André Albuquerque: “Fazer um produto é arte. É compreender o que uma pessoa quer sem que o diga”
por The Next Big Idea | 9 de Novembro, 2022
André Albuquerque trabalhou no Google, fez parte das equipas iniciais de duas startups e hoje tem também um projeto próprio que passa por ensinar gestão de produto e que tem mais de 1000 pessoas em lista de espera.
O que é a gestão de produto? Responder a esta pergunta é um bom ponto de partida para traçar o percurso de André Albuquerque, atualmente VP de Produto na Kitch e fundador da One Month PM.
“O objetivo [da função] é resolver o problema. E, por isso, gostava que se chamasse gestão de problema em vez de gestão de produto”, começa por explicar. Um gestor de produto, define, “é alguém que constrói produtos. O que significa que lhe cabe entender o que faz um cliente escolher um produto em vez de outro e como é que no mundo da tecnologia isso pode dar origem a novos negócios”.
“Na gestão de produto existem dois trabalhos: criar o produto certo e criar o produto da forma certa. Se não o fizermos estamos a construir tecnologia que ninguém quer”. O resultado de uma má gestão de produto pode, na sua opinião, ser fatal: “a maioria das startups acaba por desaparecer, porque não constrói um produto que um utilizador diz eu quero“.
O percurso de André Albuquerque até se tornar um “construtor de produtos” acaba por ligar uma série de pontos que foi construindo em mais de uma década, passando inclusive pelas opções académicas. É o facto de antes de ter optado pelo curso de gestão, ter começado por outro bem diferente, o de arquitetura.
“Eu sou de artes. Mas quando estava a estudar arquitetura via-me muitas vezes a gerir um gabinete e a pensar como as coisas deviam ser feitas. O que fazia com que me dissessem se calhar não é aqui que deves estar“, revelou, acabando por por concluir que devia procurar outra área. Gestão surgiu como a opção natural. No entanto, não deixa de pensar que o que faz hoje tem muito a ver com o seu background inicial.
“Costumo dizer que a razão pela qual eu adoro fazer produto é porque produto é arte. É compreender o que uma pessoa quer sem que o diga — e arte é isso”.
O primeiro emprego que teve foi no Google. A experiência numa tecnológica de escala global iria acentuar a curiosidade sobre como os produtos podem resolver e mudar a vida das pessoas. “No Google chegamos a centenas de milhões de pessoas no mundo inteiro e somos ensinados a pensar grande”.
Foi um período “incrivelmente desafiante” que também o ajudou a perceber o que, efetivamente, mais gosta de fazer.
“Eu gosto de projetos mais pequenos ou que estão a arrancar e isso levou-me até startups”, reflete. “Numa startup, ou tu fazes ou a empresa não vai a lado nenhum. E eu queria fazer algo que uma pessoa usasse e dissesse uau”.
Foi com este estado de espírito que saiu da Google, em Dublin, e regressou a Portugal há cerca de 10 anos, numa altura em que o ecossistema de startups estava a começar. E foi quase por acaso que acabou por conhecer a empresa que lhe iria moldar os anos seguintes e que conheceu numa competição universitária. Essa empresa chamava-se Uniplaces e foi a sua primeira experiência numa startup.
Perguntas a fazer antes de começar a construir um produto
Não há uma fórmula única para construir um produto de sucesso, mas começar por entender o problema que se propõe resolver é um bom ponto de partida.
1 – Perceber o/os problema/s que se propõe resolver
2 – Medir sucesso na resolução do problema. Melhor preço? Mais rápido na resolução? Menos esforço?
3 – Escolher oportunidades. Quando pensamos no espaço de problema, vão surgir muitas partes. Não teremos recursos para atacar todas. Quais são as mais importantes?
4 – Concordar no que se vai fazer, e no que não se vai fazer
5 – Perceber como o cliente utiliza um produto para resolver o problema hoje
6 – Como criar uma solução melhor (mais barato, mais rápido, mais conveniente)
7 – Enquanto se constrói o produto, devemos testar o desenvolvimento com clientes. É a melhor forma de corrigirmos o curso, caso estejamos a ir numa direção errada.
“O momento em que ouvi o pitch da Uniplaces acabou por modelar completamente os meus 10 anos seguintes. Houve uma empatia imediata e fui convidado a integrar a equipa fundadora, éramos cinco ou seis na altura”.
A Uniplaces permitiu-lhe por em prática não só que tinha aprendido, mas também a sua própria visão de como se devem construir produtos. Um processo que considera nunca estar acabado e cujo sucesso depende de saber fazer perguntas. “Fazer uma pergunta é aceitar que não se sabe algo e eu acho que isso é uma oportunidade incrível”, explica.
Criar o melhor produto tem, na sua perspectiva, qualquer coisa de psicologia, outro tanto de tecnologia e muito de capacidade de ouvir e de observar. É um trabalho que nunca está terminado e que é fundamental para qualquer empresa, mas mais ainda naquelas que estão a começar do zero.
Começar do zero. Outra vez.
Em 2019, André Albuquerque voltou a começar uma empresa do zero. Aceitou o desafio de se juntar à Kitch, que se propunha ajudar os restaurantes a dar resposta às entregas em casa, negócio que estava a crescer.
“A Kitch quando eu entrei era uma apresentação de powerpoint”, recorda. Mas quando, numa noite chuvosa, saiu de casa e percebeu que um dos seus restaurantes favoritos demorava mais de uma hora a atendê-lo porque estava esmagado de pedidos de entrega em casa, soube que era o momento certo para trabalhar num novo problema.
Aquilo que não sabia é que a empresa que se organizou para dar resposta a um problema de eficiência que estava sobretudo ao nível das cozinhas – e da dificuldade de um mesmo restaurante dar resposta aos pedidos de sala e aos pedidos de quem está em casa – teria de mudar o modelo de negócio em 48 horas porque a pandemia de Covid-19 alterou do dia para a noite todo o setor da restauração.
Mais uma vez, afirma, a prioridade é saber qual o problema que estamos a propor-nos resolver. “Nós estivemos meses a planear cozinhas e quando é decretado o primeiro confinamento, simplesmente já não preciso haver mais espaço de cozinha porque os restaurantes estavam vazios. E o que tivemos de fazer foi pensar como é que ajudávamos com a nossa tecnologia a acelerar as entregas em casa, mudando todo o plano entre uma sexta-feira e a segunda-feira seguinte”.
Numa avaliação retrospetiva, sabemos hoje que a Kitch, com este volte-face na estratégia, conseguiu duas rondas de investimento durante a pandemia e acabou por vender o negócio a um dos gigantes do setor, a Glovo, um unicórnio espanhol. Tomar decisões nos primeiros dias da pandemia foi a diferença entre resolver problemas aos clientes e tornar-se irrelevante. “Só sobrevive quem se adapta”, sumárias André Albuquerque.
Depois da Google e de duas startups, o arquiteto que gosta de construir produtos decidiu ensinar como se faz. Em plena pandemia iniciou a One Month PM, cursos de um mês de gestão de produto – ou de resolver problemas, como se prefira – e hoje tem já mais de 1000 pessoas em lista de espera.
“Tive o clique a meio de 2020. Também dou aulas na universidade, mas senti que fazia sentido propor uma oferta que permitisse a quem trabalhar saber mais sobre gestão de produto sem ter de fazer grandes alterações de vida, com aulas online, mas que não são gravadas, já temos demasiado tempo de consumo de vídeo gravado”.
O “clique” estava certo, o que também é revelador da importância da gestão de produto, nomeadamente no setor tecnológico que é o principal foco de André Albuquerque.