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Arthur Jordão: “O Digital Market Act é um game changer para as startups não estarem completamente dependentes de seis monstros da tecnologia”

por Rute Sousa Vasco (Texto) | 28 de Novembro, 2023

Arthur Jordão

A European Startup Nation Alliance (ESNA) foi anunciada há dois anos, no palco da Web Summit de 2021 e começou formalmente a operar em 2022. Tem sede em Lisboa e é liderada por um português que nasceu no Canadá, Arthur Jordão. Foi com ele que falámos sobre o trabalho feito para tornar a Europa um lugar mais competitivo no que respeita à inovação, ao crescimento de startups e à capacidade de disputar com Estados Unidos e China a liderança do pensamento estratégico na tecnologia e na ciência.

Não é muito conhecido que a European Startup Nation Alliance (ESNA) tem sede em Lisboa e que é liderada por um português. O que é que tem sido feito nestes dois anos?

Apesar dos dois anos de existência, apenas em maio deste ano, sensivelmente, foram contratadas as primeiras pessoas. Até lá, foi feito um caminho, não só de concordância com todos os estados-membros sobre a forma como vamos operar, mas, ao mesmo tempo, para assegurar as formas de financiamento ao trabalho que está por trás.

Vale a pena fazermos um enquadramento da história da ESNA.

A ESNA nasce com a presidência portuguesa da União Europeia com o objetivo de colmatar um conjunto de falhas que foram identificadas no que chamamos de contexto europeu. A primeira é o que existe do ponto de vista de indicadores relativos, comparáveis com os outros dois grandes blocos, América do Norte e China. Estamos atrás em todos eles: no número de startups, investimento, número de trabalhadores e número de unicórnios gerados – este é o primeiro aspeto.

O segundo aspeto é que há uma falha, um espaço por preencher, na Europa, de uma entidade que congregue todos os stakeholders do ecossistema. Aqui falamos desde as áreas governativas dos diversos Estados-membros, e num nível mais técnico, verticalizado por país, a todos os outros stakeholders do ecossistema: investidores, founders, academia, incubadoras e por aí fora. Alguém que tivesse esta independência de congregar todas estas visões e vontades comuns, na Europa.

Por último, e um tema que tem sido muito discutido, é a questão das definições à volta deste ecossistema – o que é uma startup? Por mais que existam diferentes opiniões sobre o assunto, que são naturais, e que a própria definição evolua ao longo do tempo, vamos chamar para aqui aquela velha máxima de gestão que “o que não é mensurável, não é gerível”.

É importante, para quem vai fazer políticas publicas e para quem olhe para isto numa dimensão mais macro, que tenha, realmente, as definições organizadas. Só que nem toda a gente pode fazer isto, por questões de independência, por questões de interesses que têm. A ESNA nasce também para resolver esse tema a nível europeu.

Na Europa, o que é que se consensualizou que é uma startup?

Não se consensualizou. Portugal passou recentemente a lei das startups e Espanha teve um caminho muito semelhante, mas Portugal é muito mais flexível no número de anos do que os espanhóis, que não vão tão longe.

Qual é a média do número de anos, na Europa?

É difícil dizer a média, porque nem todos os países têm uma lei de startups ou mesmo uma definição. Aliás, diria que mais de metade não a tem e a ESNA não entra propriamente para dizer “então usem esta”, porque também não está correto fazermos isso. Mas, para efeitos comparativos, temos uma espécie de farol.

A vitória passa por todos os países implementarem a definição e, ou a lei das startups, independentemente de serem diferentes, porque significa que estão a ser uma StartUp Nation e a olhar de uma forma diferente para este domínio da sociedade.

Acha que os Estados Unidos se preocuparam com essas definições?

Não. Acho que não se preocuparam, mas não têm a mesma conjuntura que nós porque são uma federação e não uma união europeia, como nós, em que é importante as várias legislações que existem nos vários países. Mas também lhe digo que os Estados Unidos começaram este caminho 50 anos antes de nós. Não precisamos de replicar exatamente tudo o que eles fazem.

Pergunto, porque quando se compara os Estados Unidos e a Europa, vamos deixar agora a China de lado, a comparação mais comum é que, na Europa, a primeira preocupação é regular-se e depois logo se vê como corre o negócio e, nos Estados Unidos, é exatamente o contrário, primeiro tem de dar dinheiro e depois vê-se como se regula. Nos últimos anos, o que tem acontecido é que as famosas Big Tech são todas americanas e a Europa não conseguiu produzir nenhuma.  Isto diz-nos que estamos a fazer melhor?

