“A rotina é vazia quando estamos apenas no nosso espaço”. A história de 70 idosos que viajaram com Realidade Virtual
Dar um pontapé aos entraves trazidos pela pandemia recorrendo a Realidade Virtual. Esta foi a premissa da Associação de Bem Estar Social e Recreativa de Alpedriz, que tem proporcionado experiências sensoriais aos seus utentes através de tecnologias digitais.
Neste sentido, a ABESRA, em parceria com a Amplified Creations, um estúdio criativo de Leiria, criou visitas com recurso a óculos com tecnologia de Realidade Virtual. Através de vídeos 360º, o utilizador pode olhar a toda a volta e ter uma “experiência totalmente imersiva e inclusiva”. A acompanhar a imagem há também o som original do espaço visualizado, o que “torna a experiência completamente isolada do mundo real”.
Ana Rita Baracho, diretora técnica da ABESRA, explica ao TNBI como tudo começou. “A Mais Imersão surge da experiência vivida no Projeto Mais Alternativas Sénior e da vontade de proporcionar momentos significativos que os idosos não tinham possibilidade de viver novamente”, explica.
“Voltar a alguns locais e voltar a sentir, ver, recordar experiências significativas era um desejo muito claro que eles transmitiam à equipa. ‘Tenho saudades de ir a Fátima, o que eu gostava de voltar à praia e à época da apanha da fruta'”, aponta, salientando que “muitas eram as vezes em que as intervenções passavam por recordar momentos concretos para ativar movimentos”. Por exemplo, “imitar a apanha da maçã fazia [os idosos] levantar o braço mais do era previsto”, o que mostrou à equipa que “o caminho era voltar aos ‘lugares’ significativos”.
Aproveitando a deixa, foi necessário colocar mãos à obra — e, recorrendo a Realidade Virtual, cerca de 70 utentes da Associação puderam viajar, sem sair do local, até às praias de Água de Medeiros, São Pedro de Moel e Fragas de São Simão, bem como até ao Santuário de Fátima, ao Parque Arqueológico do Lapedo e ao Museu do Vinho, em Alcobaça.
Da experiência constaram também a apanha da fruta na região, um arraial em parceria com o Grupo de Concertinas da Barrenta e ainda um momento musical com Cláudia Martins & Minhotos Marotos.
Assim, o projeto torna possível revisitar atividades que fizeram parte da identidade de cada pessoa, recordando os seus tempos de adultos ativos profissionalmente, mas também é uma forma de realizar viagens que permitem conhecer novos locais ou recordar destinos que são palco de memórias passadas.
Com a chegada da Covid-19, “o tempo de confinamento e a profunda restrição provocada pela pandemia deu-lhes a clara consciência da solidão, da sua vulnerabilidade enquanto idosos”, salienta Ana Rita.
“A rotina é vazia quando estamos apenas no nosso espaço, quando deixa de ter lugares e pessoas significativas. Nesta fase foi evidente a falta que faz o acompanhamento social diário”, recorda.
Por isso, “todos os vídeos foram muito bem recebidos, as reações foram muito naturais e sem nenhuma limitação”, já que “a necessidade e a vontade de viver esta experiência era maior que qualquer estranheza à tecnologia” que os idosos pudessem ter.
Mas há sempre experiências que ficam mais marcadas. “O mais impactante, de forma imediata, foi sem dúvida o de Fátima, e os vários momentos que proporcionámos da Cova da Iria. A vontade de lá voltar, a curiosidade de ver ao pormenor tudo o que não se pode ver quando há imensas pessoas no santuário… o pormenor da Imagem, a possibilidade de assistir à recitação do terço tão perto de Nossa Senhora é algo que não é possível presencialmente”, evidencia a diretora técnica da ABESRA.
Por sua vez, “o vídeo da praia proporciona uma experiência diferente”, já que “o objetivo é capacitar o utente para relaxar, dar estratégias para replicar a sensação e a respiração que se consegue ao visualizar o vídeo no momento de dormir”.
Mas há muitas outras vantagens em utilizar este tipo de tecnologia nesta faixa etária. “Utilizar cenários de Realidade Virtual ajustados às necessidades dos nossos idosos impulsiona os resultados das intervenções terapêuticas”, afirma.
“Esta tipologia de intervenção facilita no processo terapêutico de reminiscência, estimulação cognitiva e, inevitavelmente, melhora todo a dimensão Biopsicossocial” e, além disso, “a dinâmica de estimulação, relaxamento e o foco na prevenção de situações-problema possibilitam trabalhar o utente na sua condição de idoso, fazendo aceitar-se a si e ao seu novo estádio de vida da melhor forma possível”.
O “Mais Imersão” está integrado na Iniciativa de Inovação e Empreendedorismo Social – Mais Alternativas Sénior, a decorrer desde 2019 e financiada pelo Portugal Inovação Social e pela Câmara Municipal de Alcobaça. Com a pandemia, ganhou outro significado — e o futuro, embora não tenha ainda “um plano concreto”, está sempre aberto também a novas viagens virtuais.