Com mais estrutura, mas ainda sem um videojogo “vencedor”. O que falta para Portugal ser um gigante no gaming?
por Gabriel Lagoa | 10 de Março, 2025

Portugal está a atrair mais estúdios e investimento na área dos videojogos. Mas ainda sem um grande título de sucesso global, o país enfrenta desafios para se afirmar como um verdadeiro polo da indústria.
A realidade é que, até agora, Portugal ainda não produziu um videojogo que tenha alcançado o estatuto de “blockbuster” internacional. Mas isso não quer dizer que o país não tenha cartas para dar. O 8 Ball Pool, da Miniclip, é um dos poucos exemplos de um jogo desenvolvido por cá que alcançou sucesso internacional. Outros projetos, como o Strikers Edge, da Fun Punch Games, e o KEO, da RedCatPig, demonstram que há talento nacional capaz de criar jogos originais e competitivos.
“Nós temos uma indústria muito variada. Há cidades no mundo que têm um foco numa indústria mobile, numa indústria de jogos de consola. Nós temos um bocadinho de tudo”, conta Francisco Moreira, Gaming Lead do Gaming Hub da Unicorn Factory Lisboa, que acrescenta que “temos a Volt Games, por exemplo, que faz jogos mobile. Temos a ONTOP que faz jogos de AR [realidade aumentada], alguns estúdios indie que se juntaram também, empresas de outsourcing”.
A indústria dos videojogos em Portugal está a crescer, mas ainda procura consolidar-se como um verdadeiro hub de desenvolvimento a nível global. Nos últimos anos, o país tem atraído cada vez mais talento e investimento estrangeiro, mas a questão mantém-se: Portugal pode competir com mercados estabelecidos como os Estados Unidos, a China ou até a Polónia?
“Há muito interesse internacional no que está a acontecer aqui em termos de tecnologia.”
Lisboa está a tornar-se um destino para estúdios internacionais que procuram um ambiente de trabalho dinâmico e custos operacionais competitivos. Um desses casos é o The Gang, um estúdio sueco que se especializou no desenvolvimento de experiências dentro de plataformas como Roblox e Fortnite.
Marcus Holmström, CEO do The Gang, começa por dizer que a escolha de Lisboa foi estratégica. “Portugal está em ascensão. É um mercado mais interessante e, para mim, uma das maiores vantagens é o facto de ter um ecossistema tecnológico em crescimento. Há muito interesse internacional no que está a acontecer aqui em termos de tecnologia.”
Gaming como estratégia de marketing?
Ao contrário de muitos estúdios tradicionais, o The Gang não cria jogos independentes, concebidos para serem lançados em plataformas como Steam, PlayStation ou Xbox. Em vez disso, trabalha com marcas como DreamWorks, Amazon e Spotify e desenvolve experiências dentro de plataformas já existentes, como Roblox e Fortnite, onde os jogos são jogados diretamente dentro desses ecossistemas. Noutras palavras, é como se fosse um jogo dentro de um jogo.
Holmström explica que esta abordagem permite que as marcas alcancem milhões de jogadores de forma mais eficiente. “[As marcas] têm interesses diferentes. Algumas empresas, como as do setor desportivo com quem trabalhamos, focam-se principalmente em atrair mais pessoas para o desporto. Trabalhamos, por exemplo, com o ténis, e o objetivo é levar mais pessoas a interessarem-se pela modalidade ou pelo futebol, no caso da FIFA. Outras empresas, como a DreamWorks, utilizam os videojogos para promover lançamentos de filmes.”
Um dos maiores sucessos do estúdio é o Strongman Simulator, um jogo criado para o Roblox que já ultrapassou 1,6 mil milhões de visitas e conta com entre 500 mil e 1 milhão de jogadores ativos por dia. “É um jogo simples. Começas pequeno e vais ficando mais forte ao longo do tempo. Arrastas objetos, ganhas pontos, treinas e consegues carregar coisas mais pesadas. O conceito direto funcionou muito bem.”
O que dizem os números?
A chegada de estúdios internacionais como o The Gang a Portugal mostra que há um interesse crescente no mercado nacional. Mas a questão continua: como garantir que estúdios portugueses também conseguem lançar títulos próprios com impacto global?
Para se ter uma ideia, a indústria dos videojogos gerou 196 mil milhões de dólares em 2023, segundo dados do Gaming Report 2024, da Bain & Company, com os jovens entre os 2 e 18 anos a representarem a maior fonte de crescimento do setor. Já em Portugal, prevê-se que as receitas no mercado dos videojogos superem os 860 milhões de dólares este ano, de acordo com as contas do Statista. A plataforma indica ainda que os jogos em dispositivos móveis, como os telemóveis, são fortes impulsionadores das receitas nesta indústria.
