Rui Bento: “Numa startup, as necessidades são para ontem”
por Miguel Magalhães (Texto) | 20 de Outubro, 2022
Rui Bento e a Kitch estiveram em destaque no episódio 3 da série especial “Únicos”, produzida pelo The Next Big Idea com o apoio da Google e da Shilling.
Já faz 8 anos que a Uber entrou em Portugal. A startup americana abanou por completo a indústria da mobilidade em todos os territórios onde entrou e o mercado português não foi exceção. Em 2014, a pessoa escolhida para liderar a operação da empresa por cá foi Rui Bento que, depois de um curso em Engenharia no Instituto Superior Técnico, contava com um percurso profissional de onde faziam parte empresas como a consultora Mckinsey e a Apple, e com experiências em mercados como Reino Unido, os EUA e Espanha. Hoje, é o CEO da startup portuguesa Kitch, que acabou por ser moldada pela experiência que teve no negócio hoje avaliado em 55 mil milhões de dólares.
Rui Bento arrancou com a operação da Uber em Portugal com uma equipa inicial que, além dele, contava com mais duas pessoas também recrutadas pela equipa internacional da empresa. Nos primeiros anos, a prioridade foi comunicar um serviço que era então pouco conhecido ou mesmo desconhecido da maioria dos utilizadores em Portugal, conquistar clientes e recrutar os primeiros condutores. “Quando lançámos a operação em Portugal, a Uber era um produto caro, não era utilizado para as necessidades de mobilidade diária das pessoas e, portanto, era um produto muito invisível, muito consensual”. Essa primeira fase terminou com o lançamento do UberX, o serviço mais “democrático” em termos de preço, que gerou uma verdadeira disrupção no mercado até então servido apenas pelo serviço dos táxis.
Foi este lançamento que iniciou o conflito da Uber com as empresas de táxis, e um dos episódios que Rui Bento recorda como marcante foi precisamente na altura da entrada dos UberX no mercado, no dia em que deu uma entrevista ao JN, que acabou interrompida com a notícia de uma manifestação de taxistas no aeroporto de Lisboa. Os anos que se seguiram foram de elevada exposição mediática, obrigando Rui Bento a ter foco na gestão da imagem da empresa e nas relações institucionais que permitissem que o negócio se afirmasse. Uma etapa atribulada que, admite, só foi possível de atravessar com sucesso tendo o compromisso de toda a equipa e a convicção de que aquele era um serviço que as pessoas queriam usar.
A mesma convicção, aliás, que o fez aceitar a proposta quando saiu da Apple e regressou a Portugal para o lançamento da Uber. “Nos anos que passei em Londres, tornei-me um utilizador do serviço que achava francamente inovador, de uma enorme simplicidade”.
A origem da Kitch
Em 2019, Rui decidiu que estava na altura de abraçar um novo desafio. A Uber já não era a empresa “pequena” para a qual tinha entrado e sentia-se agora preparado e com o conhecimento para lançar a sua própria startup. “Ao estar a fazer uma startup, a minha probabilidade de sucesso é relativamente baixa. A maior parte das startups morrem, não são bem-sucedidas, não funcionam e portanto tudo o que for possível eu fazer para aumentar a probabilidade deste negócio funcionar e ser bem-sucedido é algo que provavelmente vale a pena investir tempo”, explica. Por isso, pegou naquilo que tinha sido a sua experiência na Uber Eats para atacar uma falha na indústria do delivery: o facto de os restaurantes mais populares, que contam com uma série de reservas e filas à porta a partir do momento em que abrem, não terem capacidade de operação, de tecnologia e de cozinha para integrar um serviço de entregas.
E, assim, nasceu a Kitch, fundada ao lado dos mesmos dois colaboradores iniciais que Rui Bento conheceu na Uber, e que na sua primeira iteração seria uma plataforma tecnológica que iria ligar os restaurantes a conjunto de dark kitchens, que lhes davam a flexibilidade para entregar comida a um leque significativamente mais vasto de clientes.
Contudo, a data de lançamento da startup portuguesa – 13 de março de 2020 – coincidiu precisamente com o dia em que o governo português anunciou que devido à pandemia, na semana seguinte, os restaurantes iriam ter de fechar e que o problema que a Kitch procurava resolver ia desaparecer, visto que, a partir desse momento, os restaurantes iam deixar de ter restrições de espaço e de cozinha.
“Tivemos 48 horas para adaptar a tecnologia à nova realidade”, conta o CEO da Kitch. E nesse processo valeu a Rui Bento e à equipa o facto de a delivery se ter tornado uma necessidade como nunca tinha sido até esse momento e de os restaurantes terem ainda mais urgência numa solução que a Kitch pudesse fornecer para enfrentarem este novo contexto. E, assim, a plataforma da Kitch tornou-se o ponto de ligação entre estes restaurantes e a casa dos seus clientes.
O talento como prioridade número um
Curiosamente, no meio de tanta mudança e de “tantos fogos para apagar”, nas palavras de Rui Bento, mais do que o seu produto, o foco do empreendedor virou-se para o recrutamento e para construção da sua equipa. “Numa startup as necessidades são sempre para ontem e a única maneira de estar melhor daqui a um ano é deixar isto a arder e ir buscar o talento certo que ajude a resolver estes problemas dali a seis meses”, defende. Para Rui Bento, recrutar pessoas é um investimento a longo prazo, já que que não é por se encontrar uma pessoa para uma posição que o problema fica resolvido no dia seguinte, uma vez que vai ser preciso tempo para a integração na empresa e a consequente capacidade de gerar resultados.
“A Players choose A Players. B Players Choose C Players” é uma frase muito utilizada no mundo dos recursos humanos, mas simboliza esta preocupação do CEO da Kitch e aquilo que é a cadeia de atração de talento numa startup. Não se trata só das pessoas que um líder recruta numa primeira instância, trata-se também de perceber que tipo de talento que elas vão atrair quando for a altura de a empresa dar um salto e ser delas a responsabilidade de contratar alguém.
A fase Glovo
Em 2022, a Glovo, o unicórnio espanhol do delivery, abordou Kitch para uma potencial aquisição, o que acabou por acontecer com alguns pressupostos.
- Know-how, a Glovo funcionar mais como um investidor que ajuda a alavancar negócio e menos como um dono de apenas mais um vertical.
- Independência, no sentido em que a Kitch continuava a ter liberdade para tomar decisões estratégicas e crescer no seu mercado alvo – o ibérico.
- Recrutamento, Rui Bento e a sua equipa continuam a ter a palavra final sobre que talento iria integrar as suas fileiras no futuro.
“Somos muito uma startup ainda”, conclui o fundador e CEO.