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Banco Português de Fomento vai enviar garantias pré-aprovadas às empresas. Há 6,5 mil milhões para investir – como é que vão chegar à economia?

por Rute Sousa Vasco (Texto) | 18 de Julho, 2025

As empresas são a grande prioridade do anúncio feito a 4 de julho pelo Banco Português de Fomento e pelo Fundo Europeu de Investimento.

A iniciativa InvestEU Fomento-FEI será suportada por 450 milhões de euros do PRR, a par de uma garantia pública de 50 milhões de euros proveniente do Orçamento do Estado, e de 490 milhões de euros do Fundo Europeu de Investimento. A mobilização destes fundos públicos vai libertar até 6,5 mil milhões de euros em financiamento, visando apoiar a transformação da economia portuguesa nas áreas da inovação, digitalização, sustentabilidade, competitividade e agricultura, tendo por objetivo financiar projetos desenvolvidos por cerca  de 40.000 empresas.

Nas palavras da diretora executiva do Fundo Europeu de Investimento, Marjut Falkstedt, “estamos num momento da União Europeia em que enfrentamos muitos desafios geopolíticos e tudo isto tem impacto nas empresas. Quando olhamos para Portugal em particular, penso que podemos afirmar que existem enormes necessidades de investimento para permitir que as empresas cresçam. Essa é agora a nossa principal missão: fazer chegar liquidez às empresas de uma forma que lhes permita crescer, florescer e expandir os seus negócios”.

“O que o Banco Português de Fomento fez nestes últimos seis meses foi não ficar à espera dos empresários. Pegámos naquilo que era a informação financeira que já hoje está residente no Estado, avaliámos o limite de risco e o limite de disposição de crédito de cada empresa e enviámos garantias pré-aprovadas”

Uma das novidades do programa será na forma como irá chegar às empresas. O Banco Português de Fomento vai usar uma fórmula testada com o programa InvestEU e BPF Invest Export e enviar garantias pré-aprovadas a um conjunto de empresas que reúnem condições de financiamento.

“O que o Banco Português de Fomento fez nestes últimos seis meses foi não ficar à espera dos empresários. Pegámos naquilo que era a informação financeira que já hoje está residente no Estado, avaliámos o limite de risco e o limite de disposição de crédito de cada empresa e enviámos 125 mil garantias pré-aprovadas no programa InvestEU e 36 mil garantias pré-aprovadas no programa BPF Export. Vamos fazer exatamente o mesmo agora com o programa do FEI”, explicou o presidente da instituição, Gonçalo Regalado, em entrevista ao The Next Big Idea.

Na prática, este grupo de empresas vai receber nos próximos meses uma garantia pré-aprovada do Banco de Fomento com o FEI, com a informação de que tem a sua garantia pré-aprovada. “Com essa informação, fala com o seu banco comercial, desconta essa garantia e invista na sua empresa. Ou seja, a maioria dos empresários não terá que fazer nada”, indica Gonçalo Regalado.

O que Portugal precisa para crescer acima da média europeia?

Além dos desafios de crescimento da Europa como um todo, Portugal tem a necessidade adicional de crescer acima da média europeia para poder alcançar essa mesma média. No contexto do anúncio da iniciativa InvestEU Fomento-FEI fomos saber o que é considerado mais crítico para fazer a economia alcançar esta meta.

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Gonçalo Regalado, presidente do Banco Português de Fomento

“O que é mais crítico hoje para Portugal crescer é a competitividade e a confiança. Temos que sair de um mercado fechado e de um mercado defendido e ter capacidade para abrir mercados exportadores, pegar nos nossos produtos, nos nossos serviços, na capacidade de valor acrescentado, no talento que cada vez é maior. E não tendo medo, não tendo medo daquilo que são países muitas vezes maiores. O segundo grande objetivo do país é dar estabilidade para que os empresários tenham confiança. Confiança nas instituições, confiança nos mercados, confiança nas pessoas, confiança no Estado, para que possamos ter uma economia mais forte e mais competitiva”.

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Miguel Maya, presidente do Millennium BCP

“Não gosto particularmente do conceito das médias, a nossa ambição é atingir o nosso máximo potencial, independentemente dos outros. E Portugal, se quer ser um país mais próspero, tem que investir nas empresas para que possam gerar maior prosperidade, mais emprego, possam reter e atrair talento para o país. É desta geração de prosperidade que Portugal vai conseguir também, reforçar a sua rede de apoio social. O que temos que fazer não é tirar de um lado para dar ao outro. O que temos que fazer é acreditar e investir nas empresas que são, de facto, o polo de geração de valor para a economia como um todo”.

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Marko Sebastian, CFO da Autoeuropa

“Vou fazer uma comparação com o futebol. Há tanto talento para a inovação em Portugal, na nossa equipa, no setor e em muitos sectores diferentes, mas, tal como no futebol, talento só não é suficiente. É necessário treinar, trabalhar, ter disciplina e saber que não é um sprint. A inovação vai ter muitos obstáculos e desistir à primeira é como dizer que quando chove não quero treinar porque está chuva e está frio. É necessário treinar todos os dias, quando há um passo para trás, tentar levantar de novo, ter novas ideias”.

