Portugal “é mais consumidor do que produtor de tecnologia”. A IA no setor da energia
por Gabriel Lagoa | 27 de Setembro, 2024
A IA está a transformar o setor energético, seja a otimizar as redes ou a prever falhas. Conversámos com a Critical Software, para saber como esta tecnologia impulsiona a sustentabilidade.
Milhões e milhões de pessoas utilizam a Inteligência Artificial (IA) diariamente. Frequentemente, estas novas tecnologias estão incorporadas nas nossas vidas e nem damos conta delas. Seja a ouvir uma determinada música que nos foi apresentada com base em algoritmos de IA, ou a ver um filme numa plataforma de streaming que também usa a ferramenta para gerar melhores recomendações, é seguro dizer que Inteligência Artificial já está bem presente no nosso dia-a-dia. Além destes exemplos, esta tecnologia é cada vez mais uma componente crucial no setor energético, sob várias formas, melhorando o fornecimento de energia.
“A Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de ajudar a construir um setor energético mais seguro, mais limpo, mais eficiente e mais protegido do que nunca”. As palavras são de um relatório divulgado este ano pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, que acrescenta que, “como acontece com todas as tecnologias emergentes, a IA pode causar danos se for mal implementada, insuficientemente compreendida ou explorada pelos nossos adversários”. Ainda de acordo com o documento, embora várias formas de IA já estejam em uso em todo o setor energético, os avanços na tecnologia (incluindo o surgimento da IA generativa) estão a impulsionar uma rápida expansão da implementação de capacidades e ferramentas de IA.
IA na gestão da energia
A transição energética e a sustentabilidade carbónica são temas que têm vindo a ganhar destaque a nível global, particularmente na Europa. Rogério Paulo, Energy Business Development Director da Critical Software, explica ao The Next Big Idea que esta mudança está intimamente ligada à introdução de energias renováveis e à crescente utilização de energia elétrica. Contudo, esta transformação traz consigo uma série de desafios, particularmente no que diz respeito à infraestrutura necessária para suportar esta mudança.
As redes elétricas atuais, desde a geração até à transmissão e distribuição, não estão preparadas para as necessidades que a resolução do problema da pegada carbónica implica. No contexto europeu, indica Rogério Paulo, a solução que está em cima da mesa envolve “investimentos massivos em infraestrutura”. No entanto, o responsável destaca que estes investimentos podem ser significativamente reduzidos através do emprego de tecnologias digitais. “Quanto mais tecnologias digitais utilizarmos, menos vamos ter que investir em ativos físicos. Isso tem muito que ver com a eficiência de todo o sistema energético”, explica.
Um exemplo desta aplicação é no contexto dos edifícios. A utilização de termostatos inteligentes ou sistemas de gestão de iluminação inteligente pode levar a uma redução de até 10% na necessidade de consumo energético, afirma Rogério Paulo, que acrescenta que as tecnologias digitais também permitem uma gestão mais eficiente dos próprios ativos energéticos. Assim, a introdução de tecnologias que permitem realizar um carregamento inteligente ou um consumo inteligente de energia pode levar a uma maior utilização da infraestrutura existente.
No atual contexto geopolítico, em que há uma necessidade crescente de reduzir a dependência de combustíveis fósseis, particularmente do gás e petróleo russos, estas questões tornam-se ainda mais pertinentes. A Europa, em particular, tem uma dependência considerada significativa de combustíveis fósseis, e a única opção geoestratégica viável, segundo Rogério Paulo, é a utilização de fontes renováveis, principalmente o vento e o sol.
Contudo, ressalva que a ideia passa por “maximizar a eficiência no uso de energia, mas isso não significa que queiramos usar menos energia”. Explica ainda que a sociedade precisa de energia para evoluir, e é natural e saudável que a procura aumente. O desafio está em garantir que as fontes de energia sejam renováveis e sustentáveis.
