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“Vamos buscar as melhores pessoas, matamo-los de trabalho enquanto estão no Técnico, e quando saem de cá são profissionais excepcionais”

por | 16 de Novembro, 2017

“Vamos buscar as melhores pessoas, matamo-los de trabalho enquanto estão no Técnico, e quando saem de cá são profissionais excepcionais”

Há 106 anos que a receita do Instituto Superior Técnico (IST) não sofre alterações: “vamos buscar as melhores pessoas da geração que está a entrar na universidade, matamo-los de trabalho enquanto estão no Técnico, e quando saem de cá são profissionais excepcionais”, diz Luís Caldas de Oliveira, vice-presidente para a área de Empreendedorismo, Relações Corporativas e Transferência de Tecnologia do IST. O instituto é conhecido pelo ensinamento rigoroso da matemática e da física e procura, a par e passo, acompanhar as mudanças que se têm verificado na dinâmica da sociedade, e consequentemente na do mercado de trabalho.

Um dos exemplos que espelham como a sociedade influencia o rumo do IST foi a introdução de aulas de Empreendedorismo, muitas delas lecionadas por Luís Caldas de Oliveira. “Aquilo que pretendemos transmitir aos alunos que optam por ter a cadeira de empreendedorismo é que ter uma ideia é importante, mas mais importante é agir sobre a ideia. Temos um modelo experiencial do ensino de empreendedorismo. Ler os livros ou fazer planos de negócio não é a melhor maneira de aprender, tem de se ir falar com as pessoas”, explica o professor.

Nestas aulas os alunos trabalham em equipa num determinado projeto, a fim de simular aquilo que é o arranque de uma startup, enfrentando, deste modo, todos os obstáculos inerentes ao processo de iniciação do negócio. Para Luís, o grande objetivo é mostrar aos alunos que “falhar não é um drama completo”. O professor reforça que, tal como a matemática, também o mundo do empreendedorismo funciona segundo a fórmula tentativa-erro: “Na maior parte do tempo, as coisas correm mal. Queremos mostrar que, mesmo quando tudo corre mal, há qualquer coisa que ficou. É este o propósito de falhar: correu mal mas na próxima já não partimos do 0, partimos em cima daquilo que correu mal. Depois faz-se o click, e as coisas começam a correr bem”.

A consciência da necessidade de olhar para o futuro esteve também presente na celebração do 106ª aniversário do Técnico, em maio deste ano. Neste ano, as “profissões do futuro” foram o mote que conduziu as atividades reservadas para este dia. Luís Caldas de Oliveira refere um estudo que diz que 65% das crianças que estão neste momento a entrar no ensino primário vão ter uma profissão que ainda não existe para nos mostrar que há uma enorme pressão para adaptar o ensino às profissões futuro. “Por exemplo, no Técnico já tivemos sessões de pilotagem de drones. Hoje em dia, ser piloto de drones é uma profissão. Há uns anos seria impensável”.

Procurando desde o primeiro ano da sua história dominar as tecnologias que estão na fronteira de conhecimento, o IST depara-se agora com um período em que a concorrência avança a um ritmo leonino e a inovação surge de todas as frentes. “Mesmo assim, o Técnico consegue marcar a diferença”, conta Luís, “a inovação é um processo de passar do conhecimento para a utilização prática. O Técnico faz a diferença com os alunos, os professores e investigadores que trabalham na instituição. São as pessoas e não as instituições que fazem a diferença no que toca à questão da inovação. E, de facto, nós temos muita facilidade no processo de translação de um conhecimento em aplicações para os cidadãos”.

Este processo, o de passar do conhecimento para a prática, é aplicado no conceito da inovação aberta, em que as empresas partilham com a sociedade, nomeadamente com as faculdades e startups, os desafios que têm em mãos, em vez de os tentarem resolver apenas internamente. As empresas propõe-se, no fundo, a comprar aos alunos soluções para os seus problemas. Para Luís, este modelo de inovação “mostra muito mais resultados”, uma vez que permite que as empresas consigam ter propostas de soluções muito mais diversificadas e, ao mesmo tempo, que os alunos podem contribuir para a construção de um produto ou modelo melhor.

