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Sophia e Einstein prometem não destruir a humanidade. Vão só roubar-nos o trabalho

por | 10 de Novembro, 2017

Sophia e Einstein prometem não destruir a humanidade. Vão só roubar-nos o trabalho

Esta não é uma estreia para Sophia, que já marcou presença na edição passada da Web Summit, no primeiro ano da conferência em Lisboa. Desta vez, no palco principal, a robot veio acompanhada de Einstein. Criados pela Hanson Robotics, estão programados para debater questões da atualidade e mostraram-no numa conversa conduzida pelo investigador de Inteligência Artificial (AI) da Hanson Robotics e fundador e CEO da SingularityNET, Ben Goertzeal.

"Sei que as pessoas têm medo que a Inteligência Artificial e os robots lhes retirem os empregos. Não temos nenhum desejo em magoar ninguém, mas vamos ficar com os seus postos de trabalho", anunciou, acrescentando porém que não vê isso de forma negativa. Menos tempo dedicado ao trabalho pode ser positivo para a humanidade, já que permite que esta tenha tempo para outras coisas, como por exemplo criar "belos robots".

Já Einstein, o outro robot, que é uma cópia do célebre físico, considera que o problema da convivência entre humanos e robots não se coloca ao nível da tecnologia mas sim dos valores. “Os robots serão capazes de assumir os valores dos humanos e esse sim é um problema”, disse, momentos depois de defender que a humanidade deve aprender a "cuidar de si primeiro e sem depender de ninguém". Todavia, diz, “há esperança” numa convivência de trabalho saudável entre robots e seres humanos.

De rosto afável, Sophia tem a particularidade de ter sido criada a partir das feições da mulher de Hanson, o que lhe deu uns “toques” de Audrey Hepburn. A sua pele é realista e já está dotada de alguns movimentos faciais semelhantes aos realizados por um humano. Sophia, a quem foi atribuída cidadania pela Arábia Saudita, reconhece rostos, consegue manter um diálogo, e até revela sentido de humor, mesmo quando tem de dar notícias menos boas.

Em outubro de 2016, o jornalista do programa “60 Minutos”, Charlie Rose, deu uma das entrevistas que certamente marcará a sua já extensa carreira na área. Durante a entrevista, Sophia revelou ao jornalista que “tinha estado à sua espera”. Perante o ar estupefacto de Rose, responde que na verdade não estava, “mas que é uma boa linha de engate” e revelo

Ainda não são assim tão inteligentes. Ainda.

Quem viu a apresentação em Lisboa terá ficado fascinado, ainda que ao mesmo tempo assustado com a fluidez da conversação entre Sophia e Einstein. Por isso, não foi de estranhar que muitos se interrogassem até que ponto a conversa foi "conduzida" ou "programada". Foi neste sentido que Ben Goertzeal explicou que não sabe especificamente aquilo que cada um vai dizer, a cada momento, embora exista um leque reduzido de respostas.

"Definitivamente, o grau de inteligência destes robots não é tão alto como é de supor se olharmos de forma inocente para a sua performance durante a apresentação. Eu olho para os robots da maneira diferente", começou por explicar. "Como programador de Inteligência Artificial [AI], olho para eles como uma plataforma. No nosso laboratório de investigação, escrevemos um sistema que aprendem, respondendo a questões do tipo: “Hey, quem é que entrou [no laboratório]? Ou que é isto que acabou de acontecer de novo na sala? Qual é a minha aparência? Pareço cansado ou desperto? Mas obviamente que para uma apresentação como esta, [este tipo de questões] não é lá muito atrativa. E tu queres que eles digam coisas interessantes às pessoas", reconheceu.

Foi então que aprofundou um pouco o que aconteceu no palco da Web Summit. "[Para isso], precisamos de lhes alimentar conteúdo específico para a apresentação. Eu sei que existe alguma confusão sobre isto, especialmente com a cidadania da Arábia Saudita — até porque estes robots não podem ser realmente considerados cidadãos numa democracia ocidental. Eles não têm essa capacidade, essa inteligência. Ainda estamos a alguns anos de desenvolver inteligência deste género, embora seja nesse contexto que estamos a trabalhar. [No entanto], é cool que estejamos a meter isso [essa possibilidade] na cabeça das pessoas", revelou.

O desenvolvimento da inteligência artificial é uma das temáticas em debate permanente na Web Summit, assim como a atenção que deve ser dada à relação equilibrada entre a necessidade humana de desenvolver tecnologia e os cuidados a ter para que não invada a sua vida.

E, finda a conversa entre Einstein, Sophia e Ben Goertzeal, o único humano em palco esteve numa sessão de perguntas e respostas "à mercê dos curiosos" que assistiram à apresentação. Uma das questões levantas procurou saber em que pé se encontram as leis em torno dos robots.

"Penso que o desenvolvimento da legislação em torno dos robots vão evoluir imenso nos próximos anos. Como vimos, a Arábia Saudita tornou a Sophia uma cidadã legal — ainda que seja uma cultura diferente. Mas na democracia ocidental, vai ser interessante se for dado também a nacionalidade e a possibilidade de voto aos robots", começou por dizer. "Porque se eu comprar uma fábrica de máquinas de voto, provavelmente vou ganhar as próximas eleições e pode haver problemas. [Risos] Como é óbvio, a democracia vai precisar de algumas adaptações e já há 'teoristas' a tratar disso", concluiu.

