Masterclass com Gonçalo Gaiolas: Erros a evitar numa startup
por The Next Big Idea | 29 de Maio, 2023
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Porquê a Outsystems?
Gonçalo Gaiolas está há 17 anos na Outsystems. Foi o único “emprego a sério” a que se candidatou quando acabou o curso de Engenharia Informática no Técnico, e é hoje Chief Product Officer. Cruzou-se com a tecnologia da empresa no trabalho de final de curso e “aquilo parecia magia”, conta. “Isto é tão melhor do que tudo o que experienciei até hoje no mundo da tecnologia”, recorda. “Olhei para o que aquele produto me permitia fazer e pensei ‘acho que isto vai ser o futuro’ (…) porque é mais rápido, mais eficiente, mais divertido, liberta-me a criatividade, não estou preocupado com pequenos problemas”, enumera. O pensamento seguinte foi “tenho de conhecer esta gente”. E foi com espanto que percebeu que a empresa era portuguesa. Assim, arranjou uma entrevista e integrou a Outsystems quando ainda eram “vinte e poucas pessoas”. Olhando para trás, fascinava-o o facto de que “era muito fácil sentires-te a pessoas menos inteligente na sala. Era toda a gente absolutamente incrível e havia aquele sentido de possibilidades”.
Mas o que tornou a tecnologia da Outsystems tão apaixonante para Gonçalo Gaiolas? “Tradicionalmente, quando se programa, utiliza-se tecnologia em linha de código. Eu escrevo o código e digo ao computador o que quero que ele faça. Está tudo certo, existem centenas de linguagens diferentes”. Mas com a Outsystems, “não tem de se programar por texto, pode programar-se visualmente, podem usar-se ferramentas que nos permitem compor pedaços já feitos da aplicação e só depois entrar nos detalhes do que quero costumizar”, explica. “Além disso, [a tecnologia] pensa não só no ato de criação do software, mas em toda a mudança para a disponibilização desse software aos utilizadores finais. E quando se olha para este ciclo todo, o que acontece é que mais gente consegue participar no ato de criação — e quem participa é muito mais eficiente na maneira como escreve, como interage, a receber feedback e consegue iterar muito rapidamente”.
Em resumo, a tecnologia da Outsystems escala em muito a capacidade de resposta de uma equipa de programadores no desenvolvimento de múltiplas aplicações para determinado cliente. E fá-lo “em cima de uma tendência que já existe na ciência de computação há muitos anos e que é de cada vez criar mais e mais abstração”. Se “há 30 anos se programava para o processador direto de uma máquina”, o que os fundadores desta empresa fizeram foi “antecipar em muitos anos o movimento que agora é natural e a que chamamos a transição para a cloud”.
Mas isso não chega. O verdadeiro segredo desde produto low-code reside na capacidade de ser “altamente produtivo, sem nunca bater numa parede de limitação em relação àquilo que as pessoas conseguem fazer com a tecnologia”.
Mas lançar uma tecnologia antes de o mercado estar preparado tem um custo: fundada em 2001 por Paulo Rosado, a Ousystems atingiu o estatuto de unicórnio [empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares] em 2018.
Lá atrás, quando perceberam que uma presença em solo norte-americano seria indispensável para crescer, Gonçalo Gaiolas ofereceu-se para ir. O seu trabalho, resume, era “ajudar clientes a implementar a tecnologia” e, recorda, “foi 100 vezes mais difícil do que em Portugal”. Primeiro, estávamos em 2008, e “as crises nos EUA aceleram e aparecem mais rápido do que em Portugal”. Depois, escolheram instalar-se em Silicon Valley, onde o problema que ajudavam a resolver — “tenho 100 aplicações e tenho só dois programadores muito bons” — não era propriamente um problema, dada a densidade de talento em São Francisco nesta indústria. Por fim, era uma tecnologia nova, disruptiva e vinda do outro lado do Atlântico.
Ficou três anos nos EUA, fez uma pausa de um ano para viajar pelo mundo e de regresso voltou à casa de partida. Quando pensa no que mudou ao longo destes anos, diz que “a Outsystems de três em três anos se transforma numa empresa diferente”, porque o mercado muda, a empresa muda, a maturidade muda, a capacidade de investir muda, assim como a capacidade de trabalhar em múltiplas geografias e indústrias. Já o que não mudou foram “os princípios por detrás do que estamos a tentar fazer e os problemas que as empresas ainda têm para resolve. (…) É preciso fazer a digitalização, mas é tão ou mais difícil do que era há 20 anos atrás, ainda que por razões diferentes”.
