Despedimentos em massa no Google? Trabalhadores de IA denunciam tentativa de silenciamento
por Marta Amaral | 16 de Setembro, 2025
Mais de 200 contratados que trabalhavam na avaliação e melhoria dos produtos de IA do Google, foram despedidos sem aviso prévio em pelo menos duas rondas de cortes no mês passado.
Esta decisão surge no contexto de uma luta contínua por melhores salários e condições de trabalho, segundo trabalhadores que falaram com a WIRED.
Nos últimos anos, o Google terceirizou o trabalho de avaliação de IA, que inclui avaliar, editar ou reescrever respostas do chatbot Gemini para que soem mais humanas e “inteligentes” para milhares de empregados contratados pela GlobalLogic. A maioria dos avaliadores da GlobalLogic está sediada nos EUA e lida com conteúdos em inglês.
Tal como os moderadores de conteúdo ajudam a “purgar” e classificar conteúdos nas redes sociais. Estes trabalhadores utilizam a sua experiência, competências e julgamento para ensinar chatbots e outros produtos de IA, incluindo a funcionalidade de resumos de pesquisa do Google, chamada AI Overviews, garantindo respostas corretas sobre uma ampla variedade de assuntos.
Os trabalhadores alegam que os últimos cortes ocorreram como um “castigo”, numa tentativa de silenciar protestos relacionados com salários e insegurança no emprego.
Os despedimentos
A 15 de agosto, Andrew Lauzon recebeu um e-mail a informar o seu despedimento: “Perguntei o motivo e disseram ‘redução do projeto’ seja lá o que isso significa”. Desde março de 2024, Lauzon avaliava respostas de IA e criava prompts para os modelos do Google.
Segundo trabalhadores ouvidos pela WIRED, os sistemas de IA estão a ser treinados pelos próprios avaliadores humanos com o objetivo de os substituir, evidenciando a precariedade destes empregos. Ao mesmo tempo, a empresa continua a contratar novos trabalhadores e impôs, em julho, o regresso obrigatório ao escritório em Austin, Texas, afetando funcionários com limitações financeiras ou responsabilidades familiares.
Apesar de realizarem tarefas especializadas e de grande responsabilidade, os trabalhadores denunciam salários baixos e projetos exigentes sem aumentos significativos. De acordo com os relatos, os super avaliadores contratados diretamente pela GlobalLogic recebem entre 28 e 32 dólares por hora, enquanto contratados externos são pagos entre 18 e 22 dólares pelo mesmo trabalho. Os avaliadores generalistas, sem formação superior, enfrentam desafios semelhantes, sem benefícios ou tempo de descanso remunerado.
O protesto
Em 2023, os trabalhadores descontentes criaram um grupo de WhatsApp chamado Super Secret Secondary Location para falar sobre condições de trabalho e, na primavera de 2024, juntaram-se ao Alphabet Workers Union para criar um braço sindical da GlobalLogic.
O grupo cresceu de 18 para 60 membros em apenas dois meses. Contudo, a empresa proibiu o uso de canais sociais internos, essenciais para comunicação remota, alegadamente para impedir discussões sobre salários e condições de trabalho.
Alguns trabalhadores que participaram na organização sindical relatam ter sofrido retaliações, incluindo despedimentos injustos. Dois apresentaram queixa ao National Labor Relations Board, nos EUA, por alegadas demissões retaliatórias, uma relacionada com a defesa da transparência salarial e outra por advocacy em favor de colegas.
Especialistas em direito do trabalho afirmam que estas práticas são comuns em empresas de outsourcing de IA. “Vemos isto em muitos lugares; quase todas as empresas de outsourcing de dados onde os trabalhadores tentaram organizar-se têm sofrido retaliações”, diz Mila Miceli, investigadora principal no DAIR Institute, que acompanha trabalhadores de IA globalmente.
Um fenómeno global?
O problema não se limita aos EUA. No Quénia, Turquia e Colômbia também há relatos de trabalhadores de IA que se têm organizado em sindicatos e associações para lutar por melhores salários, condições de trabalho e apoio à saúde mental. Ao mesmo tempo, moderadores de conteúdo de várias partes do mundo formaram em abril a Global Trade Union Alliance of Content Moderators (com o mesmo objetivo, protegerem-se da precarização anunciada).
Os que permanecem a trabalhar na GlobalLogic dizem ter medo de se manifestar, receando perder os empregos. “Tem sido uma atmosfera opressiva”, afirma Alex. “Não conseguimos organizar-nos temos medo que, se falarmos, sejamos despedidos ou dispensados.”