas: “Há mais ou menos 1 bilião de utilizadores de spreadsheets” no mundo, portanto estamos a falar de um mercado de “muitos biliões” que “claramente está lá, não temos de o provar a ninguém”. Questionado sobre a receção inicial à ideia, Humberto Ayres Pereira recorda que “as pessoas que trabalhavam com spreadsheets gostavam, os engenheiros gozavam imenso” e os investidores “achavam que era uma ideia demasiado arriscada — e é uma ideia arriscada”, assume.

Arrancaram em 2016, em Berlim, e cada sócio meteu 25 mil euros para o pontapé de saída. O primeiro investimento chegou três meses mais tarde — “baixo para os valores de hoje em dia, mas muito útil para nós na altura”. A prioridade foi contratar e montar um protótipo. Até chegarem aos primeiro “sim” falaram com mais de 100 investidores. “[Depois do primeiro contacto com um investidor] é mais rápido receber um sim do que um não, mas [globalmente] é mais rápido chegar aos primeiros ‘nãos’ do que ao primeiro ‘sims’”, diz Humberto Ayres Pereira. Isto porque os “investidores são muito cautelosos e politicamente corretos”, pelo que o ‘não’ tende a demorar mais tempo a efetivar-se. “Podem estar a dizer que não a uma empresa que vai valer imenso e ninguém quer fazer figura de estúpido”, explica. A título pessoal, lembra, “tinha acabado de ser pai, portanto não era uma sensação boa do ponto de perspectivas humanas clássicas. Por outro lado, era super divertido e nós tínhamos uma intuição de que algo ia acontecer. De certeza que dormi mal e andei mais nervoso, mas não me lembro de ser um fator muito grande”, partilha.

Mesmo hoje Humberto acredita que o dinheiro é praticamente “ilimitado”, sobretudo para iniciar startups. “As primeiras rondas de investimento são sempre mais fáceis” e há muitas “ideias malucas a serem apoiadas” mundo fora. É preciso passar o crivo, mas “quase toda a gente aceita ouvir uma ideia”, reitera.

O “casamento” com o investidor

Escolher um investidor é “um compromisso sério”. Por norma, a expectativa destes é ficar com 20% a 30% do negócio, mas se estiverem perante “um empreendedor extraordinário podem ir aos 15%”, diz Humberto Ayres Pereira. Portanto, “quanto melhor fores a convencê-los, mais dinheiro recebes pela mesma diluição”, resume. Depois, a escolha do investidor “é um compromisso a sério”, que em média durará cerca de cinco anos.

Para o empreendedor, que confessa que gosta de trabalhar – “é uma das melhores parte da minha vida” -, há “uma irracionalidade muito grande” em montar um negócio. Se, por um lado, “é quase sempre uma diversão”, por outro a pessoa “vai enfrentar problemas difíceis de motivação, contratação, retenção”, enumera. E pessoas inteligentes contratam pessoas com vozes distintas e que olham de forma diferente para os mesmos problemas, o que é um “desafio”. Mas “eu acho que uma pessoa fica viciada nisso, é como correr maratonas (…). Depois não se vê a fazer outra coisa qualquer”, diz.

Atualmente a Rows tem 35 mil utilizadores. É na génese um produto B2C, ou seja, destinado ao consumidor final, mas pode converter-se em B2C2B, isto porque quando várias pessoas de uma mesma empresa adotam a mesma solução individualmente pode compensar a conversão transversal a uma nova ferramenta de trabalho.

Arrancaram com outro nome e gastaram mais de 300 mil dólares para mudar a marca. O investimento, para Humberto Ayres Pereira, foi compensador, porque ajudou “a clarificar o nosso posicionamento e o quão sérios estamos no mercado, sem ser preciso ter uma longa conversa”. Rows transmite “confiança. (….) É como ter um MBA no currículo”, comparara.

Quando olha para o futuro da sua empresa, confessa que entrar em bolsa não é algo que o apaixone. “Preferia que o negócio fosse rentável e que conseguíssemos gerir a empresa durante muito mais tempo, com o apoio de um conselho de investidores bastante apertado e colegial, em que estes são mais amigos e colegas do que parceiros económicos”, reflete.

Já sobre uma possível venda da Rows no futuro, descarta a ideia para outras núpcias. “A coisa mais fácil é decidir vender ou não vender. O difícil é ter uma equipa focada, motivada a trabalhar, clientes, utilizadores, toda a gente ali concentrada com uma atividade elevada, montar uma comunidade. Ninguém tem grande vontade de discutir o que se faz com o sucesso”, sentencia.

Especial Únicos

O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Fizemo-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas:

  • Uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro e cujos episódios pode rever aqui;
  • Um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, que pode encontrar aqui;
  • O Prémio “Únicos, que apoiará com mais de 150 mil euros (entre investimento e serviços Google) uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.