“A inovação já não é produzida pelas grandes empresas; é produzida pelas pequenas empresas. Não é uma moda”
Carlos Moedas, comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, defende uma visão que não é sua, como faz questão de frisar, e que passa pela inovação disruptiva que conduz à criação de novos mercados ao invés da destruição de emprego. Cita Clayton Christensen, professor de Harvard e autor desta ideia, e recorda o pensamento de Keynes, que apontou como principal desafio não a produção mas a distribuição. E esse é o grande desafio dos próximos 10 anos, aponta Carlos Moedas, não apenas na perspetiva da tecnologia, mas também da política, campos que não podem estar desligados um do outro. Se a “tecnologia muda a economia, muda a política, logo conseguimos mudar o mundo”, assevera.
Carlos Moedas, comissário para Investigação, Ciência e Inovação, tem nas suas mãos dois fundos, Plano Junker e Horizon 2020. É a tal “pipa de massa” que o Dr. Durão Barroso falava. Qual tem sido a resposta dos países e qual tem sido a resposta de Portugal a esta injeção de dinheiro na Europa?
Eu penso que é muito dinheiro mas no fundo é pouco dinheiro, ou seja, a Europa ainda não investe o suficiente em inovação e ciência. O programa Horizonte 2020 são 80 mil milhões de euros, e a nossa ambição para o futuro é que seja muito mais, precisamente porque a Europa investe, mesmo assim, menos que os Estados Unidos da América. Portanto, é importante investir mais para o futuro. A experiência até agora tem sido extraordinária na adesão dos países, mas sobretudo também nos resultados de Portugal. No último programa, antes deste, Portugal tinha mais ou menos retirado 500 milhões de euros em benefícios, e neste momento, em que ainda estamos a meio do jogo, Portugal já conseguiu obter quase 500 milhões de euros. O que quer dizer que podemos ter a ambição, em Portugal, de multiplicar por dois aquilo que foi a participação de Portugal no programa anterior.
“O que se tem visto em Portugal é que as universidades têm beneficiado de uma maneira extraordinária do programa. O que não vejo são empresas.”
Onde é que este dinheiro deve ser aplicado na economia portuguesa, e onde devem as empresas investir?
Este programa tem um eixo fundamental que é a colaboração entre as empresas e as universidades. E entre as empresas de vários países e as universidades de vários países. O que se tem visto em Portugal é que as universidades têm beneficiado de uma maneira extraordinária do programa. O que não vejo são empresas. Precisamos de mais empresas para vir para o nosso programa. E esta é a ideia que estamos a lançar do Conselho Europeu para a Inovação para atrair mais empresas, não só de Portugal, mas da Europa. Mas em Portugal é importante.
Startups. É uma moda ou algo estrutural?
É estrutural. A economia tem sido, no fundo, transformada pela própria tecnologia e pela inovação. E aquilo que víamos na economia dos anos 40, baseada nas grandes empresas, mudou completamente. A inovação já não é produzida pelas grandes empresas; é produzida pelas pequenas empresas. Não é uma moda. É realmente estrutural. E isso tem implicações na vida das pessoas. Antes tínhamos um trabalho, um emprego para a vida. Agora, as pessoas terão vários [empregos] e temos que nos adaptar e estar nesta ponte entre a educação e a formação, e, do outro lado, o trabalho. E isso não significa que vamos estudar até aos 20 anos e que trabalhamos o resto da vida. Vamos ter de ir trabalhando, estudando, trabalhando, estudando…
E temos uma inovação ou uma disrupção, ou uma inovação disruptiva, como tem falado?
