Voltar | Mundo

7 perguntas para compreender a guerra de tarifas dos EUA

por Gabriel Lagoa | 10 de Fevereiro, 2025

As últimas semanas têm sido dominadas pelas ameaças de Donald Trump, que diz querer impôr tarifas às importações da UE. Caso a medida avance, terá impacto na economia europeia e por conseguinte em Portugal. Estivemos à conversa com Bruno Bobone, ex-presidente da CCIP, que analisa os efeitos das tarifas e defende que estas ameaças são uma ferramenta de negociação.

A União Europeia (UE) enfrenta uma nova vaga de incerteza comercial após a administração de Donald Trump ameaçar impor tarifas às importações europeias. Apesar de a UE não ter sido incluída na primeira ronda de tarifas dos EUA, que afetou o México, o Canadá e a China, o Presidente norte-americano sugeriu que o bloco comunitário, devido ao grande excedente comercial que tem com os Estados Unidos, poderia ser o próximo na lista.

Já este domingo, durante um voo com destino ao Super Bowl, em Nova Orleães, Trump foi mais longe e revelou que tem planos de introduzir novas tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio para os EUA, além das taxas de metais já existentes.

Deste lado do Atlântico, a Comissão Europeia abriu, esta segunda-feira, porta a uma eventual retaliação, no sentido de proteger os interesses das empresas europeias. Para já, o bloco ainda não recebeu “nenhuma notificação oficial” sobre as novas tarifas anunciadas por Trump e deixa claro, em comunicado, que “não vamos responder a anúncios gerais sem mais pormenores ou esclarecimentos escritos”. 

Certo é que as taxas alfandegárias norte-americanas poderão afetar uma economia europeia já fragilizada, com as previsões de crescimento da zona euro a caírem para 0,7% em 2025, segundo dados do Goldman Sachs citados pela Euronews, abaixo da projeção de 1,1% do Banco Central Europeu em dezembro do ano passado.

Irá Donald Trump seguir em frente com as ameaças? 

As declarações de Trump sobre tarifas à União Europeia podem ser mais uma tática negocial do que uma ameaça concreta. “Eu começo por achar que essas tarifas são essencialmente uma ferramenta de negociação e não verdadeiramente uma circunstância que vá acontecer no mercado”, afirma Bruno Bobone  ex-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP).

O ex-presidente da CCIP recorda exemplos recentes que sustentam esta teoria: “Naquilo que ele ia propor ao México e ao Canadá, houve uma primeira negociação imediata que suspendeu durante um mês essas tarifas. A mesma coisa, curiosamente, até um bocadinho de uma forma quase infantil, quando eles começaram a fazer a repatriação dos colombianos. A Colômbia disse que não aceitava os voos americanos a entrar no país e os Estados Unidos subiram as taxas, no dia a seguir a Colômbia disse que já aceitava os voos e as taxas desapareceram”.

O ex-responsável acrescenta que o governante norte-americano “é um homem que teve uma experiência de governo no passado, onde, de facto, fez alguma desta caminhada, percebeu como é que os países reagem, ameaçou com algumas coisas que acabaram por dar resultado e agora apostou todos os trunfos nesta forma de gestão”.

Bobone explica a eficácia desta estratégia com outros exemplos: “O Panamá já anunciou que vai sair do China Belt [projeto de infraestrutura global lançado pela China para criar rotas comerciais terrestres]. Portanto, aquela ideia de que aquilo estava dominado pela China começou a dar uns passos atrás. Provavelmente, esta forma de atuar, de disrupção negocial, acaba por dar resultado porque as pessoas ficam com medo e os países não têm a capacidade para resistir a uma força daquelas“.

Qual é a verdadeira estratégia de Trump?

Para Bobone, Trump é “essencialmente um negociador e é um grande negociador”. O ex-presidente da CCIP explica que “o Presidente dos Estados Unidos percebeu que o politicamente correto não é útil para ele e, portanto, faz da disrupção a sua arma principal. Começou a dar tiros para o ar”.

“Trump, que terá imensos defeitos, principalmente na forma de atuar, parece uma pessoa com uma forma um bocadinho estranha e quase rudimentar de tomar as decisões, mas está rodeado por gente que também pensa, que também sabe”, analisa. O ex-presidente da CCIP acrescenta que Trump sabe que “a aplicação dessas taxas vai se calhar magoar outros países, mas vai seguramente magoar os próprios Estados Unidos”.