Para acompanhar este crescimento e potenciar o setor nacional, têm surgido iniciativas que procuram fortalecer o ecossistema de videojogos em Portugal. Uma dessas iniciativas é precisamente o Gaming Hub, em Lisboa, que se posiciona como um motor de inovação e colaboração dentro da indústria. O espaço, que nasceu em 2023 como o primeiro hub temático da Unicorn Factory Lisboa, tornou-se um ponto de encontro para estúdios, investidores e programadores.
“É um espaço onde toda a indústria se encontra. Antes, muitos estrangeiros que estavam em Portugal há anos trabalhavam isolados, sem contacto com a comunidade. Agora, há encontros regulares.”
O Gaming Hub surgiu como resposta à necessidade de estruturar um ecossistema que estava em crescimento, mas ainda sem um ponto de convergência claro. Francisco Moreira explica que a indústria já estava a dar sinais de expansão, mas sem um espaço onde talento e empresas pudessem conectar-se.
“O mercado assim o exigiu. Havia empresas a crescer em Portugal, empresas a vir do estrangeiro para Portugal e uma empresa em concreto, a Fortis, uma empresa americana que comprou uma startup portuguesa, queria expandir-se crescer [em Portugal]. Abordaram-nos numa de, já que vamos crescer, ajudamos a criar um espaço para a indústria dos videojogos. Então as duas coisas alinharam-se e surgiu o Gaming Hub”, conta o gaming lead.

Hoje, o Gaming Hub funciona como um espaço de trabalho, mas também como um ponto de contacto entre a comunidade e empresas do setor. “É um espaço onde toda a indústria se encontra. Antes, muitos estrangeiros que estavam em Portugal há anos trabalhavam isolados, sem contacto com a comunidade. Agora, há encontros regulares, troca de conhecimento e um ambiente onde as conexões acontecem de forma natural”, diz o responsável.
Além de estúdios portugueses, o Gaming Hub também tem atraído empresas internacionais que veem Portugal como um destino interessante para expandir operações.
Eis que a IA chega ao gaming
Sem grande espanto, a Inteligência Artificial (IA) também está a transformar a indústria dos videojogos, e Portugal não quer ficar de fora. Francisco Moreira conta que os estúdios nacionais já começaram a explorar a tecnologia, mas ainda numa fase inicial. “Há muitos estúdios a testar IA, mas principalmente para Concept Art e tarefas secundárias. Algumas plataformas ainda bloqueiam jogos criados através de IA generativa, mas a tecnologia vai abrir novas possibilidades.”
Apesar de a adoção desta tecnologia ainda estar a dar os primeiros passos no país, o responsável conta que há “várias empresas em Portugal que desenvolvem ferramentas com IA para videojogos, como a Testwaves que faz testes de jogos com IA, a Didimo que faz a geração de NPCs e de vários personagens secundários dos jogos com IA, ou a Anybrain que combate os cheaters nos videojogos com IA”.
No The Gang, Holmström confirma que a empresa já utiliza IA no desenvolvimento, mas de forma limitada. “Usamos IA para testar código e visualizar conceitos antes de os construirmos. Mas não a utilizamos para criar jogos inteiros, porque há muitas dúvidas sobre propriedade intelectual. No final, a criatividade humana ainda é essencial.”
Portugal pode tornar-se um polo global dos videojogos?
O Gaming Hub ajudou a consolidar a comunidade e a atrair empresas estrangeiras, mas há desafios estruturais que continuam por resolver. Francisco Moreira aponta a falta de financiamento e apoio específico para videojogos como um entrave ao crescimento.
Outro desafio é a falta de um título que coloque Portugal no radar global. Por exemplo, na Polónia, o estúdio CD Projekt Red mudou a indústria de videojogos do país com The Witcher, criando assim um efeito cascata que beneficiou todo o setor. “Acho que Varsóvia teve algo que ainda falta a Portugal: um jogo de sucesso que impulsionasse toda a indústria. The Witcher teve um impacto tão grande que elevou o setor no país, tornando os videojogos uma referência no mainstream. Isso fez com que a sociedade passasse a ver o gaming como uma indústria com potencial e sucesso a nível internacional, ajudando a valorizá-la como um setor estratégico”, remata Francisco Moreira.
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