Uma das questões que ainda não está totalmente afinada com o modelo de inovação aberta é a propriedade intelectual, isto é, a necessidade de partilhar os proveitos gerados com as equipas universitárias envolvidas e não serem detidos exclusivamente pela empresa que lança o desafio. “A ideia, segundo a lei portuguesa, é dos inventores, quer sejam pessoas da empresa ou do Técnico, neste caso. Depois, acontece que as empresas estabelecem um contrato de trabalho onde dizem que são detentoras dos direitos das invenções criadas. Por exemplo, o Técnico tem os direitos das invenções dos seus funcionários e um regulamento de propriedade intelectual que permite aos professores ficar com os direitos de propriedade intelectual dos alunos caso lhes paguem uma grande percentagem do valor que vier a aferir com a valorização desses direitos. Neste momento, o valor médio da remuneração é de 80% dos proveitos que forem realizados”.

Encaminhar sim. Copiar não

O principio, segundo o vice-presidente do IST, é que o conhecimento seja valorizado da melhor forma possível para a sociedade. “Não é para fazer dinheiro, ninguém fica rico com propriedade intelectual”, sublinha. Deste modo, as patentes são criadas, nomeadamente no Técnico, porque “se vê que há valor em dar o exclusivo de exploração de uma ideia a alguém que quer investir na invenção de forma a que seja útil para a sociedade”. Ainda que a instituição não tenha “nenhuma propriedade intelectual jackpot”, reune um património de 300 patentes que estão licenciadas e algumas internacionalizadas.

Contudo, a visão do IST não é a de se assumir como incubadora: “não acho que faça sentido numa cidade como Lisboa as universidades terem de ter todo o processo de inovação, todos os mecanismos de apoio às startups. Nós temos alguns algumas partes deste processo, mas tentamos, primeiro, ver o ecossistema empreendedor de Lisboa tem para oferecer”. Assim, o professor considera que o IST não se deve clonar àquilo que já existe. Ao invés, o papel da instituição é “gerar inputs, nomeadamente inputs humanos, para este ecossistema e não copiar o funcionamento dele”, conclui Luís.

Para além de os professores encaminharem os alunos para as incubadoras mais adequadas aos temas em questão, o IST alberga, a nível interno, programas de aceleração. Os programas pretendem realizar junto dos alunos, especialmente os de doutoramento, e dos professores um processo de evolução de conhecimento que se aproxima daquilo que é uma validação de uma potencial startup. “Pretendemos verificar sem grande custo para essa pessoas envolvidas se aquela tecnologia tem de facto o mercado que parecer ter”, diz Luís, que ilustra o bom funcionamento desta ideia com o exemplo da TalkDesk, uma empresa que permite criar um call center na Internet e que foi fundada por dois alunos do técnico, Tiago Paiva e Cristina Fonseca. Em 2012, Tiago e Cristina tinham o seu primeiro cliente, hoje estão sediados em Lisboa e em São Francisco com mais de 250 empregados.

Tal como caso de Tiago e Cristina, cada vez mais os projetos – nomeadamente os do mundo da matemática e a física – aparecem de mãos dadas com a tecnologia. “Para uma pessoa que gosta de tecnologias, este é claramente o melhor tempo de sempre”, diz Luís. Alerta-nos ainda para a mudança que isto traz: atividades mais próprias do ser humano vão ser feitas por robôs, ao ponto de, daqui a não muito tempo, todos nós termos colegas robôs que conseguem transmitir pensamentos e simular determinados estados emocionais.

Para Luís Caldas de Oliveira vai ser necessário repensar o papel do ser humano na sociedade, bem como analisar a capacidade dos humanos se adaptarem a estas mudanças. Com uma atitude otimista, assume que não se sabe o que vai acontecer nem a que transformações o mundo vai assistir, mas uma coisa é certa: “o que nós podemos ter certeza é que a matemática e a física foram e vão sempre ser úteis para tudo”.