Não, de todo. Acho que há outras dimensões que fogem um pouco deste tema das startups, a começar pela grande orientação europeia dos valores democráticos que, se calhar, não são tão bem implementados nos Estados Unidos. Mas o que posso dizer é que é um caminho longo, como lhe disse, há 50 anos os Estados Unidos começaram a olhar para estes temas de forma profunda – cinquenta anos antes de nós. Depois, os Estados Unidos, apesar de serem uma federação, são um único país e na Europa temos 27 jurisdições diferentes.

E com o Reino Unido de fora, provavelmente ainda baralha mais.

Sim, com o Reino Unido de fora, que era provavelmente uma das bandeiras da Europa, neste aspeto, ainda fica pior. Portanto, o caminho não é assim tão direto.

Gosto muito de dar um exemplo para a definição do real problema: imaginemos que hoje começamos os dois uma startup, eu começo na Europa e a Rute começa nos Estados Unidos. Para eu ter acesso ao mercado, à dimensão do seu mercado, preciso de começar a minha operação em, pelo menos, 23 países ao mesmo tempo, na Europa. Vamos tentar pensar no que isto significa do ponto de vista operacional para se montar uma startup. É muito este caminho que temos de olhar, do single market que temos de atingir e tirar esta burocracia das barreiras da jurisdição.

Com as Regulatory Sandboxes existe uma grande propensão para se olhar para um caminho em conjunto entre as entidades reguladoras e os inovadores.

Relativamente ao ponto de induzir mais inovação, relativamente aos Estados Unidos, há uma das dimensões da ESNA que são os standards. Aliás a ESNA nasce muito como âncora dos standards, aquelas oito dimensões de políticas públicas. Uma delas é a inovação na regulação, que já se começa a ver na Europa com exemplos de casos de sucesso que são as regulatory sandboxes – ou seja, a premissa de testar de forma controlada antes de regular. Não é como nos Estados Unidos, onde dizem “vamos ver se isto dá dinheiro e depois regulamos” nem como tradicionalmente na Europa a ideias de “primeiro regulamos e depois vemos”. Com as Regulatory Sandboxes existe uma grande propensão para se olhar para um caminho em conjunto entre as entidades reguladoras e os inovadores, sejam eles quem forem, as startups, as grandes empresas, as academias. Em Portugal, as Zonas Livres Tecnológicas são um exemplo, na forma como estão estruturadas. Vamos criar uma área controlável, em que se possa dirimir a questão legal ou as barreiras legais que existam para impedir essa mesma inovação e depois, sim, atua-se na smart regulation. Do meu ponto de vista, é uma abordagem muito mais saudável do que ser só a inovação, por vezes, descontrolada.

A não regulação, no caso americano, por exemplo, produziu o Facebook, agora Meta e levou a que, hoje, estejamos a discutir coisas como as redes sociais são ou não reguladas e nas consequências para a democracia. Na Europa, provavelmente, o processo teria sido diferente.

A Europa, ao não ter a liderança deste movimento, não fica, de certa forma, amputada de conseguir pôr em cima da mesa as regras para um novo ecossistema suportado em tecnologia?

Sem dúvida e estão à vista os resultados e como na Europa ainda há muito que fazer. Ao mesmo tempo, acho que é saudável termos o regulador com uma postura, uma visão mais pró-inovação do que de proibição.

Tem de ser um processo de co-criação em que o regulador tem de olhar e pensar como é que pode, ao mesmo tempo, defender os valores democráticos que estão em cima da mesa e que são fundamentais e, também, olhar de uma perspetiva de progresso e da inovação que o ecossistema pode trazer. Nesse sentido há um longo caminho a percorrer e há várias coisas que a Europa pode melhorar.

A rapidez e a agilidade dos Estados Unidos faz com que a ideia do sucesso associado a uma startup continue a ser muito americanizada.  

Do ponto de vista europeu, gostava de ressalvar certos aspetos: é importante falar da Europa como um conjunto, mas ao mesmo tempo, temos de ter consciência que os 27 países estão em estágios de maturidade completamente diferentes nos seus ecossistemas. Portanto, do ponto de vista de política pública, e mesmo do ponto de vista do financiamento, no seu todo, também os instrumentos são diferentes. Se estamos a falar de um ecossistema mais maduro, em que as necessidades são muito mais de later stage, é completamente diferente, quer em políticas públicas, quer do ponto de vista do perfil do investidor desse ecossistema, que está muito mais em seed ou preseed. São duas dimensões diferentes.

