Tupperware: estará a lendária marca perto do fim?
por The Next Big Idea | 3 de Maio, 2023
A marca pioneira no armazenamento de alimentos, com quase 77 anos de negócio, está agora à beira do colapso. A Tupperware revelou ter dúvidas sobre a sua capacidade de continuar com o negócio, devido a uma crise de liquidez e à pressão dos credores.
Hoje em dia, é difícil olharmos para os nossos armários da cozinha e não encontrarmos pelo menos um tupperware. Provavelmente, nenhuma das embalagens será mesmo da marca Tupperware, mas isso é o sinal da importância de uma marca, cujo nome se tornou sinónimo da inovação que trouxe para o mercado. Uma marca que foi capaz de criar um novo produto para um novo mercado, responder a uma necessidade do consumidor e ficar na memória do mesmo de uma forma distinta. Algo que também aconteceu com outras marcas como a Gillete, o Post-it, a Google ou, mais recentemente, a Uber.
Como tudo começou
Earl Tupper foi um químico que criou uns moldes numa fábrica de plástico pouco depois da Grande Depressão. Nascido em 1907, em New Hampshire, Tupper mudou-se várias vezes ao longo da sua juventude, mas cresceu no centro de Massachusetts. Desde cedo que se demonstrou um sonhador que gostava de melhorar as coisas à sua volta. Para se sustentar, criou um negócio de tratamento de árvores e paisagismo e, uns anos mais tarde, casou-se e teve filhos. Durante a Grande Depressão, os clientes eram cada vez menos e a empresa acabou por falir em 1936. Foi por mera sorte que Earl Tupper conseguiu o emprego numa das fábricas de plástico em Massachusetts que ia mudar-lhe a vida.
Depois de um ano a trabalhar na fábrica, Tupper comprou alguns moldes usados e começou a fazer recipientes de plástico para cigarros e sabão. E foi assim que nasceu a Tupper Plastics. Como sempre, Tupper queria mais e fixou-se na ideia de conceber um selo que não deixasse entrar nem sair ar dos recipientes de plástico. Para ele, esta podia ser a solução que as famílias cansadas da guerra precisavam para poupar dinheiro e desperdiçar menos comida. Este recipiente ajudou a criar uma categoria de armazenamento de alimentos que nunca tinha sido vista antes, revolucionando a forma como as pessoas armazenavam, serviam e preparavam alimentos.
Em 1947, Earl Tupper desenhou e fabricou a sua primeira linha de artigos de cozinha em polietileno, à qual chamou de Tupperware. A receção por parte dos meios de comunicação foi melhor do que Tupper alguma vez podia ter esperado, contudo, nem todos se tornaram fãs imediatos.
A “tigela maravilha” foi um dos primeiros artigos a ser postos à venda. Com uma tampa que permitia empurrar o ar para fora antes de a selar, isto impedia que o conteúdo fosse derramado e que os alimentos se mantivessem frescos. Este processo ficou conhecido por ter um som que parecia alguém a “arrotar” enquanto se expulsava o ar do recipiente. Apesar de Tupper ter posto os seus utensílios de cozinha à venda em lojas de departamento e num showroom em Manhattan, as vendas estavam lentas. Nem todos estavam a aderir como era esperado, pois a Tupperware era algo tão recente que a maioria das pessoas não percebia como funcionava. No entanto, alguns vendedores conseguiram ver o potencial do produto e mudaram de estratégia ao mostrar os artigos em várias festas de mercadorias conhecidas.
Rapidamente se percebeu que o alvo deviam ser as mulheres que, naquela altura, utilizavam toucas de banho para cobrir os pratos com restos de comida, o que não permitia uma conservação prolongada, acabando os alimentos por se estragar muito rapidamente. Havia de facto um problema na forma como as mulheres organizavam as suas cozinhas, ou melhor, não organizavam. Entre o desperdício alimentar e a falta de dinheiro devido à partida dos maridos para a guerra, esta era uma oportunidade única para uma marca inovadora mudar a vida das pessoas.
Não tardou a que alguém se destacasse neste meio e essa pessoa foi Brownie Wise, uma mãe divorciada de Detroit, que começou a vender tupperwares de forma independente e a espalhar a palavra de que já não era preciso usar acessórios de casa de banho na cozinha. Sem treino profissional ou trabalho específico, Brownie Wise vendeu Tupperwares de uma forma que resolvia todos os problemas que a marca tinha: demonstrações de produto. As demonstrações eram feitas em festas organizadas na casa de Wise, que reuniam as donas de casa da zona num evento de cariz comercial mas também social. Esta foi uma das razões pelas quais as festas ficaram tão famosas, as mulheres que as frequentavam consideravam estas demonstrações um evento que não podiam perder e ter um artigo Tupperware tornava-as parte deste novo mundo.
Em 1951, ao ver que os seus artigos não saíam das prateleiras dos grandes retalhistas, Earl Tupper decidiu abandonar por completo as vendas em loja e apostou na venda de artigos em festas. À medida que as festas de demonstração iam ficando cada vez mais famosas, Wise ia também recrutando algumas das mulheres que as frequentavam para acolherem as suas próprias festas em suas casas. Isto colocava a Tupperware literalmente à frente de novos potenciais clientes.
A mudança do modelo de negócio alterou totalmente o futuro da marca. As pessoas precisavam de ver aquilo que o produto era capaz de fazer e foi assim que foram oficialmente criadas as Tupperware Home Parties.
O sucesso das festas Tupperware
Wise começou a vender grandes quantidades de Tupperware em festas em casa e, quando Earl Tupper reparou nos poderosos números de vendas em 1951, convidou-a para o visitar Massachusetts. Isto culminou na venda exclusiva da Tupperware nas festas em casa e em tornar a Brownie Wise na vice-presidente e chefe de todas as vendas da sua empresa. Enquanto Tupper continuava a inventar e produzir em Massachusetts, Wise tornou-se a chefe da Tupperware Home Parties Inc. na Florida.