A importância de ter uma visão a longo prazo
A Outsystems tem como missão “ajudar toda e qualquer empresa a inovar através de software”, e isso não significa “comprar e implementar software” já existente, mas ter a capacidade de “transformar o expertise de uma empresa em coisas únicas para ela”. Gonçalo Gaiolas diz que a tecnologia da Outsystems é comparável à “flor do Super Mário”. As capacidades e o conhecimento já existem, o que esta tecnologia faz é escalar exponencialmente a forma como podem ser aplicados.
Para poder fazer isto, a Outsystems investe muito na sua força de trabalho. “Vivemos num tipo de negócio em que a especialização e o entendimento do mercado (…) é uma vantagem competitiva muito grande”. Portanto, “a retenção destas pessoas passa a ser um pivô grande da nossa capacidade de inovar em low-code”. A título de exemplo diz: “se for buscar uma pessoa nova agora, ela vai demorar 18 meses até ter um impacto na empresa. Por isso é importante criar mecanismos que acelerem esse tempo para gerar impacto e criar mecanismos para que as pessoas tenham [na Outsystems] uma perspectiva de longo prazo para a sua carreira”.
Já sobre a forma como a Outsystems lidou com a sua curva de crescimento e reconhecimento — o que poderia ter um impacto interno e externo —, Gonçalo Gaiolas prefere falar em resiliência e não em paciência. “A Outsystems tinha uma visão de longo prazo e tinha até muita urgências para que aquilo [o chamado product-market-fit] acontecesse, mas estava disposta a sacrifícios para tolerar o tempo das vacas magras até que chegasse o tempo do crescimento. E, portanto, a paciência foi uma consequência desta uma visão de longo prazo”.
Nesse sentido, a capacidade de acreditar na visão, por parte dos fundadores, foi fundamental. Hoje, olham para as mais valias e desafios que o estatuto de unicórnio lhes trouxe. Se, por um lado, contribuiu para “validar” o mercado, facilitou o acesso ao talento e aumentou o reconhecimento de marca; por outro, aumentou o desafio de contratar pelas motivações certas ou fazer as apostas nos segmentos de mercado certos.
Quando lhe perguntamos se já chegaram à meta, é perentório: “nós estamos muito longe de onde queremos estar, temos uma percentagem ínfima de clientes servidos para esta necessidade que identificámos há muitos anos. (…) A grande maioria dos clientes ainda está à nossa frente”.
Os erros mais comuns numa startup
“Criar uma startup, encontrar um produto e ir para o mercado é uma história de completos desafios”. Talvez por isso seja importante, quando o objetivo é ter “um impacto longo e duradouro no mundo”, existir uma “relação emocional ou história de origem” com o problema que se procura resolver. A sensação de “propósito” é fundamental no longo prazo, diz Gonçalo Gaiolas.
Este é talvez um dos erros mais comuns de quem quer empreender. Da mesma forma que o sucesso de uma solução pressupõe que se tenha empatia pelo contexto do cliente cujo problema procuramos resolver. “O reverso disso é que resolvo o problema que tu me dizes que tens e não o problema que tu realmente tens”, nota.
Há ainda que considerar que “a equipa que funda [uma startup] tem um impacto desmesurado na empresa”, e que é preferível ter conversas construtivas no tempo certo, mesmo que saiba que “nos cinco minutos a seguir me vou sentir mal”.
No que ao produto diz respeito, encontrar o equilíbrio entre não “esperar pela perfeição que nunca chega” e não lançar algo que compromete a marca requer arte e engenho.
Outros erros comuns são “ter uma estratégia de produto que não está alinhada com a estratégia de empresa”, usar as métricas erradas, ter demasiadas prioridades ou “não parar para reavaliar o contexto”, afim de identificar oportunidades e ameaças.
Estes são apenas alguns dos erros que as startups frequentemente cometem e sobre os quais Gonçalo Gaiolas reflete no final desta masterclass, com base no conhecimento de uma empresa que leva já duas décadas de vida.
Especial Únicos
O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Fizemo-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas:
- Uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro e cujos episódios pode rever aqui;
- Um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, que pode encontrar aqui;
- O Prémio “Únicos”, que apoiará com mais de 150 mil euros (entre investimento e serviços Google) uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.