Mas não é aí que se joga muito do futuro em termos de grandes blocos de inovação? No limite, será sempre um pouco amargo fazer crescer um projeto por 5, 7 ou até 10 anos e no momento em que está pronto para dar um salto e se tornar maior, ter de sair. As possibilidades passam por fora da Europa.

Sem dúvida. É, realmente, um dos problemas que temos na Europa, para além da maturidade. Mas isto para dizer que quando falo no financiamento na Europa, não é só isso, que obviamente é muito importante e é o que gera os unicórnios e as grandes tecnológicas, mas não é só isso.

Acho que há uma outra dimensão que vai ajudar muito que é a questão cultural, mais ligada à questão do talento. Fala-se muito em atrair e reter talento, mas há ainda outro aspeto que é o de gerar o talento para que, culturalmente, a Europa como um todo, seja muito mais propensa ao risco e a este tipo de iniciativas e de projetos de vida, quase de mentalidades. Sei que estamos a falar do acesso ao financiamento, mas que começa a montante, pela questão cultural de estar propenso ou não a correr riscos. Acho que esse é o caminho que tem de ser feito e temos 50 anos de atraso.

As universidades têm desempenhado um papel importante e a Europa tem algumas das spin-off com maior notoriedade. Como é que a ESNA vê este equilíbrio entre conseguir ter as universidades a puxar a inovação para o mercado e, ao mesmo tempo, preservar a sua capacidade de serem centros de conhecimento?

A minha opinião é muito baseada nos vários encontros e conferências e nas conversas com as pessoas que encontro. Temos tudo, tem-se observado uma grande evolução nas universidades, não só em Portugal como no resto da Europa, do ponto de vista das competências na área do empreendedorismo e não só na tecnologia, pois faltava aqui a competência de negócio. Isso tem sido feito.

Diria que o maior problema, o maior desafio, tem a ver com os property rights que aqui, na Europa, tem sido muito retidos o que não torna muito apelativo fazer  spin-off da ideia que está a ser gerada, ou incubada na universidade para o próprio negócio. Na ESNA, obviamente que somos completamente a favor, aliás, faz parte dos standards. É um domínio muito importante e uma fonte para alimentar este ecossistema e as empresas.

Mas, mais uma vez, e para ligar com a ideia anterior, falamos muito das universidades, e é fundamental, mas, se calhar, se começarmos a falar de empreendedorismo e destes temas no ensino secundário e em ensinos mais básicos, então máquina já está oleada e é só seguir.

A ESNA foi fundada com uma carta de oito princípios. Desses oito princípios, o que sente que avançou mais e o que está mais atrasado?

Uma das missões que temos na ESNA é ter este papel, quase de Observatório, à laia de OCDE, mas específico para esta área do ecossistema (tecnologia e empreendedorismo), a nível europeu. Dessas oito dimensões, temos um estudo anual e vamos lançar a próxima edição no início de 2024.

Com base nos dados anteriores, de uma forma genérica, todos os países estão a evoluir em todas as dimensões. Há dimensões um pouco mais evoluídas, por exemplo, na questão de stock options, a maior parte dos países já está a implementar, de alguma forma, esta discriminação positiva. Na questão de criação rápida de empresas, também. Outros aspetos como a inovação na regulação, não tanto, apesar de existirem países que estão a evoluir muito nisso, um grupo de quatro ou cinco.

Espanha vai lançar uma sandbox na área da Inteligência Artificial. A Alemanha tem uma na área da Mobilidade e também na área da Inteligência Artificial e França também.

Quem está a evoluir mais?

Só olhando para a União Europeia, Espanha vai agora lançar uma sandbox na área da Inteligência Artificial. A Alemanha tem uma na área da Mobilidade e também na área da Inteligência Artificial e penso que França também tem algo semelhante nesta direção.

Como funciona uma sandbox, se tivesse de explicar a um leigo?

Uma Regulatory Sandbox pressupõe sentar à mesa, entre aspas, as entidades reguladoras setoriais sobre a dimensão que está a ser construída, os inovadores, sejam eles as startups, outras empresas ou a academia e definir um conjunto de regras para o teste do produto ou serviço. Depois passa pelo acompanhamento do processo de desenvolvimento da dita inovação para se chegar, finalmente, a conclusões, sejam elas para transparecer para a regulação em si, ou para perceber o produto e pensar como se pode adaptar ao mundo real. Mas essencialmente, como o nome diz, sandbox, é para moldar, para experimentar, sentando à mesma mesa as entidades reguladoras e as inovadoras.

E, porque é um teste, é possível mudar regras, se algo não funcionar?

Exatamente.