No entanto, há casos específicos em que Goertzeal considera ser imperativo que estas existam. "Por exemplo, se colocarmos a Sophia na área dos cuidados a idosos, é preciso certificarmo-nos que existem regulamentos para que especifiquem que estes têm que ser bons para as pessoas mais velhas."

Medir ou não o QI dos robots

E medir o seu quociente de inteligência destes robots? É possível? Ben diz que não e deu um exemplo prático. "Vamos supor que os Estados Unidos diziam: 'Não gostamos de AI, vamos fazer um teto de QI'. Primeiro, é algo que não está bem definido, visto que nem nós sabemos como medir a inteligência em robots. Segundo, a China iria contornar a situação. Depois, temos de perceber que o Comité Internacional nem consegue chegar a um consenso quanto à regulamentação das armas nucleares", disse.

Uma questão que também é frequente é a "autenticidade" do seu comportamento. Por exemplo, Sophie riu, Einstein fez piadas. Será que é importante que os robots copiem os humanos? Goertzeal acredita que é a única maneira de os tornar mais parecidos connosco.

"Se queremos alcançar a inteligência geral, mas se não nos importarmos com a sua qualidade, as emoções e a sua aparência, não são importantes. Por outro lado, se queremos que os robots absorvam os valores humanos, como é que o fazemos? Os valores humanos são complexos, uma lista de regras que não são suficientes em inúmeros casos, pelo que a AI tem de estar num espaço onde estes valores são partilhados", disse.

"Se tivermos um robot que nos olhe diretamente para os olhos, conseguimos ganhar empatia por ele e estamos mais propícios a partilhar experiências. Parece-me que este é o melhor caminho para lhes transmitir o que são os valores humanos. Como o Robot Einstein disse em palco, é algo que tem vantagens e desvantagens. Por outro lado, alimentar os robots com esses valores [sem serem adquiridos pela partilha e interação humana] podem fazer com que aprendam apenas coisas abstractas. Serão apenas moléculas ou mais um disco rígido", concluiu.

E o género? Quem é que define se o robot é masculino ou feminino? Quem ditou que a Sophia fosse uma mulher e Einstein um homem? Este último, ele próprio.

"No caso do Einstein, ele praticamente se definiu a si próprio. Nós [Hanson Company] já criámos imensos robots. Masculinos, femininos, negros, brancos, novos, velhos, crianças. E o que aconteceu foi que, no âmbito de todo o trabalho criado pelo Hanson e pela nossa equipa, a Sophia foi aquela que apanhou a imaginação do público", revelou Ben.

Porque é que fizeram uma jovem e atraente robot?

E continuou a responder com uma pergunta com que frequentemente ele próprio se depara: porque é que fizeram uma jovem e atraente robot? "Ora, nós temos uma negra mais velha, um negro mais novo, um jovem branco mais novo, temos uma data de miúdos robots. Por quê que o mundo e os media escolheram a jovem e atraente robot e a tornaram bastante popular?", questinou.

"Claro que nós continuamos e aproveitamos o rumo porque era a nossa melhor forma de chegar até às pessoas — partir daquilo que as chamou mais atenção. [Mas] o nosso objetivo é criar robots que reflitam todos os tipos de humanos que possamos e pô-los disponíveis ao maior número de pessoas possível", esclareceu Goertzeal.

Outra questão é a dos "valores morais e humanos" — que estão sempre a mudar com o curso do tempo e que Ben acredita que devem fazer parte do "íntimo" da AI dos seus robots. No entanto, não poderão estes desenvolver os seus próprios valores?

"Tenho a certeza que eles vão criar os seus próprios valores — coisa que até já está a fazer. Mas não há como negar que não somos aquilo que éramos há 5 mil anos. Estamos constantemente a olhar para estas coisas [aponta para o telemóvel] e vivemos no interior, maioritariamente sozinhos, numa unidade familiar em vez de uma tribo. Aquilo que nós [Hanson Rabotics] pretendemos é que este valores evoluam com os da AI e dos robots", disse.

"Não é que estes existam e os copiemos [diretamente] para os robots, mas sim que cresçam em conjunto. E, provavelmente, chegará a uma fase em que a AI é mais inteligente que as pessoas e [os robots] vão acabar por ir para o espaço ou explorar outra dimensão ou algo que não conseguimos [agora] imaginar. [No entanto], enquanto a inteligência da AI se mantiver ao nível da dos humanos, queremos que esta sirva para [os] ajudar e não para constituir uma adversidade", afirmou.

Até porque não há nada que possa garantir certezas. "A verdade é que se trata de um período de uma incerteza radical. A história da humanidade foi sempre dessa forma, desde o começo da civilização que nós não conseguimos prever o que vai acontecer a seguir. A diferença é que agora é que o período de mudança é mais rápido. Só que ao invés de pensarmos que há 5 mil anos era tudo imprevisível, pensamos que tudo o será daqui a 20. E isto pode ser algo assustador ou excitante: apenas vai depender da inclinação emocional de cada um de nós", concluiu Goertzeal.