Esse conceito não é meu. É de Harvard (n.r.d. Harvard Business School), de um professor muito conhecido, o Clayton Christensen. E que depois mudou o termo — e assim ainda é mais fácil para a pessoas perceberem lá em casa — de disruptivo (ou seja, inovação disruptiva) para inovação criadora de mercados: a Market Creating Inovation. O que é que isto quer dizer? Há vários tipos de inovação: inovação por eficiência, uma inovação que faço para que o meu produto seja melhor. Mas ela não cria emprego. Apenas estou a melhorar o meu produto. Aliás, se for muito mais eficiente até pode destruir o emprego, porque preciso de menos pessoas para produzir. A inovação de que estou a falar cria novos mercados. Por exemplo, quando passámos do telefone fixo para o telemóvel criámos todo um novo mercado. As pessoas não sabiam que iriam ter a necessidade de viver com um telefone no bolso. Quem viveu nesse tempo, como nós, não sabia que isso iria acontecer (risos). A inovação é disruptiva exatamente porque está a criar novos mercados. E é nessa inovação que não somos bons suficientemente, ou não somos tão bons como deveríamos ser na Europa, e por isso é que temos de investir. Aliás, o presidente Macron, a nova estrela da política mundial, no discurso da Sorbonne, fala da inovação de rutura, a tal [inovação] disruptiva que a Europa tem que conseguir fazer.
Portugal tem conseguido fazer essa inovação de rutura? Web Summit em Portugal, temos startups. Conhece alguma empresa portuguesa que seja um unicórnio?
Que seja propriamente um unicórnio, não conheço. Mas há muitas que têm esse potencial de serem grandes unicórnios. Acho que Portugal está a dar cartas nesse domínio. Quando vemos uma empresa portuguesa como a Veniam, que veio criar um mercado totalmente novo da Internet das Coisas ou da Internet das Coisas que se Movem (Internet of the Moving Things). É um excelente exemplo de disrupção. A Feedzai… e outras empresas que têm realmente feito essa grande mudança que é a fusão entre o mundo físico e o mundo digital. Penso que em Portugal tem havido uma capacidade de agarrar essa oportunidade extraordinária. Não é por nada que nós portugueses somos o que em tecnologia chamamos early adopter, os portugueses gostam de adotar tecnologias imediatamente. No fundo, temos sido um sítio, um país, que pode ser um teste para novas tecnologias. E muitas pessoas não sabem isto, mas nós somos os melhores do mundo a adotar tecnologias.
Fala de empreendedorismo. Se precisar de 5 milhões de euros consigo arranjar na Europa. Se necessitar de 60 milhões tenho que ir para outros mercados. Isto deixa-o triste?
Diria que esses são os dois grandes problemas. Por um lado, apostar mais na inovação que cria novos mercados. Depois, temos um problema de financiamento. O sistema europeu foi desenhado para ter uma grande dependência da dívida bancária — quando um empreendedor necessita de dinheiro vai ao banco, e vai ao banco para ter uma divida bilateral com esse banco — e não investimos suficientemente em outras alternativas de financiamento, como o capital de risco. O que a Europa consegue hoje levantar anualmente em capital de risco é muito pouco. Nos Estados Unidos já vamos em 40 mil milhões de euros de capital que é levantado, ou seja, que entra. Na Europa estamos abaixo dos 10 mil milhões. É necessário construir novos instrumentos para isso.
Mas essas startups portuguesas que saem de Portugal para ter financiamento depois não regressam, ou acredita que podem regressar?
Acho que sim, as pessoas saem, mas querem voltar, se tiverem essas condições. Se apostarmos em mais capital de risco privado na Europa, se tivermos mais capital, conseguimos fazer isso. Mas temos de desenvolver mais instrumentos. Estamos a desenvolver um fundo de Fundos para a Europa, cuja ambição é por um bocadinho de dinheiro público e muito dinheiro privado. A Comissão Europeia vai pôr 400 milhões de euros e vamos esperar que esse dinheiro seja multiplicado por 4 através de dinheiro privado.
“Temos bastantes Elon Musk na Europa, eles estão é de certa forma escondidos e não estão aproveitados.”
A junção entre o público e privado. É isso que falta à Europa?
