A guerra em que a Suiça não conseguiu ser neutra
por Miguel Magalhães (Texto) | 7 de Agosto, 2025
Uma tarifa de 39% prepara-se para mudar a realidade económica do país europeu, depois de não ter conseguido chegar a acordo com Donald Trump.
Há vários séculos que a Suíça é conhecida como um símbolo de imparcialidade. Ao longo de alguns dos principais conflitos geopolíticos europeus e mundiais, o país encontrou sempre uma forma de atuar como uma espécie de agente-duplo, agradando a gregos e troianos, sem comprometer a sua soberania.
Este “talento” para o diálogo e a negociação está intimamente ligado à sua localização, já que possui 100% do seu território rodeado por cinco países: Alemanha, França, Itália, Áustria e Liechtenstein. E não se pode dizer que isso não tenha dado frutos.
Longe de ser um dos maiores países da Europa (conta com cerca de 9 milhões de habitantes), a Suíça posicionou-se em setores-chave como o luxo, a banca, a biotecnologia e, claro, o popular chocolate, tornando-se numa economia de referência a nível mundial. No Velho Continente, de acordo com dados do World Bank, tem a 8.ª maior economia e um PIB per capita 51% superior à média da União Europeia.
São números como estes que chamaram a atenção de Donald Trump durante a sua “guerra de tarifas”, tendo decidido aplicar à nação alpina a maior tarifa entre os países industrializados: 39%.
O que é que a Suíça fez de mal?
Desde que tomou posse no início do ano, o Governo americano tem dado especial atenção à balança comercial com diversos países — sobretudo aqueles com os quais os EUA têm défices significativos. Devido ao sucesso suíço em indústrias de alto valor acrescentado, como as já referidas, o país apresenta atualmente o 13.º maior superavit na relação económica com os EUA, no valor de 38 mil milhões de dólares em 2024. Por outras palavras, isso significa que os EUA compram muito mais do que vendem à Suíça, algo que Trump quer inverter, como tem feito com outras nações.
Segundo jornais locais, tudo parecia bem encaminhado entre representantes de ambos os países para um acordo mais favorável, até que uma chamada entre Trump e a presidente suíça, Karin Keller-Sutter, apanhou todos de surpresa e aumentou a tensão diplomática.
Aqui é importante recordar por que razão a Suíça está a negociar individualmente, sem o apoio dos vizinhos europeus. Apesar da sua importância, a Suíça não faz parte da União Europeia e tem liberdade para assinar acordos bilaterais com qualquer economia. Esta é precisamente a razão pela qual a tarifa de 15% negociada por Trump com Ursula von der Leyen não se aplica neste caso. O Reino Unido, que atualmente vive um contexto semelhante ao suíço, conseguiu inclusive negociar uma tarifa mais favorável de 10% — o que, no futuro, lhe poderá dar alguma vantagem competitiva face a outros mercados como o alemão e o francês.
Um deadline apertado
A Suíça tinha até ao dia de hoje (7 de agosto) para apresentar uma proposta melhor, caso contrário, as tarifas entrariam em vigor. Trata-se de uma situação delicada, que pode potencialmente causar uma recessão económica no país, e para a qual não há uma solução ideal à vista.
Os produtos americanos que entram na Suíça já beneficiam de uma tarifa de 0%, o que significa que o país tem pouca margem de manobra nesse campo. Por outro lado, os EUA representam cerca de um sexto de todas as exportações suíças. Se os produtos suíços passarem a custar 39% mais no mercado americano, poderão perder competitividade e deixar de ser procurados do outro lado do Atlântico.
Nesta fase, parecem existir dois caminhos possíveis:
- Um acordo no setor farmacêutico: A indústria farmacêutica suíça é uma das principais responsáveis pelo desequilíbrio na balança comercial com os EUA. Empresas como a Novartis, sediada na Suíça, podem ser pressionadas a reduzir os preços dos seus medicamentos.
- Um acordo para maior investimento suíço nos EUA: Uma alternativa poderá passar pela compra de mais gás natural americano e pelo aumento dos investimentos suíços no território norte-americano.
Segundo a Reuters, após uma reunião de emergência em Washington, os dois países voltaram a não conseguir fechar um acordo, o que significa que a economia suíça enfrenta uma nova realidade nos próximos dias.
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