Esta estratégia negocial tem, segundo Bobone, objetivos específicos em relação à Europa: “Ele vai lançar as tarifas à Europa na expectativa de ter alguns resultados. A balança de transações com os Estados Unidos está desequilibrada e ele quer equilibrá-la. Portanto, vai obrigar os europeus a dizerem que com certeza que vão aos EUA fazer algumas compras“. 

A incerteza comercial pode ter mais impacto que as próprias tarifas?

“No imediato, eu acho que vai acontecer”, responde Bobone. No entanto, o ex-presidente da CCIP considera que este clima de incerteza poderá tornar-se o novo normal: “Se aquilo que neste momento é inédito e disruptivo com este lançamento de desafios constantes se tornar um hábito, vamos acabar por nos habituar a viver com isso e acabamos por deixar de ter medo do lobo mau. Estou convencido que, se esta realidade se mantiver, daqui a seis meses as pessoas estarão a viver com a instabilidade como se fosse a estabilidade normal”. 

Quais os setores portugueses mais expostos às tarifas dos EUA?

Na indústria portuguesa, as tarifas não vão ter grande impacto. É mais a indústria europeia que vai estar afetada”, considera Bobone. “Trump vai implicar com os automóveis, já o disse, e portanto é a área em que ele quer atuar mais. Até porque a venda de automóveis é um dos setores mais importantes da Europa, nomeadamente da Alemanha”.

Para o ex-presidente da CCIP, os principais setores portugueses não deverão ser alvos diretos: “Nós temos áreas que são únicas. Por exemplo, nós estamos na cortiça e eu duvido que ele vá implicar com essa área porque não tem interesse nenhum para o Presidente norte-americano, não afeta a Europa e ninguém se vai importar se ele aumentar as taxas da cortiça”. O mesmo se aplica aos setores do tomate e do papel.

Como é que as tarifas afetariam o dia-a-dia dos europeus?

Se houver tarifas, vai haver alguma crise económica. Os Estados Unidos diminuirão o seu crescimento económico. Se houver esse aumento de tarifas, o mercado vai fechar-se e nós também vamos vender menos. Vamos, obviamente, sentir esse impacto”, explica Bobone.

No entanto, o ex-presidente da CCIP duvida que Trump avance com medidas que prejudiquem a economia americana: “Como vai haver uma eleição daqui a dois anos [as midterms], e Trump provavelmente não a quer perder, ele não pode esperar dois anos de crise económica e depois ter umas eleições, porque nos Estados Unidos as eleições ganham-se e perdem-se pela economia”.

Qual deve ser a resposta europeia?

“A Europa tem só uma solução. Tem de descobrir o que falta aos Estados Unidos para estarem contentes, sem se prejudicar a si própria“, defende Bobone. O ex-presidente da CCIP sugere que “se nós vamos ter de investir em defesa e se há uma balança de transações desequilibrada com os Estados Unidos, o natural é nós comprarmos esse investimento em defesa nos EUA e equilibrar a balança”.

Para Bruno Bobone, uma eventual retaliação europeia contra as empresas tecnológicas americanas seria contraproducente. A solução passa por encontrar um equilíbrio que satisfaça ambas as partes.

“Os europeus vão ceder às vontades que ele tenha de reequilibrar a balança de transações e eventualmente qualquer outra coisa que ele venha a pedir”, antecipa. “Ele não é um político tradicional. É, essencialmente, um homem dominado pela economia”.

Como pode a Europa tornar-se mais resiliente a choques comerciais externos?

Para Bobone, a solução passa por uma mudança estrutural na forma como a Europa aborda o desenvolvimento económico: “Menos proteção, mais risco ao mercado, mais risco dos acionistas, mais capacidade de financiamento não baseada em bancos, mas sim em capitais de risco ou capital individual, mais formação, mais investimento na inovação. Temos de premiar a criação de riqueza e depois também temos de premiar a distribuição dessa riqueza, porque a ideia de criar multimilionários não é em si mesma um objetivo do desenvolvimento de uma sociedade”. 

O ex-presidente da CCIP critica ainda a excessiva regulamentação europeia: “A Europa caminha no sentido da proibição constante de tudo. O queijo tem de ter uma determinada medida todos os dias, o sabor tem de ser exatamente o mesmo. Isso é uma diminuição da capacidade criativa da indústria, do empresariado, e isso é completamente limitante”. E conclui: “Começamos a criar um medo excessivo do risco, e o medo excessivo do risco é inibidor do desenvolvimento”.

Subscreve a nossa newsletter NEXT, onde todas as segundas-feiras podes ler as melhores histórias do mundo da inovação e das empresas em Portugal e lá fora.