É isso que falta. E precisamos de mais privado. Já temos público, mas não temos ainda o privado.
Precisamos de um Elon Musk que investe milhões em ideias. Necessitamos na Europa desse tipo de mecenas?
Temos bastantes Elon Musk na Europa, eles estão é de certa forma escondidos e não estão aproveitados. Temos alguns heróis que ninguém conhece. E nisso os americanos são melhores, em vender essa ideia dos heróis. Dos heróis da Internet. É pena que na Europa não o façamos.
A Europa pode ser um conjunto de Silicon Valleys, que com as suas diferenças culturais e de línguas consegue viver em conjunto?
Devemos pensar que não podemos replicar na Europa o modelo de Silicon Valley. É um modelo que existiu nos Estados Unidos, é um bom modelo para uma sociedade muito homogénea como é a americana. A Europa é um modelo diferente, de diversidade, de sociedades diferentes, sociedades em que falamos muitas línguas, temos 23 línguas e 28 países. E isso é uma grande riqueza para a Europa e é essa riqueza que deve ser utilizada para criar vários pequenos Silicon Valleys, como diz. Silicon Valleys por temas, por atividades e indústrias. E estamos a criá-lo. Lisboa torna-se hoje um pequeno Silicon Valley. Berlim, Amsterdão, Paris… É a nossa maneira europeia. A Europa é uma sociedade da diversidade. E diversidade é dos ativos mais importantes para a inovação. E a Europa tem. Agora, temos olhado sempre para a diversidade como um negativo e não como um positivo. E é interessante que a diversidade nos EUA é muitas vezes quase imposta. Na Europa temos essa diversidade natural. Nem pensamos. Temos um português, um espanhol e um alemão. Existe e sempre existiu na Europa. Vamos ter de apostar mais nessa diversidade que nos tem custado e fragmentado. É esse o nosso maior problema hoje, é ter um mercado tão fragmentado: em que um português faz uma empresa em Portugal, depois outra em Espanha e outra em França, quando devíamos ter uma empresa europeia. Hoje não temos o conceito de uma empresa que verdadeiramente nasce europeia.
“A diversidade na Europa deve ser utilizada para criar vários pequenos Silicon Valleys, por temas, atividades e indústrias”
Falou dessa diversidade na Europa que a diferencia no mundo, mas o Estado Social também diferencia a Europa do resto do mundo. De que forma o digital pode provocar mudanças no Estado Social. O digital e a tecnologia mudam a vida das pessoas, a forma como pensamos, como trabalhamos e a forma vamos ter rendimentos.
Sem dúvida. A tecnologia muda a economia e o conceito da economia. Keynes, em 1950, dizia que quando chegássemos a 2030 a economia passaria de uma economia de produção para uma economia de distribuição. Extraordinária visão a deste homem. Aquilo que está a acontecer hoje, exatamente, é que produzimos o suficiente, mas não distribuímos o suficiente. Mas a tecnologia e a terceira revolução que estamos a viver agora tem exatamente a ver com isso. A tecnologia pode ser muito positiva, porque esta revolução dos sensores, da Internet que entra em nós, na nossa vida, tem a ver com essa capacidade de distribuição. Como é que vamos ter medidas políticas que podem ajudar a essa tecnologia da visão positiva da distribuição? Esse é o grande desafio dos próximos 10 anos. Para a tecnologia, mas também para a política. Não podemos desligar a tecnologia da política. A maior parte das decisões que tomamos são políticas. Temos de ver o que queremos que seja a inteligência artificial, obviamente a tecnologia é a base, mas qual é a escolha política? Temos vivido em mundos paralelos entre a tecnologia e a política, e acredito que temos de nos juntar entre aquilo que é tecnologia que muda a economia, e logo muda a política, para conseguirmos mudar o mundo.
Pode rever aqui a entrevista completa ao The Next Big Idea emitida no magazine exibido na SIC Notícias do fim de semana 17 e 18 de fevereiro.