Em 1961, começou o processo de internacionalização da marca. Primeiro, com a primeira festa Tupperware no Reino Unido. Quatro anos depois, a empresa e as festas foram lançadas no Japão, Austrália e Singapura. De um dia para o outro, o mundo inteiro sabia destas festas que revolucionavam o trabalho doméstico. Ao glamorizar algo que era visto como uma tarefa enfadonha e maçadora, estas tornaram-se numa atividade social e, acima de tudo, exclusiva. O facto de só se conseguirem comprar artigos se se conhecesse alguém que os vendesse, tornava todo este processo algo altamente desejável entre as donas de casa.
Brownie Wise transformou a Tupperware numa marca de lifestyle em vez de uma simples embalagem onde se podiam guardar os restos do jantar. Esta realidade apelou a uma geração de mulheres de classe média que viviam no pós-guerra. Após terem entrado e saído do mundo do trabalho e terem alterado a sua vida várias vezes, Wise reconheceu o valor destas mulheres não só como clientes, mas também como uma potente força de vendas. Um convite oficial era feito a um certo número de mulheres para frequentarem a festa Tupperware, normalmente na sua vizinhança, e, no dia da festa, as mulheres reuniam-se enquanto a anfitriã fazia uma demonstração dos vários produtos. Nestas ocasiões as senhoras podiam ver em primeira mão aquilo que a marca tinha para oferecer, sendo que não haviam momentos constrangedores e de dúvida como haviam nas lojas. No fim de cada festa, as convidadas podiam comprar os produtos demonstrados e fazer perguntas sobre os mesmos.
Com o tempo, os requisitos foram mudando, assim como a marca. Nos anos 80, com a adoção dos microondas, a Tupperware introduziu produtos que funcionavam não só nos fornos convencionais, mas também nos microondas; os alimentos congelados tornaram-se num essencial para muitas famílias e, por isso, a Tupperware lançou duas novas linhas dentro desse mundo (Microwave Reaheatables e TupperWave); a TupperWave Stack Cooker que permitia preparar uma refeição de três pratos para quatro pessoas no microondas em 30 minutos; entre outros produtos e linhas.
Os anos 90 foram diferentes, pois existiu um reforço no conforto do lar mais tradicional e, assim, a Tupperware lançou uma linha alargada de utensílios de cozinha com um design contemporâneo. Adicionalmente e embora as festas em casa fossem a forma mais popular de comprar produtos, a marca acabou por expandir a sua oferta para lojas e, mais tarde, com a popularização da Internet, também se passou a conseguir comprar através de diversas lojas online.
Contudo, o modelo de negócio que funcionou tão bem nos anos 50 e 60 foi fazendo cada vez menos sentido para as gerações de consumidores seguintes. Várias adaptações foram feitas, mas os últimos 20 anos da marca foram marcados por mais baixos do que altos.
Com o passar dos anos, era inevitável que existisse maior competição no mercado e que, de país para país existissem várias marcas que foram ganhando terreno como a Pirex. Contudo, a Tupperware sempre se conseguiu manter na frente, até recentemente.
Existirá um futuro para a marca?
As condições provocadas pela pandemia começaram por dar “boost” a um negócio que estava em declínio. Mais pessoas em casa, significou mais tempo que as mesmas passavam a cozinhar e a testar receitas, mas também a arrumar a casa de um modo geral. Por isso, tanto no contexto de guardar restos como no de serem necessários utensílios de organização, a Tupperware viu um aumento significativo na procura pelos seus produtos. No final de 2020, as vendas tinham triplicado face ao ano anterior.
No entanto, em novembro do ano passado, o regresso de todos nós à “normalidade” também levou a que a empresa voltasse a experenciar novamente problemas: os resultados financeiros apresentados em 2022, ficaram abaixo das expectativas dos analistas e a própria Tupperware mostrou-se preocupada com os seu futuro. Inclusive, no mês passado, a Tupperware afirmou num comunicado “ter dúvidas substanciais sobre a capacidade de continuar em atividade”, sendo que está a trabalhar com consultores financeiros para encontrar financiamento adicional que os permita continuar.
- Esta realidade leva a que a Tupperware esteja a considerar outras opções como potenciais despedimentos e a uma inevitável revisão dos seus vários imóveis. Com uma queda no preço das ações de quase 49%, o valor de mercado da empresa atingiu um mínimo histórico, gerando preocupações entre os investidores.
Durante os últimos anos, a marca tem lutado bastante para manter a sua relevância entre as suas principais competidoras. Numa tentativa de deixar para trás a sua imagem estável e atrair clientes mais jovens com produtos recentes e que respondem às tendências, a Tupperware lançou garrafas de água reutilizáveis, recipientes mais modernos para levar as refeições para o trabalho/escola e até mesmo um sistema de filtração de água. Contudo, estes ajustes não tiveram um impacto significativo numa geração mais nova de consumidores, gradualmente, cada vez menos lojas vendem produtos Tupperware.
Nas últimas semanas, as más notícias continuaram quando a Bolsa de Valores de Nova Iorque avisou a empresa de que as ações da Tupperware corriam o risco de ser retiradas da lista por não ter apresentado ainda um relatório anual obrigatório, após a catastrófica queda de quase 50%. Segundo o CEO da empresa, Miguel Fernandez, “a Tupperware embarcou numa viagem para dar a volta às suas operações […] A empresa está a fazer tudo o que está ao seu alcance para mitigar os impactos dos acontecimentos recentes e estamos a tomar medidas imediatas para procurar financiamento adicional e resolver a nossa posição financeira.”