Duas das sandboxes têm a ver com Inteligência Artificial que é o tema que nos ocupou no último ano, desde o lançamento do ChatGPT, nomeadamente. Esta é ainda uma boa altura para, no caso europeu, não perder o barco de ser líder no que vai ser, provavelmente a força mais transformadora do nosso século?

O AI Act, que está a ser neste momento a ser discutido durante a presidência espanhola, pelo que tenho observado, está prestes a sair. Entretanto, os americanos já se anteciparam.

O Digital Market Act diz que os seis principais gatekeepers de aplicações, de chats, de redes sociais – estamos a falar da Meta, da Google, da Amazon, da Microsoft, da Apple – têm de abrir os seus portões e dar acesso a todas as empresas, neste caso, às startups, para poderem interagir com os clientes.

E tivemos a conferência em Inglaterra, com um grupo de países, que se sentaram à mesa e que, pelo menos, delinearam um caminho, uma carta de intenções. Quais são os timings da Europa para liderar uma coisa destas?

Neste ponto, se calhar, não interessa muito quem é o primeiro a fazer a regulação, se estivermos a falar de uma janela muito próxima, que é o caso. Importa mais quem tem a melhor regulação. E nesse aspeto só o tempo dirá. Se existe uma vantagem competitiva para começar, é nos Estados Unidos porque tem lá as quatro Big Techs a implementar a regulação.

Mas chamo a atenção e faço a transferência para outra legislação, a europeia, que é muito interessante e que é o DMA – Digital Market Act. Este é um tema muito importante na legislação europeia que acho que é fenomenal, por exemplo, em termos da oportunidade que traz para as startups. O Digital Market Act, muito sucintamente, o que diz é que os seis principais gatekeepers de aplicações, de chats, de redes sociais – estamos a falar da Meta, da Google, da Amazon, da Microsoft, da Apple – têm de abrir os seus portões e dar acesso a todas as empresas, neste caso, às startups, para poderem interagir com os clientes diretamente e poderem ter as suas aplicações lá, nas app stores. Isto é um game changer do ponto de vista das oportunidades para as startups não estarem completamente dependentes destes seis monstros da tecnologia. É uma boa regulação que promove e induz oportunidades para as startups europeias. 

Temos falado muito mais de tecnologia na lógica do digital, mas se este foi o ano do ChatGPT, foi também o ano do Ozempic, que mudou radicalmente um país da Europa, como é o caso da Dinamarca. A ideia da inovação não está demasiado agarrada à ideia da tecnologia e do digital?

Se estivermos a falar de startups, sem dúvida. Voltando outra vez ao tema da definição do que é a startup. Uma startup tem de ter como base uma tecnologia digital, porque empreendedor também pode ser o senhor que abre uma barbearia. Existe muita inovação para além da tecnologia digital.

A minha pergunta vai mais na perspetiva do modelo europeu: se para a Europa não faz sentido ter um ângulo um pouco diferenciado daquilo que tem sido o ângulo americano, que é muito mais pela parte dos serviços digitais. Estou a pensar nas Life Sciences que é uma área onde a Europa é forte e onde pode ter uma vantagem.

Não consigo ser mais sucinto que isto: Concordo!

Agora voltando para Portugal. Além do valor simbólico de termos a sede da ESNA em Lisboa, há mais algum benefício?

A localização da ESNA é mais um aspeto para reforçar o posicionamento que tem vindo a ser construído por Portugal na área das startups. Desde que a Web Summit está cá, temos observado um crescimento e um dinamismo do ecossistema em Portugal. A ESNA passa a ser mais um elemento e voltando ao tema da missão, numa lógica de visão de conseguirmos convergir para a liderança do ecossistema global de startups, traduz-se em passar, através de Lisboa, a ser concertada, esta posição comum da Europa. Do ponto de vista de posicionamento para Portugal, faz sentido e há ainda outra questão: vamos fugir à lógica de Bruxelas e Estrasburgo e vamos pôr esta proto-agência num sítio que faça sentido.

Portugal tem um conjunto de unicórnios que é desproporcional para a sua população, comparando com outros países de maior dimensão. Qual é a perceção que existe sobre Portugal e sobre as razões  porque isto aconteceu?

São sete unicórnios de DNA português e apenas um deles tem cá a sede, a Feedzai. Mas são unicórnios portugueses, gerados cá, de fundadores portugueses. Há várias publicações a nível internacional sobre como se vê este ecossistema e, em certa altura perguntei a uma publicação, (não digo o nome) “porque é que este unicórnio é considerado americano e não português?” e eles responderam: “Is where the magic happens”. Isso quer dizer muita coisa e tenho alguma dificuldade em lidar com isso.

