A transição está a bater à porta e vai doer, mas as empresas que não a fizerem “tenderão a desaparecer”
por António Moura dos Santos (Texto), Paulo Rascão (Fotografia e vídeo) e Pedro M. Santos (Fotografia e vídeo) | 19 de Março, 2022
O tempo é de agir. Depois de dois anos de pandemia que ameaçaram atirar ao chão muitas empresas, é preciso pensar no futuro, lamber as feridas e pôr mãos à obra. Mas não se pode regressar aos hábitos do passado, defende Margarida Couto, sócia da Vieira de Almeida & Associados e presidente da associação Grace. A recuperação vai ter de ser feita com base na inovação e na sustentabilidade — não só porque o planeta precisa, mas porque as empresas que não o fizerem vão ficar para trás.
Tal como acontece com algumas pessoas, cujas experiências de quase morte as levam a reformular a sua vida, Margarida Couto quer que as empresas que estiveram “ligadas à máquina” durante os dois anos de pandemia “retomem de outro ponto, construindo melhor para trás e acompanhando tudo o que é a inovação”.
No terceiro dia da Bolsa de Turismo de Lisboa, o palco do NEST – Centro de Inovação do Turismo, debruçou-se sobre os temas da sustentabilidade, matéria cara para Margarida Couto. Sócia da empresa de advocacia Vieira de Almeida & Associados, o papel que veio desempenhar no palco BTL Lab foi o de presidente do Grace, associação que congrega mais de 200 empresas “que têm o tema da sustentabilidade como central às suas preocupações”.
Se este princípio de reconstrução melhorada — a máxima do “Building Back Better” (“Construir de Novo e Melhor”, em tradução livre) — se aplica de forma generalizada ao tecido empresarial, é especialmente pertinente para o setor do turismo. Mas como é que será possível operar uma recuperação? “Só através da sustentabilidade e da inovação é que acreditamos que seja possível de se pôr de pé”, defende a presidente do Grace.
Margarida Couto colocou no centro do seu discurso as metas ecológicas que é necessário atingir para tentar minimizar ao máximo os estragos que as alterações climáticas já começaram a causar — e tenderão a agravar-se caso o rumo não se altere. E como as empresas fazem parte desta equação, também elas terão de mudar, já que “não há nenhum setor que seja imune à transição digital ou energética, nenhum consegue vencer estes desafios sem recurso à inovação”.
Aqui, a lógica é de tentar fazer as empresas perceber “que o papel delas na sociedade mudou”, especialmente depois de formulados os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável pela ONU. E a mudança, defende a presidente do Grace, assenta em dois pressupostos.
O primeiro é de que tais objetivos são “absolutamente impossíveis de serem atingidos sem as empresas”. A responsabilidade, defende Margarida Couto, não recai apenas nos estados, mas sim em todos os intervenientes, especialmente as empresas, já que têm “os meios, os recursos e os processos, e têm ciclos menos curtos que os dos governos” para fazer mudanças. Mas, mais importante do que isso, é no seio das empresas que germina a inovação, e sem esta “não há um único destes objetivos de desenvolvimento sustentável que possa ser atingido”.
“As empresas são, porventura, os intervenientes que mais histórico de inovação têm e que mais têm transformado a agenda da sustentabilidade através da mesma. Sem ela não havia painéis solares, energia offshore ou borracha transformada em selins para bicicletas”, diz a presidente do Grace. Por outras palavras, “sem inovação, esta agenda é, pura e simplesmente, inatingível”.
Margarida Couto deixou uma mensagem crucial para o futuro das empresas: por mais que a transição custe, o custo de não fazê-la será ainda maior, quer para o planeta, quer para as próprias empresas. Como exemplo, recordou o Pacto Ecológico Europeu, que acredita que irá “colocar a Europa como líder de sustentabilidade”. “Vai ser difícil e vai doer, porque isto é muito exigente para as empresas e pode parecer até que lhes retira vantagens competitivas por lhes fazer exigências que empresas doutras geografias não têm, mas só quem for sustentável vai retirar os benefícios e se vai manter competitivo no futuro”, defendeu.
Para tal, será necessário adotar o quadro ESG (“Environmental, Social and Corporate Governance”, ou “Governança Ambiental, Social e Corporativa”), que coloca nas empresas a responsabilidade social e ecológica além da lógica do lucro. “Acreditamos no Grace que as empresas que não compreenderem que o futuro passa por aqui, que não adotarem este framework, não vão manter-se competitivas. Podem ser muito lucrativas no curto prazo, mas não serão prósperas no longo prazo e tenderão a desaparecer ou, no mínimo, a definhar”, alertou Margarida Couto.
Estes três pilares, todavia, “não são silos estanques” e têm de interagir entre si, o que significa que uma empresa não pode tomar decisões tendo apenas em conta os aspetos ambientais, descurando, por exemplo, os sociais. “A transição energética, que é um desafio brutal, até para a indústria do turismo, e que só pode ser obtida através de inovação, tem de ser feita de forma justa, porque se não o for, atira milhões de pessoas para a pobreza energética”, enunciou.
Ao mesmo tempo, as empresas não podem virar as costas à vertente ambiental, até porque, perante as novas diretivas europeias, os direitos humanos “vão passar a englobar direitos ambientais”. O mesmo se aplica a Portugal, já que a nova Lei de Bases do Clima, aprovada em 2021, já consagra, por exemplo, a figura do refugiado ambiental, pelo que “o ambiente está a tornar-se um direito humano absolutamente incontornável”.
Além disso, mesmo que optem por ignorar a mudança, mas fingir que a fazem — através das chamadas manobras de relações públicas, como o “Greenwashing” — vai ser mais difícil fazê-lo. “A nova legislação europeia vai passar a obrigar as empresas a auditarem os seus relatórios de sustentabilidade”, diz Margarida Couto. Ou seja, por outras palavras, “vamos deixar de ser nós a dizer coisas maravilhosas acerca de nós próprios sem que ninguém venha ver se é verdade”, alertou.
Enquanto essa regulação não entra em vigência, o que a presidente do Grace defende é que as empresas não caiam na tentação de atirar areia aos olhos dos clientes e da comunidade. “Recomendamos que digam o que fazem e façam o que dizem”, aconselhou.
Um princípio que Margarida Couto enunciou durante a sua apresentação acaba por resumir tudo isto, o do “bolo de casamento da sustentabilidade”. Construído por camadas, a de cima não se aguentará sem que as de baixo estejam sólidas, da mesma forma que “nos edifícios, quando as fundações soçobram, o resto vai atrás”.
Ora, se considerarmos que o planeta está na camada de baixo e a sociedade e a economia nas de cima, basta que a primeira se desmorone para as restantes seguirem caminho. “Se não salvarmos a biosfera, escusamos de estar muito preocupados em salvar a economia”, frisou Margarida Couto.
Mas, como em tudo, os períodos de grande convulsão são também de grande transformação. “Podemos encarar estes enormes desafios com o copo cheio ou o copo vazio. Acredito sempre que por trás de um enorme objetivo há uma enorme oportunidade”, concluiu.