O que faz uma boa empresa?
por Rute Sousa Vasco (Texto) | 3 de Outubro, 2022
A nova temporada do The Next Big Idea tem duas premissas: a de que mais pessoas, independentemente dos seus contextos sociais e económicos, têm acesso à informação sobre como se faz uma empresa, e a de que olhamos para as empresas como um elemento vital de crescimento e de criação de riqueza.
Dos anos 90 para cá, a internet mudou a economia e mudou as empresas. Acabou com negócios, abriu espaço para outros que ninguém imaginava e trouxe uma nova geração de empresários para o palco global. Passámos a chamar-lhes empreendedores em vez de empresários e não foi por acaso: contrariamente ao que tinha sido verdade durante todo o século XX, a regra era agora a disrupção e não a continuidade, e estas eram as pessoas que estavam a construir mais do que a gerir.
A internet também mudou Portugal, mas não mudou assim tanto a forma como a sociedade olha para as empresas. Um olhar quase sempre extremado entre duas posições, a do endeusamento ou a da demonização, o que reduz demasiadas vezes a discussão ao estereótipo da empresa-avarenta e má versus a empresa-benemérita e boa, ou do empresário-vilão versus o empresário super-herói.
Nas empresas, como em tudo o resto, é de humanos que se trata, escusado será dizer que a generalização torna o retrato pouco exato. E, na verdade, a questão que importa tem mais a ver com o papel que as empresas têm ou devem ter numa sociedade saudável.
Nos últimos 10 a 15 anos, um punhado de empresas que partiu do zero alcançou um estatuto relativamente novo na terminologia dos negócios – são unicórnios. Ou seja, face ao dinheiro que vários investidores já lhes confiaram, valem mais de 1000 milhões de dólares. Não são heranças, não são rendas, é o resultado da criação de um produto ou serviço, de base tecnológica, cuja aceitação no mercado lhes deu esse valor.
A primeira diferença óbvia face às empresas que nos habituámos a olhar como grandes nomes da economia mundial (e nacional) é a velocidade. Isto aconteceu tudo muito rápido. E só foi possível porque se trata de tecnologia que permite replicar processos em vários contextos – é isso que significa escalar, um verbo muito comum quando se fala de startups.
A segunda diferença, nomeadamente no que respeita à economia portuguesa, é o tipo de produtos e serviços que ganham esta valorização. Mais uma vez, a palavra-chave é tecnologia. Não é a construção de caminhos-de-ferro, não é a caça ao ouro ou a descoberta de petróleo ou de outros recursos naturais preciosos. É tecnologia que, na definição, é democrática, já que “apenas” exige conhecimento e talento.
Isso coloca países como Portugal em posição de competir com países mais ricos, mais desenvolvidos e com mais poder no mapa-mundo. Não é a pimenta da Índia nem o ouro do Brasil, é criar riqueza a partir daquilo que nós próprios conseguimos produzir.
Estas premissas devem deixar-nos entusiasmados com esta nova geração de empresas portuguesas, mas não chega. É preciso que mais empresas possam tornar-se globais, e não é uma questão de ego de cada empresário/empreendedor ou do país: é simples matemática. Portugal tem 10 milhões de habitantes, o que faz de nós um mercado pequeno para conseguir escalar um produto tecnológico, mas ideal para ser o seu ponto de partida, com empresas criadas no país, que empreguem pessoas em Portugal, mas que possam ter clientes e receitas no mundo inteiro.
Para que isso aconteça precisamos de assegurar duas premissas: a de que mais pessoas, independentemente dos seus contextos sociais e económicos, têm acesso à informação sobre como se faz uma empresa, e a de que olhamos para as empresas como um elemento vital de crescimento e de criação de riqueza.
Esse é o propósito da edição especial do The Next Big Idea que se chama “Únicos”.
O nome não é por acaso e foi um dos primeiros momentos de discussão à volta da mesa, entre a equipa do The Next Big Idea e os nossos parceiros na iniciativa, a Google e a Shilling.
Apesar de termos como protagonistas vários unicórnios portugueses, não queríamos que se chamasse “Unicórnios”, expressão que considerávamos redutora. Ou, nas palavras de Marcelo Lebre, co-fundador do mais recente unicórnio português, a Remote, “ser unicórnio não é tudo”. É um selo de desempenho e de credibilidade – quando se investe numa empresa ao ponto de a valorizar em mais de 1000 milhões de dólares, é de confiança que estamos a falar. Mas o desafio é maior do que isso.
“Em 10 anos muita coisa mudou. Hoje um engenheiro sabe que não consegue fazer tudo sozinho e que tem de se começar a fazer vendas, marketing e gestão desde o primeiro dia”, ouvimos da engenheira Cristina Fonseca, que tem no currículo a construção – e a venda – de duas startups de sucesso.
O projeto “Únicos” propõe-se dar resposta à pergunta sobre o que torna uma empresa única e de que forma essa aprendizagem pode ajudar outras. Única para os clientes que conquistou a partir do zero com um produto ou serviço que não existia antes. Única para quem lá trabalha. Única para a sociedade em que se insere.
Vamos fazê-lo num projeto em parceria com a Google e a Shilling que se divide em três iniciativas: uma série de televisão na SIC Notícias e na SIC Internacional, cuja estreia aconteceu a 2 de outubro, um conjunto de masterclasses com fundadores de startups portuguesas que se tornaram globais, onde estes partilham o seu percurso e aprendizagens, e um prémio “Únicos”, que irá distinguir uma startup que possa vir a integrar esta nova geração de empresas portuguesas que são líderes ou candidatas a líderes nos mercados globais onde atuam.
“Maximizar o desconforto e maximizar a aprendizagem”. Foi a frase usada por Diogo Mónica, CEO e cofundador da Anchorage, também uma empresa-unicórnio, para explicar por que razão aceitou começar o seu percurso profissional numa startup, à data, pequena e desconhecida, a Square, e que hoje vale mais de 100 mil milhões de dólares, em detrimento de nomes já estabelecidos como Facebook e Google.
Ninguém simpatiza com o desconforto, mas qualquer bom profissional ambiciona a aprendizagem. O que é difícil, porque, em muitos casos, aprender implica fazer coisas que não sabemos ou resolver problemas sem saber exatamente como. E isso é desconfortável, por oposição ao conforto de termos quem nos diga o que fazer, como fazer e quando fazer.
Numa startup, o lema é resolver problemas. “Ou nós construímos e fazemos, ou a empresa não vai a lado nenhum”, sumariza André Albuquerque, o gestor que ia ser arquiteto e que acabou por se apaixonar pela arte de “resolver problemas” — nome que gostaria que fosse dado à função de gestão de produto. E resolver problemas é não apenas criar o produto, mas também garantir que este serve o propósito de quem dele precisa.
Diogo Mónica, Ricardo Marvão, Rui Bento, André Albuquerque, Cristina Fonseca, Miguel Santo Amaro, Humberto Ayres Pereira, Marcelo Lebre, Vasco Pedro e Daniela Braga partilharam connosco como, em menos de 10 anos, tornaram empresas portuguesas líderes ou potenciais líderes nos mercados mundiais onde atuam.
São histórias de uma nova geração de empresários e gestores que não está apenas a criar novos produtos, mas também a reinventar o papel das empresas. Acreditamos que o futuro da sociedade e da economia vai passar por aqui e que o papel do jornalismo é também democratizar o acesso à informação sobre o que faz de uma empresa uma boa empresa.
Veja aqui o primeiro episódio da nova temporada