A guerra também se combate nas redes sociais
por Abílio dos Reis (Texto) | 1 de Março, 2022
Na última quinta-feira a Rússia fez aquilo que as agências de inteligência dos Estados Unidos da América vinham alertando que estava na iminência de acontecer: Putin ia dar ordem para invadir a Ucrânia. A decisão foi rapidamente condenada pela comunidade internacional e foram aplicadas sanções de vários tipos ao invasor por iniciar um conflito que já fez mais de 500 mil refugiados e mais de 100 mortes civis.
Mas, a par, há outra particularidade desta guerra: a de que está a ser profundamente influenciada por aquilo que acontece na Internet (convém não esquecer que está em curso uma ciberguerra declarada). Tanto que a invasão já está a ser apelidada de “Guerra do TikTok”, pelo facto de ser a primeira no Ocidente a ter uma cobertura intensiva via redes sociais e outros meios.
O The Guardian explica as razões mais detalhadamente, mas essencialmente à medida que o exército russo tenta tomar as rédeas de Kyiv e de outros pontos estratégicos em território ucraniano, alguns dos maiores influenciadores digitais da Rússia já vieram abordar publicamente o seu mal-estar em relação à invasão. Um caso mediático é o da filha do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que publicou uma story no Instagram em que se lia “Não à Guerra”. A mensagem parece tímida, mas o seu peso mediático traz risco pois é sabido que quem não está em sintonia com Putin vai preso — ou pior.
Já os seus congéneres ucranianos enfrentam igualmente os riscos da guerra, ao certificar-se de que estão a documentar os horrores e perdas de uma nação que está a ser vítima de um ataque militar. Por outras palavras, na Ucrânia, os influenciadores digitais abandonaram o seu registo habitual para corresponder às novas circunstâncias das suas novas vidas sob a sombra da invasão. Um desses casos é o de Anna Prytula. Os vistosos hotéis de luxo e malas da Louis Vuitton foram substituídos por vídeos e relatos de mísseis que varreram a sua terra natal.
Mais: algumas vozes, com experiência em guerras em cenários urbanos, estão a utilizar estes canais digitais para fornecer dicas aos civis que não têm qualquer treino militar mas que querem resistir. Assim como existem influenciadores ucrianianos que estão a ensinar como fazer cocktails molotov caseiros. Neste conflito, as redes sociais estão literalmente a mudar o cenário de guerra.
Porém, no meio de tudo disto já se sabe que há sempre um fosso entre o que é verdadeiro e o que não é — e o aumento de conteúdo nos corredores da desinformação é galopante. Se por um lado as redes sociais estão a mostrar quão brutal está a ser guerra, por outro oferecem muito pouco contexto. São vídeos curtos e sem escrutínio. Existem muitas imagens virais e vídeos que pretendem mostrar o que se passa e que são simplesmente falsos. Isto incluiu o famoso “Ghost of Kyiv” (trata-se de um clip de um videojogo) até à foto dos “paraquedistas” sobre Kyiv que são apenas reflexos de luzes na rua. A somar a tudo isto, claro, está ainda a máquina de propaganda russa (que na verdade começou a guerra muito antes de galgar a fronteira).
Depois temos o modo como se está a consumir informação sobre este conflito. O interesse e a empatia para com a causa ucraniana é visível em vários níveis. Nota-se na cobertura mediática, nota-se nas reações gerais. Um exemplo disto é o artigo sobre esta guerra na Wikipedia, que por razões óbvias não existia até à semana passada. Em língua inglesa, já conta com mais de 12.000 palavras, citando quase 600 fontes; em português é igualmente extenso, mas com sensivelmente metade do tamanho e fontes. Noutra nota, destaque ainda para o Kyiv Independent, um meio informativo ucraniano com base no inglês, que cresceu de 20 mil para 1 milhão de seguidores no Twitter no espaço de uma semana.
Guerra Crypto
A invasão da Ucrânia além de ser o maior conflito militar em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial, é também, parafraseando o The Washington Post, a “primeira Guerra Cripto”. A razão é simples: as criptomoedas vão e estão moldar esta guerra. A começar pelas ajudas que estão a chegar à Ucrânia. Segundo a consultora Elliptic, o Governo ucraniano e várias organizações não governamentais (ONG) já asseguraram pelo menos 20 milhões de dólares em donativos pagos em criptomoedas.
Paralelamente, há cada vez mais pessoas a ter que se socorrer às moedas digitais por necessidade e não por escolha. Isto porque o pânico da guerra está a esvaziar as caixas de multibanco do país. Basta ter em conta o exemplo que tem sido partilhado em órgãos de comunicação estrangeiros, em que jornalistas dinamarqueses terão comprado um carro com bitcoin para fugir.
Como bem explica a Decrypt: há vinte anos, o ouro seria a uma possível moeda de troca numa zona de conflito; hoje são as criptomoedas. Mas se por um lado estas estão a ajudar o Governo ucraniano a defender-se das investidas dos invasores, convém lembrar que esta é na verdade uma estrada com duas vias, ou seja, tanto dá para ajudar quem precisa (Ucrânia) como também pode permitir que a Rússia as utilize para fugir às sanções impostas pela União Europeia e seus parceiros.
De resto, ambos os países têm uma ligação muito forte com esta tecnologia. Se por um lado a Rússia se destaca por ser um dos países onde mais se mina bitcoins no mundo, segundo os dados do índice de adoção às criptomoedas da Chainalysis, a Ucrânia foi o país europeu que mais abraçou as moedas digitais (a nível mundial arrancou o 4.º lugar).
O The New York Times chegou inclusivamente a publicar um artigo em que destacava o facto de a Ucrânia querer ser a capital cripto do mundo. Tanto que o Ministério da Transformação Digital, por acreditar que as criptomoedas são a economia do futuro, fez aprovar uma lei para regular a Bitcoin no país.
Todavia, como alguns costumam dizer neste nicho cada vez maior, a tecnologia é agnóstica. Pelo que é fácil chegar à conclusão, tal como sublinha o artigo da Decrypt, de que a invasão russa à Ucrânia pode ter tido sido a primeira guerra financiada com criptomoedas, mas não será certamente a última.