Portugal tem um conjunto de características muito interessantes, começando pelo talento, pela nossa posição geográfica, estamos, literalmente no meio do mapa-mundo, da nossa capacidade de falar línguas, das nossas infraestruturas enquanto país, sejam as redes rodoviárias, a internet, e o sol é inevitável, gosto de deixar essa para o fim – é o “nice to have”. Já trabalhei em vários sítios do mundo e já lidei com muita gente e continuo a achar que este é o melhor sítio para se estar. Claro que, para se fazer negócio tem outras barreiras, mas se se pode fazer a partir daqui, de uma forma remota, temos estes ingredientes muito importantes.

Em Portugal, nota-se uma evolução para investir em séries mais avançadas do que há cinco ou seis anos, quando toda a gente só olhava para o pre-seed e para o seed.

Este ano foi um ano particularmente difícil em termos de acesso a financiamento. Como é que a Europa tem evoluído no número de unicórnios versus Estados Unidos e China, estamos a recuperar a distância ou nem por isso? No caso de Portugal, é previsível que consigamos manter a nossa excecionalidade?

Essa é a “million dollar question”, neste caso a billion, para ser unicórnio. Sendo o mais independente possível, acho que Portugal, do ponto de vista de políticas publicas e do dinamismo, está a fazer as coisas certas. Se isso se vai traduzir em mais unicórnios, é muito difícil prever. Mas posso dar um meio alternativo que também consideraria de sucesso: olhando para as pirâmides de startups (como se fossem pirâmides etárias), se calhar, se engordarmos mais as scaleups e não tanto a parte dos unicórnios, consideraria isso um sucesso para Portugal. Significaria que estávamos a aumentar a fasquia e a nossa própria maturidade, enquanto ecossistema.

Podemos ver isso, a partir do investidor. Em Portugal, nota-se uma evolução para investir em séries mais avançadas do que há cinco ou seis anos, quando toda a gente só olhava para o pre-seed e para o seed. Acho que é um fator muito interessante e que pode ser uma alternativa de sucesso aos unicórnios. Sei que o objetivo da União Europeia é dobrarmos o número de unicórnios, mas não tenho dados ainda. A conjuntura, do ponto de vista de financiamento, resfriou muito. Portugal posicionava-se muito bem com os sete unicórnios no final de 2021, mas é um facto que outros países que não os tinham, na altura, agora já os têm, como é o caso de Espanha e de Itália.

Do ponto de vista daquilo que é o contributo de alguns países, neste quadro europeu, que países o tem surpreendido?

Malta. É quase um micro-país e tem sido muito interessante de ver que tipo de estratégia tem seguido. Eles olham para a dimensão e a abordagem é atacar determinados setores, por exemplo a indústria dos videojogos que estão a atrair massivamente, à sua escala, obviamente. Quase como o que se viu aqui, em Portugal, com área da Web 3.0 que acho que foi uma oportunidade importante que espero que se esteja a capitalizar. É inevitável falarmos da Estónia, é um caso de sucesso. Do ponto de vista per capita, de unicórnios, estão sempre muito mais à frente que os outros, têm uma mentalidade já muito focada no digital, que começa no próprio presidente e primeiro-ministro.

Uma das grandes rondas de investimento, na Europa, aconteceu há poucas semanas, na Alemanha, com aquilo que se diz ser a alternativa alemã, ou europeia, ao OpenAI e que teve uma ronda de 500 milhões de euros. Esta novidade, na reta final do ano, é uma boa noticia para 2024, um ano que todos preveem muito difícil ou, pelo contrário, é uma exceção para confirmar a regra que foi a travessia do deserto da maior parte das startups europeias, durante 2023?

Não estou “desesperançoso”, acho que é possível. Se temos todos os ingredientes do ponto de vista de tecnologia, de capacidade, de brain power e, também, infraestrutura. Essa notícia foi francamente boa e posso acrescentar que em França, por exemplo…

A Mistral. Quase todas na área da Inteligência Artificial.

Exatamente. Acho que é uma excelente notícia.

Então não prevê uma travessia do deserto, no próximo ano. Vai ser difícil.

Gosto mais de olhar para o médio e longo prazo do que para o ano. Volto outra vez à mesma ideia: são 50 anos de avanço dos Estados Unidos, é difícil do ponto de vista de estratégia e de políticas, mas tem de ser step by step. Temos de ir fazendo estas apostas, porque temos visto que os países, transversalmente, na Europa, estão a olhar para estes ciclos e isso é mito importante.