É aqui que a Inteligência Artificial e o machine learning têm um papel a desempenhar, neste cenário de aumento de eficiência energética e redução de perdas. Rogério Paulo afirma que nos últimos dois ou três anos, tem havido uma aplicação sistemática destas tecnologias nos sistemas energéticos, com o objetivo de otimizar os sistemas existentes. “Começam a haver aplicações sistemáticas, eu diria ainda iniciais, nos sistemas energéticos do machine learning e das tecnologias de Inteligência Artificial, no sentido de fazer essa otimização fina dos sistemas que já existem”, explica.
O relatório do Departamento de Energia dos EUA vem provar isso mesmo, ao identificar várias áreas-chave onde a Inteligência Artificial está a transformar o setor energético:
- Consciencialização operacional da infraestrutura – Face ao fluxo de dados gerados pela infraestrutura energética moderna, a IA está a ajudar os operadores de sistemas a identificar informações-chave em tempo real, dando-lhes uma visão mais clara dos seus sistemas.
- Manutenção preditiva – A IA pode fornecer aos operadores avisos melhorados e antecipados de potencial degradação ou falha de equipamentos energéticos. Isto poderia permitir aos operadores dar prioridade aos equipamentos mais necessitados de manutenção, melhorando a fiabilidade e prevenindo falhas dispendiosas antes de ocorrerem.
- Previsão – A IA pode melhorar a previsão de fatores como as condições meteorológicas e os preços de mercado. Isto tem o potencial de desbloquear benefícios financeiros, melhorar a preparação para condições meteorológicas extremas e permitir a integração de diversos recursos.
- Controlo ativo- A IA pode apoiar o controlo em tempo real da infraestrutura energética de duas formas: ao assistir os operadores humanos na tomada de decisões ou ao controlar diretamente as operações. No entanto, os especialistas consideram improvável a implementação de sistemas de IA totalmente autónomos em infraestruturas energéticas críticas no curto prazo, devido aos potenciais riscos.
Outras aplicações iniciais desta tecnologia estão presentes em áreas como o agendamento de equipas, previsão de consumos e previsão de geração de energia. Ao melhorar estas previsões, é possível gerir a infraestrutura elétrica como um todo de forma muito mais eficiente, considera Rogério Paulo.
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Descentralização
O responsável destaca ainda outra mudança em curso: a descentralização. Rogério Paulo começa por explicar que tradicionalmente, os sistemas de energia são geridos de forma centralizada, com centros de comando que garantem o equilíbrio entre consumo e produção. No entanto, “quando temos uma produção dispersa, quando qualquer um de nós pode ser produtor e consumidor, a gestão da rede deixa de poder ser feita com os mesmos mecanismos digitais que estávamos a usar, eu diria desde os anos 70 ou 80”, explica.
Ou seja, com uma produção dispersa, a gestão da rede torna-se mais complexa, mais probabilística e estatística. “É impossível gerir um sistema que tem milhões e milhões e milhões de pontos de consumo e de geração sem usar esse tipo de ferramentas”, acrescenta o Energy Business Development Director, referindo-se à IA.
E em Portugal?
Quanto à situação em Portugal, Rogério Paulo observa que o setor energético é mais consumidor do que produtor de tecnologia. O que é que isso significa? “Significa que utilizamos tecnologia essencialmente importada e que temos um setor pouco empreendedor, embora nos últimos anos tenhamos visto surgir pequenas e médias empresas que começam a ter oferta digital para o contexto da energia”, afirma o responsável.
“De uma forma geral eu diria que a utilização de tecnologias mais recentes, como a IA e machine learning, nos sistemas energéticos está ainda a dar passos iniciais. Por exemplo, em Portugal nós temos um programa de smart metering, de contagem inteligente, bastante evoluído. Portanto, temos alguma fundação em termos de dados para poder suportar algumas aplicações mais avançadas nessa matéria, mas é algo que poderá ter evoluções no futuro. Mas neste momento, eu não diria que Portugal é um país líder nessa matéria”, conclui o Rogério Paulo.