Existem ainda duas formas adicionais de ter acesso às garantias do BPF em parceria com o FEI. Uma segunda forma é através dos dez bancos comerciais que fazem parte da rede de distribuição do BPF. “Os bancos comerciais vão ter também as suas equipas de gestores, diretores comerciais, gerentes, que vão visitar as empresas e vão apresentar as garantias existentes”.

Um desses bancos é o Millennium BCP. “Há uma vontade enorme de apoiar a economia. E, no caso do Millennium BCP, estamos preparados para fazer uma análise detalhada e apoiar o empresário a escolher o melhor caminho”, referiu ao The Next Big Idea o presidente do banco, Miguel Maya.

Sobre as especificidades das várias garantias e a capacidade de comunicar com o tecido empresarial de forma alargada, Miguel Maya considera que se trata de um processo decorrente do “enorme ritmo que o Banco de Fomento está a imprimir na apresentação de apoios à economia”. “Quando se está a trabalhar a um ritmo muito elevado, é normal que haja, num primeiro momento, um impacto que possa gerar alguma perplexidade relativa. Agora compete aos bancos comerciais também perceber como é que, em colaboração com o Banco de Fomento, conseguem fazer chegar toda esta panóplia de apoio às empresas. E esse trabalho, na minha opinião, está a ser bem conseguido, quer por parte do Banco de Fomento, quer por parte da banca comercial e, particularmente, no caso do Millennium BCP, que tem tido uma quota de clientes nestes apoios acima dos 40%”, refere. Não há que ter medo desta abundância, há é que saber fazer chegar todos estes apoios e comunicá-los de uma forma acertada aos empresários”.

“Não há que ter medo desta abundância, há é que saber fazer chegar todos estes apoios e comunicá-los de uma forma acertada aos empresários”.

Além do envio prévio de garantias aprovadas do BPF e das apresentações realizadas pela banca comercial, os empresários podem, por si mesmos, solicitar acesso a estes apoios ao investimento pedindo que seja avaliada a sua operação.

“O que estamos a fazer é democratizar o acesso ao financiamento para projetos de investimento com garantias europeias”

“Esta linha InvestEU de 6,5 milhões de euros representa muitas oportunidades, na nossa expectativa para mais de 40 mil empresas. O que estamos a fazer é democratizar o acesso ao financiamento para projetos de investimento com garantias europeias”, sublinha o presidente do BPF.

Um dos setores com uma comparticipação previamente definida é o da agricultura e o ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, mostrou-se, no dia do anúncio público, particularmente feliz.

“Hoje também é um dia emotivo para mim, porque eu estive na negociação do InvestEU e, no fundo, da exigência de termos um compartimento nacional, e na possibilidade de usarmos recursos do PRR ou do PT 2030 para colocar na garantia. São 450 milhões no caso do PRR, mas ainda podemos usar 3% se quisermos do Portugal 2030 e podíamos pôr ainda mais do PRR, porque pode colocar-se 4% do PRR. Foi uma negociação dificílima com a presidência alemã. Mas porque é que é importante explicar isto? O que está no compartimento nacional são recursos, neste caso do PRR, destinados a Portugal, que ali são colocados. Não há concorrência com as outras empresas europeias”.

Créditos: Jorge Oliveira

Dos 6,5 mil milhões de euros, 500 milhões estão disponíveis a agricultura, florestas, pescas e aquacultura e que se juntam a outros apoios já em curso. “Recordo que até o fim deste ano temos mais de 150 milhões de euros numa linha que está no Fundo Europeu de Investimentos também. A isto junta-se as subvenções, mas há aqui um outro ponto importante, é que para além dos 150 milhões de euros  e dos 500 milhões de euros que ficam disponíveis, temos, no âmbito do PEPAC, 50 milhões de euros para subsidiar  juros, onde vamos privilegiar a renovação geracional ou projetos que tenham um maior risco e que, se não tiverem esse apoio, não podem avançar”, referiu o ministro da Agricultura ao The Next Big Idea.

As empresas agrícolas e a agroindústria têm 500 milhões vinculados ao setor, mas podem também concorrer aos outros 6 mil milhões de euros do pacote de garantias – caso o projeto que tenham para apresentar seja competitivo entre outros setores.

Mas, para qual empresa portuguesa que se queira candidatar, o ponto mais relevante é o destes fundos serem estritamente reservados para Portugal, o que significa que não estarão em disputa de financiamento à escala europeia. “Estes 6,5 mil milhões de euros são seguros. Estão disponíveis, são geridos por nós. Mas ainda há a outra janela, que essa é concorrencial, que é do InvestEU, com uma garantia de mais de 26 mil milhões de euros, onde as nossas empresas também podem ir. E onde, por exemplo, podem ir, sem nenhuma intervenção do Estado português, em projetos acima dos 50 milhões de euros”.

