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Arm. A maior IPO dos últimos 2 anos

por Miguel Magalhães (Texto) | 19 de Setembro, 2023

A história da Arm foi o principal tópico de conversa no mundo dos negócios na semana passada e há razões para tal. A “reentrada” em Bolsa avaliou a empresa em mais de 60 mil milhões de dólares, tornando-se a maior IPO nos EUA desde outubro de 2021, e abriu portas para que uma série de empresas voltem a olhar para os mercados como uma alternativa de financiamento.

Quando se fala do leque de empresas tecnológicas mais importantes no mundo atual, a Arm raramente é um dos primeiros nomes que nos vem à memória. A tech britânica foi fundada em 1990 no Reino Unido numa joint-ventura entre três empresas (uma delas a Apple) e, apesar da sua trajetória de sucesso, não é daqueles nomes que está constantemente nos holofotes dos media.

Nos primeiros anos, a empresa especializou-se na produção de chips e semicondutores para computadores, mas com o aparecimento dos primeiros smartphones e com o boom provocado pelo iPhone e os modelos Android foi o segmento mobile que mereceu cada vez mais a sua atenção. Para referência, atualmente, 90% dos smartphones em circulação no mundo inteiro tem pelo menos algum componente pensado pela Arm.

No entanto, ao contrário de marcas como a NVIDIA, a Intel ou a Qualcomm, que produzem os chips e trabalham diretamente com as “Apples” e “Samsungs” do mercado, a Arm apenas trata do design dos mesmos, licenciando depois as suas criações às produtoras e recolhendo uma “royalty” por cada chip ou dispositivo que é entretanto vendido.

Esta dinâmica faz com que, em simultâneo, parte dos seus clientes sejam também seus concorrentes. Qualquer uma das empresas acima mencionadas, pode em algum momento decidir desenvolver a sua própria versão de um determinado componente ou demonstrar algum desconforto relativamente ao facto de a Arm trabalhar diretamente com a sua maior rival. Por isso, o modelo de negócio da tecnológica inglesa está assente numa linha muito ténue, onde constantemente tem de agradar a gregos e troianos e investir na sua dominância no mercado.

A saída da Bolsa e a amizade com a NVIDIA

Em 1998, oito anos depois da sua criação, a Arm passou a estar cotada no Nasdaq e por lá se manteve durante 18 anos. Durante este período, a empresa passou de 465 milhões de dólares para 28 mil milhões de dólares em valor de mercado (+5921%), até que foi comprada pelo Softbank em 2016, por 32 mil milhões de dólares, retirando a empresa dos mercados.

A Arm foi uma das apostas do fundo de investimento japonês para formar a sua rede de influência na indústria tech, depois de investimentos em empresas como a Uber e a WeWork. A sua presença na na empresa fez-se sentir na criação de relações mais fortes com os principais players da indústria e na preparação da Arm para um mercado onde, uns anos mais tarde, os chips seriam um fator cada vez mais dominante, não só pela variedade de dispositivos, mas pelos investimentos cada vez mais avolumados em inteligência artificial.

Foi esta última tendência que, em 2020, levou a Arm e a NVIDIA a iniciarem conversas para uma potencial fusão das duas empresas, juntando o know-how de criação de componentes com o de produção dos chips e placas gráficas mais poderosas do mercado. Nesta altura, plataformas como o ChatGPT e outras tantas de IA generativa ainda não tinham invadido o mercado e ganho uma grande popularidade, nem a NVIDIA era uma “trillion dollar company” (é a empresa que mais cresceu em valor de mercado em 2023), colhendo os frutos deste fenómeno. Por isso, é interessante olhar para trás e perceber que provavelmente a empresa já sabia do potencial que os seus chips e semi-condutores tinham num futuro próximo.

Contudo, quem também olhou para esse cenário e não ficou muito satisfeita com o seu aspeto foram as Autoridades para a Concorrência Britânica, da União Europeia e dos EUA. Estas deitaram abaixo os planos da Arm e da NVIDIA, alegando que a fusão, a acontecer, iria criar uma distorção no mercado e dar uma vantagem injusta à NVIDIA face à concorrência. Também contribuiu para a rejeição do acordo as queixas de empresas como a Microsoft e a Google, que utilizavam propriedade intelectual da Arm e não queriam ver a empresa nas mãos de um concorrente direto.

Assim, o Softbank, que nos anos de pandemia passou por alguns dissabores com a desvalorização de alguns dos seus principais ativos, ao não conseguir vender a empresa britânica decidiu optar pela IPO, preparando a empresa para mais uma vez receber capital externo.

Uma IPO recorde

Com a reentrada em Bolsa à vista, o Softbank nomeou um novo CEO para a Arm chamado Rene Haas. O americano de 61 anos passou pela Texas Instruments, esteve vários na NVIDIA e, desde 2013, era um dos principais executivos da Arm, responsável pela operação da empresa em mercados como a China, o Reino Unido e os EUA. Por mera curiosidade, Haas tem também a particularidade de ser filho de pai alemão e de mãe portuguesa, que se conheceram em Nova-Iorque nos anos 50.

Durante o último ano, Haas não só estruturou a IPO num contexto de grande incerteza económica, como teve agir como diplomata entre as principais empresas tecnológicas, garantindo a cada uma delas condições semelhantes para passarem a fazer parte do capital da Arm e posicionarem-se como conselheiras estratégicas. Mais uma vez, o seu modelo de negócio obrigava a empresa a navegar uma zona cinzenta onde mais do que agradar, a ideia era não deixar nenhum potencial cliente de parte.

Deste modo, a 14 de setembro de setembro de 2023, a Arm voltou a estar novamente listada no Nasdaq, com uma valorização de 54 mil milhões de dólares que, ao fim do primeiro dia de negociação em bolsa e à data deste texto, já ultrapassava os 60 mil milhões de dólares.

  • Foi a maior entrada em Bolsa nos EUA desde a produtora de carros elétricos Rivian em outubro de 2021.
  • A operação acabou por ser um sucesso para a Softbank que continua a deter 90% da Arm, com um valor de mercado que é praticamente o dobro pela qual a adquiriu em 2016.
  • O futuro da Arm: será interessante perceber como é que a empresa navega a onda do AI e se a sua valorização de mercado não cai nas próximas semanas.
  • Mais IPOs a caminho? Nos EUA, a plataforma de entregas Instacart e a tecnológica Klaviyo deverão ser os próximos blockbusters dos mercados financeiros, que estão novamente a aquecer depois de dois anos mais calmos.

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