“Estes 6,5 mil milhões de euros são seguros. Estão disponíveis, são geridos por nós”

A vitória do ID.1: “vamos fazer da Autoeuropa uma das empresas mais importantes da Volkswagen na Europa”

O facto de a Autoeuropa ter um peso significativo nas exportações portuguesas faz com que seja uma espécie de empresa-farol sobre a economia portuguesa. Não é por isso de estranhar que tenha sido uma das empresas a quem o presidente do BPF fez questão de agradecer o voto de confiança em Portugal. O CFO do grupo em Portugal, Marko Sebastian, partilhou – em conversa com o The Next Big Idea – o processo de negociação que levou a que a fábrica portuguesa ganhasse o concurso para a produção do ID.1, que será o veículo elétrico mais barato da Volkswagen.

“A disputa era principalmente com todas as fábricas fora da Alemanha, desde Espanha aos países da Europa do Leste que também têm equipas excelentes. A competição foi muito dura. A primeira coisa que realmente fez muita diferença foi fazer o trabalho de casa. Mostrámos que fomos sempre aptos para todos os desafios, que temos uma equipa excelente de trabalho e conseguimos comprovar que sempre estivemos no topo das empresas da Volkswagen dentro da Europa. A competição é forte, mas conseguimos comprovar com o nosso histórico que somos a empresa certa para o carro novo”.

O ID.1 deverá chegar ao mercado em 2027 e aponta-se para um preço de venda de cerca de 20 mil euros.

Os desafios da indústria automóvel e da Volkswagen em concreto são, de certa forma, o espelho das várias frentes de competitividade que a Europa enfrenta. “À primeira vista, pode ser um bocadinho assustador, porque não é só a transformação elétrica, é a digitalização, a sustentabilidade, a descarbonização, há muitos temas”, elenca Marko Sebastian. “Mas, gosto deste desafio, porque vamos fazer o ID.1, o que nos permite estar no topo da cadeia. Vamos utilizar este desafio para fazer da Autoeuropa uma das empresas mais importantes da Volkswagen na Europa e acho que vai correr lindamente, porque somos uma fábrica de referência, não só dentro da marca, mas também do sector automóvel na Europa”.

“Vamos utilizar este desafio para fazer da Autoeuropa uma das empresas mais importantes da Volkswagen na Europa”

“Não estorvar as empresas”

Foi também no evento “Conversas com Fomento”, promovido pelo Banco Português de Fomento, que o ministro da Economia e da Coesão Empresarial, Castro Almeida, anunciou que, a partir de 15 de julho, as empresas que se candidatem a fundos europeus vão deixar de ter de apresentar documentos até aqui exigidos.

Deixa de ser exigida a certidão permanente, certidão de não divida à Segurança Social, certiddão de não dívida à AT, certificado PME, Informação Empresarial Simplificada e a Declaração Empresa Única Autónoma.

Créditos: Jorge Oliveira

“O novo trajeto que pretendemos assenta em dois pilares. O primeiro é não criar dificuldades, não condicionar, não embaraçar a atividade dos agentes económicos, sejam micro, pequenas, médias ou grandes empresas. Ou seja, não estorvar as empresas. E como o faremos? Combatendo a burocracia (…) Têm que circular menos papéis e menos documentos entre as empresas e o estado, mesmo em formato digital, quando o Estado já dispõe dessa informação”, afirmou na ocasião.

“Têm que circular menos papeis e menos documentos entre as empresas e o estado, mesmo em formato digital, quando o Estado já dispõe dessa informação”

Relatório Draghi: um ano depois

Faz precisamente um ano (16 de julho de 2024) que foi tornado público o documento conhecido como Relatório Draghi que levou o nome do seu coordenador, Mario Draghi, a quem a Comissão Europeia delegou, em outubro de 2023, o diagnóstico sobre a competitividade da União Europeia e as respetivas recomendações.

No seu vasto currículo, político e académico, Draghi foi presidente do Banco Central Europeu entre 2011 e 2019 e é a ele que cabe o discurso de 2012 –  “whatever it takes” (“o que for preciso”) – que estabilizou os mercados e ajudou a salvar o euro da crise. Foi também primeiro-ministro de Itália (2021-2022) e o relatório divulgado, em julho do ano passado, constituiu um grito de alerta sobre os desafios da Europa os riscos de ficar economicamente estagnada perante a ameaça dos EUA e da China.

O eixo central do relatório é precisamente a necessidade de investimento massivo nas empresas, combinando crescimento sustentável e autonomia estratégica. A recomendação é no sentido de investir entre €750 a 800 mil milhões por ano (aproximadamente 4 a 5% do PIB da UE) para níveis comparáveis aos do Plano Marshall ou aos EUA no âmbito do Inflation Reduction Act, com uma “forte alavancagem pública” e com especial foco em novação, transição verde e autonomia estratégica (em que o setor energético assume especial destaque).

Desburocratizar a Europa, tornando regras mais simples e decisões mais rápidas, é outro dos pontos chave do relatório e um tema especialmente crítico na economia portuguesa e em relação ao qual há expectativa que a prioridade à simplificação dos processos seja uma realidade.

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